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De volta ao equilíbrio

Published 09/12/2016

De volta ao equilíbrio - Will Silva

Há um antigo ditado budista que diz: “Guardar a raiva é como guardar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém; mas é você mesmo quem se queima”. A energia que vem dessa ou de outras emoções negativas como a ganância e o ciúme pode atrapalhar nossa capacidade de discernimento e ser o gatilho para reações exacerbadas. Que atire o primeiro carvão em brasa aquele que, em um momento de muita agitação, nunca perdeu a cabeça e falou palavras duras, impensadas, para logo em seguida se arrepender ou se envergonhar. Até a pessoa mais calma entre nós pode perder a paciência de vez em quando; ninguém consegue evitar sentimentos
raivosos o tempo todo. A questão é como reagir diante de situações que despertam esses sentimentos sem provocar danos tão profundos a nós mesmos e a quem está ao nosso redor.
O que fazer quando as emoções nos cegam?
É importante lembrar que os momentos em que somos tomados por respostas emocionais exageradas são também oportunidades para praticarmos – e desenvolvermos – a auto-observação. “Quando aquietamos a mente, aquelas emoções que estavam turvando nossa forma de ver a situação se acalmam. E é possível ter maior nitidez sobre o que realmente está acontecendo para podermos tomar a melhor decisão”, explica a pesquisadora em neurofisiologia de estados de consciência Elisa Kozasa, de São Paulo.
É fato que o ritmo de vida agitado e competitivo nos cobra agilidade e requisita inúmeras tarefas. Torna-se cada vez mais raro separar um tempo para voltar-se para si, desenvolver a consciência plena e compreender determinadas atitudes. Essa falta de espaço para reflexão contribui para automatizarmos algumas respostas diante do cotidiano. E aí está a armadilha. “Quando não nos reconhecemos como alguém que sente ciúme, raiva e outros sentimentos ruins, quando negamos isso, ficamos sujeitos a responder emocionalmente de forma inadequada”, afirma Elisa.
Daí a importância de insistir num hábito, por mais que seja desajeitado e difícil no início. Antes de explodir em uma situação que claramente o tira do sério, tente conseguir um espaço – uns dez minutos de intervalo para si mesmo e para quem está ao seu redor – para perceber se aquela emoção que está sentindo é adequada ou não para aquele momento.
Mas o que é o equilíbrio emocional?
É crucial saber que o equilíbrio emocional ocorre quando nos permitimos vivenciar as flutuações da vida sem sermos sufocados ou oprimidos por elas, aprendendo a aceitar os nossos sentimentos sem julgamentos ou cobranças. É equivocada a ideia de que uma pessoa “zen” não reage nunca, muito menos de forma agressiva. “Basicamente, o balanço emocional está em conseguir responder de maneira adequada aos estímulos, sem que seja de uma maneira exagerada nem de uma forma reduzida”, tempera a professora Elisa.
Uma história ajuda a ilustrar isso. Havia um monastério em que os aprendizes discordavam sobre a posição em que um vaso supervalioso deveria ficar. “Mais ao centro?” “Não”, diziam alguns. Outros pediam que ele fosse retirado da sala porque causava distração. Havia ainda os que diziam que ele era tão bonito que merecia um lugar de destaque. O monge superior chegou e, com uma única tacada, quebrou o vaso. Ao fim, exclamou: “Pronto, se esse era o problema, não existe mais”, e voltou às suas nobres funções. O monge foi à essência da questão para resolvê-la. E tomou uma atitude precisa. Afinal, que importância tem um vaso – por mais valioso que
seja – para a harmonia de um templo? Deixar de responder emocionalmente quando é necessário pode ser, inclusive, bastante prejudicial. Por mais tentador que seja evitar os desconfortos emocionais – ninguém gosta de entrar em conflito –, os esforços para manter os pensamentos dolorosos, sentimentos e sensações físicas
de lado só funcionam temporariamente; a longo prazo servem apenas para insuflar e intensificar o sofrimento ligado a eles. Pode-se até dizer que existe uma relação direta entre a quantidade de esforço despendido para evitar a dor e o grau de sofrimento experimentado mais tarde. Em uma comparação com a natureza, seria como tentar impedir que um raio encontrasse o caminho para o solo. Sentimentos dolorosos reprimidos sempre encontram um meio para a expressão. Quando não nos permitimos sentir, invariavelmente eles serão expressos através de comportamentos explosivos ou, em casos mais extremos, por meio de sintomas físicos.
 
