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De geração para geração

Mãe e filha têm muito o que trocar na hora em que uma nova vida desponta no cenário familiar. É o momento de estreitar a conversa e de resgatar lições que atravessam os anos e chegam a nós plenas de sabedoria e afeto

De geração para geração – Shutterstock

Uma hora acontece. A mãe vira avó e a filha se torna mãe. Um bebê, amado e acalentado, desponta entre as duas. E a relação se transforma. Esse encontro de gerações reserva grandes aprendizados, como também momentos de profunda delicadeza. É a vida mostrando a existência de um fluxo, que merece todo o zelo possível, como também reverência ao que nos foi transmitido por nossos antepassados. Quem não se lembra da avó dizendo: “Tome três goles d’água para estancar o soluço” ou, então, “Mel com limão é um santo remédio para a tosse”. Isso entre outros saberes, felizmente, compilados pela memória afetiva.

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Chegar mais perto das nossas mães e avós – ou do legado que elas nos deixaram – é um gesto muito bem-vindo quando se carrega um filho no ventre, na visão da psicoterapeuta Cristina Balieiro, de São Paulo, coautora de O Feminino e o Sagrado – Mulheres na Jornada do Herói (Ed. Ágora), ao lado de Beatriz Del Picchia. Segundo ela, mulheres de gerações passadas ajudam as mais novas a entrar, com naturalidade, nesse universo da maternidade. Na maioria dos casos, surge uma necessidade incontrolável de receber o cuidado de quem nos trouxe ao mundo ou da figura materna, que pode ser a avó, uma tia ou empregada. “É como se pedíssemos a nossas mães para nos ensinar a ser mãe, especialmente na primeira gestação”, observa Cristina. Sem falar no conforto emocional de ter uma figura tão acolhedora por perto. Alguém para trazer a canja (para ensinar a fazer uma também!), ficar de olho no bebê enquanto a jovem mãe cochila ou toma banho, repassar aquela receita de chá que a nona fazia. Carinhos preciosos que se somam à segurança de quem já percorreu as mesmas dúvidas e sabe que no final tudo dará certo. “Quanto mais preenchida por esse conforto emocional, mais a mãe poderá se doar para o bebê”, avalia a psicoterapeuta.
 É por isso que Gabriele Oliveira – discípula da Amma, mestra indiana conhecida como “a santa dos abraços” – encoraja as mamães a aproveitar a gestação para resgatar o contato, o respeito e a reverência por suas ancestrais. Especialmente quando a relação apresenta desgastes ou mágoas antigas. “A atitude de reverenciar, perdoar e reconhecer a beleza, a existência e o divino que se manifestou em nossas ancestrais para que pudéssemos estar vivas hoje é uma forma de curar-se em muitos níveis. E aí acontece a real possibilidade de estar bem consigo mesma e de ter uma gestação saudável e feliz”, ela aponta.
Presença amorosa
 
Uma vez refeito ou reforçado esse elo, é importante cuidar para que limites sejam preservados. Mãe é mãe. Avó é avó. Isso precisa estar muito claro, segundo a psicóloga, pedagoga e escritora Betty Monteiro, autora de Avós e Sogras – Dilemas e Delícias da Família Moderna (Summus Editorial), entre outras obras, de São Paulo. “É fundamental que a avó dê espaço para a filha virar mãe, reconhecendo suas capacidades e permitindo que ela aja da maneira que bem entender”, sublinha. O melhor caminho, ela sugere, é se fazer presente, de maneira amorosa e acolhedora, jamais invasiva ou autoritária. Mãe de quatro filhos – duas mulheres e dois homens – e avó de seis netos, Betty optou pelo lema: “Estou aqui para o que der e vier, porém vou esperar ser requisitada”. “Procurei cuidar carinhosamente das minhas filhas, mas sem invadir esse momento tão importante na vida do casal”, conta.
Avó de amados dez netos, a psicoterapeuta familiar e de casal Lídia Aratangy, de São Paulo, coautora do Livro dos Avós – Na Casa dos Avós É Sempre Domingo? (Primavera Editorial), ao lado do pediatra Leonardo Posternak, também defende o respeito ao espaço dos filhos que se tornam pais. “A arte de ser avós consiste, antes de tudo, na arte de ser pais de filhos adultos, o que requer um delicado equilíbrio entre estar disponível quando necessário e não ser invasivo. Pois mesmo depois de serem pais, os filhos precisam de apoio, reconhecimento e até de proteção, ainda que às vezes tenham certa resistência para confessar”, sustenta. Para ela, é comum as filhas encararem o papel de mãe a ferro e fogo. Regras viram leis. E a rigidez se instala. Aí, com jeitinho, a mulher experiente vai mostrando que dá para relaxar um pouco. “A avó já sabe que as coisas não são tão pontuais, que, se não cometermos os mesmos erros de nossas mães, vamos cometer outros. E vai dar certo do mesmo jeito”, relativiza com bom humor.
Essa confiança perpassou a gravidez de Camila Miranda, 23 anos, de São Paulo, educadora corporal e bailarina, mãe de Clara, 3 anos. Partiu da avó, a terapeuta e psicopedagoga Márcia de Assis Miranda, 56 anos, a iniciativa de Presença amorosa cobrir a neta com mensagens de serenidade diante da gravidez não planejada. “Tive que me fazer muito presente, pois os primeiros quatro meses foram emocionalmente difíceis para ela, porque era muito nova, não tinha terminado a faculdade, morava conosco”, revela Márcia. As duas conversavam muito sobre os medos e as inseguranças do processo. “Falava que naquele momento era natural sentir angústia, ainda mais sendo ela tão jovem. Às vezes, apenas ouvia os desabafos, tentava me colocar no lugar dela.” Por fim, a fragilidade se converteu em garra. Clara nasceu de parto natural.
A cineasta paulista Simone Elias, 33 anos, mãe de Clara, 1 ano e meio – primeira filha e primeira neta –, também encontrou em sua mãe, Alice Fonseca, advogada, 60 anos, uma grande parceira de jornada. “Nos aproximamos muito durante a gravidez. Na reta final, ela veio de Guaratinguetá, onde mora, e ficou quase dois meses me dando apoio e carinho, respeitando minhas escolhas e me transmitindo segurança”, lembra ela, que desde então, modificou a maneira de enxergar a mulher que lhe deu à luz. “Você se percebe amando daquele jeito incondicional, desejando o melhor para o seu filho, e então passa a dar um valor muito grande para a mãe que tem.” Um pouco de encrenca é inevitável. Afinal, são duas gerações lado a lado, cada qual com sua bagagem, lidando com questões cotidianas das mais diversas: da alimentação à hora de dormir, passando pela bronca – ou pela ausência dela. “Por exemplo, nos desentendemos, por exemplo, porque ela quer liberar para a Clara alimentos que eu proíbo. Mas não brigamos. Temos discussões saudáveis sobre como cuidar da nossa pequena da melhor forma.”
Com tantos motivos para ser grata, Simone destaca aquele conselho de mãe que certamente será repassado à filha na hora devida. “Ela me disse para não ficar ansiosa para voltar a trabalhar. Para aproveitar as fases iniciais do bebê, porque elas passam muito rápido e o mais importante de tudo é estar com o seu filho. Foi o que fiz. E não me arrependo.” E, como palpite bom a gente guarda, ela levará adiante a noção muito bem colocada por sua avó. “Minha mãe sempre repete o que minha avó dizia: ‘Criança é criança e não um adulto pequeno. Por isso, deve ser cuidada e tratada como criança!’.”