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Ame o seu medo

Não, você não leu errado. Amar o medo é ter sabedoria para acolher esse sentimento e olhá-lo mais de perto, do tamanho certo. E, pode acreditar, a coragem para essa aproximação está bem dentro de você, vibrando numa frequência mais doce e cheia de fé

Ame o seu medo – Shutterstock
“Eu quis amar, mas tive medo. Eu quis salvar meu coração. Mas o amor sabe um segredo. O medo pode matar o seu coração.” Os quatro versos da canção Água de Beber, de Tom Jobim  e Vinicius de Moraes, guardam uma grande verdade. “O medo pode matar o seu coração” é uma frase que poderia resumir esta reportagem. Mas, antes de chegar lá, vou contar um segredo: eu tenho medo. Medo de fazer escolhas erradas. Medo de não dar conta de pagar as contas. Medo de barata. Medo de que minha filha fique doente. Medo de não amar e ser amada. Medo de morrer. Medo de que você não leia este texto até o fi m porque eu fiquei repetindo que tenho medo. No entanto, isso não me impede de tentar, todos os dias, fazer as escolhas certas, de trabalhar para pagar as contas, de enfrentar bravamente as baratas com um simples spray, de insistir para minha filha vestir a capa de chuva e de acreditar – ainda e muito – no amor. E seguir vivendo.
Talvez eu esteja no caminho certo. “O amor é o antídoto para o medo”, diz a terapeuta Ariana Schlösser, educadora espiritual e consultora em liberdade emocional. Bem, só por esse crédito dá vontade de ouvi-la. Segundo Ariana, a mente humana faz milagres e pode ajudar a gente a lidar muito melhor com esse sentimento. O medo não desaparece facilmente, mas podemos escolher não mergulhar nele ao pegar o bote salva-vidas para lidar com a emoção negativa. Como? Aprendendo a mudar o nosso estado mental, para desativar o medo e ativar o amor. Primeiro, porque o medo está relacionado à ideia predominante de que algo sempre vai faltar. E o amor, por sua vez, é um sentimento que gera expansão. “A energia amorosa anula o medo e dá espaço para que milagres aconteçam em nossa vida”, compreende a terapeuta, que tem como base para seu trabalho os ensinamentos da filosofia Um Curso em Milagres (ed. Abalone). O texto, que envolve reflexões e exercícios práticos, escrito pelos psicólogos norte-americanos Helen Schucman e William Thetford, nos anos 1970, vendeu mais de 2,5 milhões de cópias em 23 idiomas e continua inspirando pessoas do mundo inteiro.
Com a palestra “Tudo Energia” e hashtags como #escolhedenovo, #escolheamor, nas redes sociais, Ariana atualiza e difunde o tema. Ela lembra que cada sentimento tem uma vibração. O medo vibra em baixa frequência. Pior do que ele, só a culpa, que vibra ainda mais baixo. Já a frequência do amor é uma das mais altas. “Entrar em sintonia com o amor faz aquilo que está nos incomodando começar a se transformar”, acredita. Acima do amor, vibram a alegria, a paz e a iluminação. Por isso, os caminhos se abrem. Enquanto que, quando nos conectamos com o medo, a tendência é atrair tudo de ruim. “Sempre podemos escolher no que focar. E isso não é fi ngir que um monte de coisas ruins não estão acontecendo. É entender que mudar a sua vibração é abrir-se para soluções e inspirações. É deixar o Universo agir!”, pontua Ariana.
 
Um curso em coragem
Um curso em coragem Tudo isso soa bonito e faz sentido. Mas como fazer para se livrar daquele medo de estimação? Confessei a Ariana minha angústia do momento e partimos para alguns passos práticos para lidar com ela, a partir de três perguntas: 1. “Qual é o seu medo?”. Pronto, contei que estava sentindo o medo tal. 2. “Essa possibilidade é real?”. Está aí uma questão mágica, porque leva a pensar nas possibilidades de fato. No meu caso, vi que aquele receio, ao menos naquele dia e naquela situação, era fantasioso. O risco, afinal, é igual ao impacto do problema multiplicado pela probabilidade dele acontecer.
