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Delícias de um sabonete feito à mão

Antes dos processos industriais, esse item primordial de higiene era produzido de maneira artesanal, à base de óleos e outros ingredientes naturais. Que tal resgatar essa tradição e fazer do seu ritual de limpeza diário um momento ainda mais gentil para a sua pele?

Delícias de um sabonete feito à mão – Beth Bacchini
A primeira evidência da existência de um sabão data de 2800 a.C. Cilindros de argila com uma receita inscrita foram encontrados onde, na época, se localizava a Babilônia (atual Iraque). Provavelmente, esse sabão era usado para lavar tecidos ou como remédio – não tinha ainda o “nobre” objetivo de limpar o corpo.
O primeiro higienizante corporal que se aproxima daquilo que conhecemos hoje talvez seja o “sapun ghar” (pronuncia-se sabun gá). Produzido na cidade síria de Alepo, era feito a partir de cinzas, azeite e óleo de bagas de louro. “Era uma pasta, inicialmente usada como antisséptico medicinal. Com o tempo e o calor, ao ser transportada no lombo dos camelos, a pasta virava barra. Sua característica principal era ser verde por dentro e castanho por fora. Só o sabão de Alepo cava assim”, conta Ane Walsh, artesã especializada em perfumaria de antiquário, a prática de fazer perfumes como antigamente, de Cambuquira, MG.
Durante a Idade Média, o sabão de Alepo chegou à Europa. A novidade – melhor e mais suave do que os saponáceos elaborados à base de gordura animal – foi uma revolução, já que, na época, os hábitos de higiene e o saneamento público não eram exatamente um primor. Muitas doenças se espalhavam por conta da sujeira, matando milhares de pessoas. Um único problema precisava ser resolvido: um dos ingredientes-chaves para a fabricação do sabão de Alepo, o óleo do fruto do louro, não
existia na Europa. “Na falta dele, inventaram um sabão somente com o óleo de oliva”, explica o químico Roberto Akira Sugai, professor de saboaria artesanal. Assim surgiu o sabão de Castela, produzido nessa região histórica espanhola. Devido à facilidade de produção do óleo de oliva, e por seu poder de limpeza suave e eficiente, ao longo dos séculos, o sabão de Castela passou a ser usado em toda a Europa, se tornando famoso até hoje. Tempos depois, na região de Marselha, na França, a receita à base de azeite de oliva incluiu também água do mar e cinzas e, igualmente eficiente e suave, tornou-se rapidamente cobiçada. Tanto que, em 1668, para proteger esse produto de falsificações, Jean-Baptiste Colbert, ministro do rei Luís 14, criou uma lei segundo a qual apenas sabões feitos naquela região – e sob determinadas especificações, como conter pelo menos 72% de óleo vegetal (oliva e palma) – podiam receber o carimbo de “savon de Marseille”. A título de curiosidade, na década de 1880, já existiam mais de 100 saboarias em Marselha.
Foi só durante a Revolução Industrial (séculos 18 e 19) que o sabão começou a ser fabricado em larga escala, graças à criação de máquinas que automatizavam o processo. No final desse período, por exemplo, William e James Hesketh Lever iniciaram, na Inglaterra, uma das maiores indústrias de cosméticos do mundo, a Unilever. A Primeira Guerra Mundial, por incrível que pareça, impulsionou ainda mais esse processo. Com a escassez de óleos e gorduras, a indústria precisou buscar ingredientes alternativos. Isso levou ao desenvolvimento de aditivos químicos, como os surfactantes, detergentes com alto poder de dissolver gorduras. E essas substâncias são encontradas até hoje nos sabonetes comuns, de supermercado. “São detergentes sintéticos, à base de gordura animal. A glicerina, a parte mais hidratante do processo de saponificação, é retirada para outras finalidades cosméticas. Também se acrescentam perfume, cor e carbonato de cálcio, para o sabonete ficar mais duro
e pesado”, informa a ex-arquiteta Beth Bacchini, professora de saboaria artesanal e dona do ateliê Santo Sabão, em São Paulo. “Em geral, o desengordurante sintético mais usado é o lauril sulfato de sódio. Trata-se do mesmo princípio ativo dos detergentes de cozinha, que varre da superfície toda e qualquer sujeira”, explica a
artesã de cosméticos naturais Sachimi Garcia dos Santos (mais conhecida como Sachi), nascida na Bélgica e radicada no Rio Grande do Norte. Acontece que, com
o tempo, remover completamente o manto de gordura que recobre a pele a deixa ressecada e vulnerável.
A vantagem dos sabonetes feitos a partir de óleos e manteigas hidratantes é que eles mantêm toda a glicerina durante o processo de saponificação. A substância é
subproduto da reação entre os óleos e a soda cáustica ( daí porque toda receita caseira precisa deste último ingrediente). “Transparente e viscosa, ela atrai água para si.
Por isso é hidratante”, explica Sachi. A manufatura também possibilita uma seleção de ingredientes mais gentis para a pele. Argilas e carvão de bambu, por exemplo, desintoxicam e fazem uma limpeza profunda. Aveia e casca de laranja e limão esfoliam sem machucar, enquanto o mel e o iogurte hidratam. Óleos essenciais também são usados para aromatizar e conferir efeitos terapêuticos aos sabonetes. “Cada um tem uma lista enorme de benefícios físicos, emocionais, mentais e até espirituais”, completa Sachi.
Como se fazia à época de Castela
 
A professora de saboaria artesanal Beth Bacchini ensina a fazer sabonete de oliva processado a frio. Demora cerca de um mês para maturar, o rendimento é de 1 quilo e a validade, um ano.
 