Meditação e respostas conscientes
Para aqueles momentos em que a raiva sai na frente e derrota você, existem maneiras de esfriar a cabeça mais rapidamente. O exercício de meditação pode ser implantado em qualquer momento, oferecendo um retorno à calma, um novo começo e até mesmo soluções criativas para problemas que pareciam impossíveis de
serem resolvidos no calor da hora.
Com a prática é possível aprender a testemunhar e observar nossos próprios pensamentos, sem deixá-los criar um turbilhão de ansiedade. Uma memória de algo doloroso que aconteceu no passado, por exemplo, pode espontaneamente voltar à lembrança, mas, em vez de deixá-la nos transportar em algo que seria parecido com uma montanha- russa emocional, podemos fazer com que esse pensamento venha e siga seu fluxo natural no momento presente. Pois, diferentemente
de um relaxamento, a meditação é um treino que abre caminho para a paz interior – e uma vez encontrado o acesso, vai ficando cada vez mais fácil não se perder nessa trilha.
A shamata (meditação com foco), segundo Elisa Kozasa, é uma das práticas que mais podem ajudar, pois visa trazer um estado de quietude interna para que a pessoa possa relaxar, se perceber e acalmar a mente para ter clareza mental. Além disso, esse exercício de aprimoramento da atenção colabora para aumentar a autocompreensão, nos torna mais conscientes sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas. Mais atento às energias, expressões faciais e à linguagem corporal. E nos leva de volta para um estado de paz natural do qual nos afastamos.
Em sintonia com as emoções
De acordo com a filosofia budista, a potencialização de sentimentos como a compaixão, a empatia e o altruísmo é peça-chave na busca pelo equilíbrio emocional. É que, antes de mais nada, é necessário entender que o sofrimento existe e acontece para todas as pessoas – tanto para alguém de quem gostamos muito como para alguém
de quem não gostamos. Ao desenvolver e praticar essas formas de sentimento, passamos a nutrir o desejo de que não apenas nós mesmos possamos nos livrar
do sofrimento mas também nossos amigos, filhos ou até mesmo uma pessoa que não conhecemos tão bem assim. Perceber o sofrimento como um elemento em
comum nos humaniza e solidariza.
Claro, sentir raiva é algo desconcertante, ruim, desagradável. Por isso mesmo, o humor ajuda. Leia mais cartuns nessa hora. Busque no YouTube algo que te faça gargalhar. Ou, na impossibilidade de acessar esses recursos, imagine-se vestindo uma roupa de mergulho e chegando ao fundo da ira, ou recitando mentalmente um mantra do tipo: “Tá certo, raiva, você manda. Libere toda a sua fúria. Vou ficar sentado aqui por alguns minutos até a autocombustão passar”. Outra estratégia é fazer uma pesquisa corporal de onde a raiva, o ciúme ou a arrogância estão localizados. Explore essa sensação. Perceba se ela cresce ou diminui de intensidade, se você consegue reverter esse movimento. Tente em seguida nomear o que sente.
É mais fácil batizar o desconforto inicial de raiva. Mas depois vá refinando a definição. Trata-se de uma irritação, frustração, aborrecimento? Encontrar a palavra certa é como saber exatamente com o que se está lidando e aumentar as chances de autocompreensão. Compreender-se e perdoar a si mesmo é extremamente importante. Lembre-se: sentir raiva não é um crime. Mas dá pra melhorar, minimizar a intensidade da explosão, manifestar–se com maior clareza e menos danos e se recuperar cada vez mais rápido quando isso acontece. Estamos todos na corda bamba da vida. Desequilibrar-se pode ser apenas a lembrança de que, opa, queremos voltar ao prumo.
Três tipos de amor
Na visão do monge budista Matthieu Ricard, podemos perceber a empatia como nossa habilidade de perceber o outro, inclusive o sofrimento dele. A compaixão, como a nossa habilidade de perceber que o outro sofre, e nos sentir movidos a ajudá-lo. E o altruísmo, como a habilidade de reconhecer o sofrimento do outro e nos motivarmos a ajudá-lo em uma ação desinteressada. “Essas definições são bastante didáticas e ajudam a ilustrar que um sentimento não é exatamente igual ao outro, mas eles se permeiam”, completa Elisa Kozasa.
 
É possível transformar
No mês de novembro, Elisa Kozasa inicia o treinamento Cultivando o Equilíbrio Emocional, na Associação Palas Athena. Formada em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo, suas principais pesquisas abordam a neurofisiologia de estados de consciência como a meditação. Tais estudos são feitos por meio
de neuroimagens funcionais e a avaliação de intervenções que envolvem treinamento de habilidades cognitivas e comportamentais. A ideia para o treinamento surgiu a partir de uma questão proposta por Dalai Lama em seu instituto Mind and Living, que reúne monges e cientistas. A questão era: “Como práticas meditativas podem ajudar a sociedade ocidental a lidar com emoções destrutivas?”. Na tentativa de responder ao questionamento, Paul Ekman, o maior especialista em expressões
faciais das emoções, e Allan Walace, físico e fundador do Santa Barbara Institute for Consciousness, sistematizaram o curso. Os benefícios do programa estão centrados principalmente no desenvolvimento de habilidades emocionais. Em especial para que haja a opção de se ter escolhas. Em outras palavras, para que as respostas a provocações e a estímulos deixem de ser automáticas e se tornem conscientes – ou menos destrutivas.
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