Portanto, minha resposta foi não. 3. “Quem você seria se não tivesse esse medo?”. Percebi que seria uma pessoa mais feliz e tranquila, porque aquela preocupação andava roubando meu sono e minha alegria. A partir da constatação de que podia ser uma simples fantasia, abri um sorriso espontâneo, dissipando a nuvem negra que teimava em pousar na minha cabeça havia dias. “Você se lembrou de quem você é!”, anunciou Ariana. A conversa tomou um rumo ainda mais interessante. No fundo, boa parte do medo e da tristeza está ligada ao desejo  fixo de realizar aquilo que imaginamos ser bom para nós. Por exemplo: você quer conseguir um trabalho na empresa x e morar naquele apartamento com piso de madeira e varanda. Daí sente medo de que não dê certo. Só que pensa apenas nessas duas possibilidades. “Existem inúmeras outras chances, talvez mais interessantes, que ficam bloqueadas pela energia do medo de que essas duas não aconteçam”, diz a terapeuta. Desviar do caminho das preocupações e pegar a rota da exuberância envolve aprender a confi ar que o Universo é capaz de providenciar tudo o que necessitamos. Basta estar aberto e se entregar. O cristianismo, em seu lado genuíno e luminoso, faz diversas menções a esse tema. Como no Sermão da Montanha: “Olhai para as aves do céu, que não semeiam nem colhem, e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? (…) Assim, não andeis ansiosos, dizendo: ‘Que havemos de comer?’ ou ‘Que havemos de beber?’”. Para reforçar que tudo pode ser . Para reforçar que tudo pode ser mais leve, na Bíblia, o termo “não temas” aparece 365 vezes – uma para cada dia.
Quando ele faz bem 
Como tudo no mundo, o medo também tem sua razão de ser. Em pequena escala, ele antecipa o perigo. É o que nos leva a cuidar de aspectos da vida que precisam de atenção como a saúde e a segurança. Como um instinto de preservação, ele ajuda a olhar para os lados ao atravessar a rua ou dirigir com vidros fechados em uma cidade violenta. “O medo em pequena intensidade aumenta nossa percepção, valorizando e nos mobilizando na busca de maior bem-estar”, explica a psicanalista Maria Luiza de Assis Moura Ghirardi, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Acima de certo patamar, contudo, dificulta a busca do que desejamos e a concretização de projetos. “O medo intenso impede o prazer. Quando ele se fixa em torno de uma mesma experiência, podemos nos deparar até com alguns quadros de fobia”, afirma a psicanalista Maria Luiza. Essa pode ser a hora de buscar ajuda especializada para superar o problema.
Não se deve subestimar o medo quando ele se torna uma patologia, como é o caso da síndrome do pânico, do transtorno obsessivo-compulsivo, da depressão, do alcoolismo e outros transtornos que têm raiz nesse sentimento e que, somados, atingem uma em cada três pessoas ao longo da vida. No livro Isso Não É Coisa da Sua Cabeça (ed. Gutemberg), a jornalista Naiara Magalhães e o executivo José Alberto de Camargo abordam a importância de reconhecer esses males tão comuns que, por falta de conhecimento ou receio, não são devidamente diagnosticados e tratados. O título do livro faz um contraponto à expressão “isso é coisa da sua cabeça”, usada por pessoas próximas a quem está sofrendo, com a (boa) intenção de tranquilizar, mas que muitas vezes surte efeito contrário – porque pressupõe que aquele sentimento não existe ou é algo que se pode controlar só com pensamento racional e força de vontade. E não é tão simples assim. “Não raro, esses sofrimentos são questões de natureza mental e cerebral, com reflexos concretos na vida da pessoa.
Ou seja, não devem ser menosprezados. Em muitos casos, a pessoa vai precisar de ajuda para lidar com eles – seja por meio de atividades físicas, meditações ou com apoio de um psicólogo e/ou psiquiatra”, destaca Naiara.
Parte da nossa natureza 
A psicanalista Maria Luisa Ghirardi lembra que o medo faz parte de nossa natureza. “A cria humana é a que nasce em estado de maior dependência de um adulto para poder sobreviver. Essa experiência é nuclear, estruturante do psiquismo”, informa ela. E seguimos na sequência dos medos infantis: medo do escuro, do bicho-papão, do lobo mau que “pega as criancinhas para fazer mingau”. Mais à frente, os medos vão perdendo a forma e se tornando apenas uma massa que pode ser chamada “desconhecido”. O escritor moçambicano Mia Couto fala sobre esse sentimento, poeticamente, em um lindo texto que diz: “O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já eram para me guardarem. Os anjos atuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinaram a recear os desconhecidos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.
É nesse ponto, quando a imensidão desconhecida assusta, que o movimento natural da busca pelo novo, por atravessar fronteiras e “agir com o coração” (eis a definição de coragem), fica impedido. Lembra que “o medo pode matar o seu coração”? É também quando o sentimento negativo se torna desmedido, ou seja, faz a gente enxergar um leão onde só existe um gatinho. E, aí, vai encarar? Superar o medo não significa negá-lo ou extingui-lo completamente, mas implica em reconhecê-lo e acolhê-lho. Por exemplo, quando alguém vai passar por uma cirurgia. Compreender a situação e o entorno que envolve aquele temor ajuda a minimizar a ansiedade e atravessar o momento difícil. O mesmo vale para uma mudança de país, uma separação amorosa ou um desafio profissional. “Se não pudermos vivenciar e compreender nossos medos, muitas experiências correm o risco de se tornar traumáticas”, pontua Maria Luiza.