VOCÊ VAI PRECISAR DE:
 
Ingredientes*
700 g de óleo de oliva extravirgem
• 90 g de hidróxido de sódio (soda cáustica)
• 210 g de água deionizada
• 35 g de óleo essencial de lavandim ou de laranja
• 7 g de vitamina E oleosa
• 2 g de oleorresina de alecrim (antioxidante)
*À venda em lojas de essências e matérias-primas para cosméticos artesanais, como Engenharia das Essências e Império do Banho. Ambas vendem pela internet.
UTENSÍLIOS
 
• 1 balança de precisão digital que marque de 1 g em 1 g
• 1 panela de inox ou ágata com capacidade para 1 kg
• 1 espátula de silicone
• 1 recipiente* de 500 ml (para a água)
• 2 recipientes* de 100 ml (um para pesar a soda e outro
para o óleo essencial e a oleorresina)
• 1 recipiente* de 1000 ml (para bater a massa)
• 1 mixer de cozinha
• 1 termômetro de vidro até 110 °C ou termômetro digital
• 1 forma de madeira, plástico ou silicone com
capacidade para 1 kg
• Filme plástico e papel-manteiga
• 1 cobertor
• Fita plástica para medir o pH
*Usar vidro, inox ou plástico.
COMO FAZER:
 
1. Forre a forma com papel-manteiga. Prenda com durex as abas do lado de fora. Vista o material de segurança: luvas, máscara, touca, avental e óculos de proteção
(leia atentamente as dicas d de segurança da página 71).
2. Em uma balança eletrônica de precisão, pese a soda cáustica e a água, separadamente. Devagar, jogue a soda cáustica na água, mexendo com uma colher plástica
de cabo comprido. O líquido vai aquecer. Espere esfriar até 35 °C (uma hora).
3. Em uma panela de inox, pese o óleo de oliva. Aqueça a até 40 °C (se aquecer mais, o óleo perde algumas propriedades). Transfira para o recipiente de 1000 ml.
4. Pese os óleos essenciais e adicione a mistura de vitamina E + oleorresina. Reserve.
5. Derrame sobre o óleo de oliva, cuidadosamente, a mistura de soda cáustica + água, mexendo devagar com a espátula de silicone.
6. Mergulhe o mixer na mistura. Ele deve ficar posicionado na diagonal, para não fazer bolhas de ar e encostar no fundo do balde.
7. Ligue o mixer e bata a mistura por dez segundos.
8. Desligue o mixer, mas continue mexendo a mistura (como se o mixer fosse uma colher) por 30 segundos.
9. Repita esse procedimento. Ligue o mixer de novo e conte até dez. Depois desligue, continue mexendo e conte até 30. Faça isso até a massa engrossar, atingindo
o ponto de “traço”, quando fica tão viscoso que, ao tirar o mixer da massa, o escorrido deixa uma marca visível na superfície, formando um traço que não desaparece.
10. Coloque a mistura de óleos essenciais + antioxidantes, mexendo bem com o mixer desligado, até a massa ficar homogênea. Bata mais um pouco com o mixer ligado.
11. Vire cuidadosamente a mistura na forma.
12. Cubra com papel filme. Se a temperatura ambiente estiver abaixo de 22 °C, envolva a forma em um cobertor por 24 horas.
13. Após 24 horas, se a barra de sabão estiver bem seca e firme, desenforme, puxando o papel-manteiga para fora da forma. Corte em barras. Meça o pH , que deve ser de 10, e deixe secar por 45 dias numa superfície seca, como uma bandeja, e em local que haja ventilação. Vire as barras toda semana, alternando as posições. Assim, todos os lados secarão por igual.
 
SEGURANÇA EM PRIMEIRO LUGAR
 
• Não existe sabonete sem alguma substância cáustica, mas cuidado, a soda cáustica é altamente corrosiva. Deve ser dissolvida em lugar ventilado e seguro, longe do alcance de crianças e curiosos. Sempre coloque a soda cáustica sobre a água e nunca o contrário – você evita que se forme um “vulcão”.
• Use roupas compridas e sapatos fechados para proteger a pele. E equipe-se com luvas de borracha, máscara, touca, avental, calças e óculos de proteção sempre que estiver mexendo com ela ou com o sabão fresco.
• Se a soda cáustica ou a massa espirrar em você, jogue bastante água no local.
• Não atenda o celular ou o telefone fixo quando estiver derretendo os óleos ou batendo o sabão para não se distrair nem deixar o aparelho cair dentro da mistura.
• Não deixe crianças ou animais por perto.
• Lave os utensílios apenas no dia seguinte. “Nessas primeiras horas ainda não temos sabão, mas sim óleos, que podem contaminar a água”, diz Beth Bacchini.
COMO MEDIR O PH DO SEU SABONETE
Separe 2 g de sabão. Coloque em um béquer com 20 g de água deionizada morna. Espere o sabão derreter e a água esfriar. Faça um pouco de espuma e molhe uma tira do papel de pH (não pode ser papel tornassol nem medidor de pH para piscina). O índice apresentado deve ser 10. Se der 11, espere 30 dias e meça de novo. Se não baixar, ou der mais que 11, há soda cáustica demais e não poderá ser usado na pele. Com luvas, rale a massa e dilua em água (5 litros de água para 1 kg de massa). Use apenas para a limpeza da casa.
QUER SABER MAIS?
Selecionamos algumas saboarias que oferecem cursos. Em São Paulo: Santo Sabão, santosabao.com.br | Em Salvador: Ewé Alquimias, ewealquimias.com.br | Em Monte Verde (MG): Origens do Banho, origensdobanho.com.br

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