Temores modernos 
Como se não bastassem as antigas angústias, vivemos, hoje, numa época de medo generalizado. Parece haver um sentimento coletivo de que a vida anda muito perigosa, de que não dá para confiar em nada nem em ninguém. E, ainda, uma forte onda de raiva contra a política e os problemas socioeconômicos pelos quais o Brasil vem passando. Para usar a definição do escritor uruguaio Eduardo Galeano, “há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje no mundo um muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do Ocidente e do Oriente.” Ao mesmo tempo, esse olhar precisa mudar. Precisamos voltar a encarar a vida com olhos de amor e amizade. Sim, estamos atravessando momentos difíceis, de crueldade, mas se não transformarmos essas energias, vamos nos desesperar. “O inconsciente coletivo está cheio de sujeira”, comenta a terapeuta Ariana. Para dissipar a neblina, um recurso é pensar: “Qual a pior coisa que pode acontecer?”. Quase sempre, a fantasia negativa que criamos é maior do que a realidade. Por um motivo simples: em uma cultura de culpa e negatividade, não acreditamos ser merecedores de bençãos. Quando tudo está bem, é comum alimentar pensamentos do tipo: “Está bom demais por ser verdade”. “O medo autopunição”, resume Ariana. O que pode ser pior, por exemplo, do que passar dois dias sem comer e depois sair por uma cidade desconhecida, sem um tostão no bolso, em busca de apoio e de alimento. Essa foi a experiência da terapeuta durante uma vivência de autoconhecimento. Em jejum, e com muita fome, ela chegou a esse lugar com a missão de sobreviver. Mais um detalhe: não podia dizer nada além de: “Posso me juntar a vocês?”. Foi assim que, caminhando, encontrou três homens sentados em uma praça e disse as palavras mágicas. Eles acharam esquisito, mas a aceitaram como companhia. A grande emoção foi quando um deles jogou para ela uma mexerica. “É a minha fruta favorita!”, lembra, emocionada. Em resumo, aqueles estranhos dividiram com Ariana a comida que tinham e ofereceram abrigo, mesmo sem ela dizer palavra. Nem mesmo obrigado. “Apenas os abracei, certa de que não preciso temer nada, pois o Universo é capaz de me dar tudo o que preciso”, recorda.
Milagres acontecem 
Imagine que há um banquete com todas as iguarias mais maravilhosas do mundo, e que você está de costas para ele. Essa é a metáfora para mostrar o quanto o medo nos engana e bloqueia. “Sua fome é real, mas no fundo é ilusória, porque basta se virar e o banquete está à espera”, diz Ariana. Ao contar histórias de medo e de culpa a nós mesmos, deixamos de atrair as situações e pessoas que, de fato, precisamos encontrar. Para perder o medo – e ter acesso a essas bençãos – é essencial reaprender a acreditar que, se o seu grande medo, por acaso acontecer, você vai dar conta dele. Em vez de fugir na direção oposta, o segredo é correr em direção a ele e abraçá-lo. Nesse lugar, onde mora o seu temor mais profundo, pode haver algo grande lhe esperando. “Nossa visão sobre nós mesmos é pequena. O seu medo esconde a grande oportunidade de acessar a versão maior de si mesmo”, conta a educadora espiritual. A filosofia da ioga compara a mente negativa a um cavalo selvagem que tem de que ser domado para não nos arrastar para o abismo. Assim acontece se nos deixarmos dominar pelo medo, sempre imaginando que o pior pode acontecer. Baba Muktananda, um grande mestre iogue disse: “Há somente duas coisas que inspiram medo. A primeira é que você não está consciente do espaço divino de destemor em seu interior. A outra é que você não está consciente da ajuda de Deus”. Deus, aqui, pode ser a divindade na qual cada um acredita. Para ter contato com essa energia divina, são bem-vindas práticas como meditação, repetição de mantras e orações, não importa qual seja a sua crença.
Ao fim da conversa, Ariana me receita uma pequena oração, que compartilho aqui: “Querido Eu Superior (ou Espírito Santo, ou o Deus que você acreditar), eu entrego a minha pequena visão sobre mim agora. Entrego os pensamentos que estão me machucando e que eu mesmo criei. Entrego meus medos, o meu apego, a crença na escassez. Peço que me ajude a relembrar da fartura na minha vida. Em alegria eu agradeço todos os milagres que estão por vir. Eu aceito a minha versão maior, que ainda não sei qual é. Eu peço por um milagre. E assim seja, assim é.” Tenho procurado pausas de silêncio para mentalizar essas palavras, e elas têm me ajudado a enfrentar aqueles medos que contei lá no começo. Pode seguir sem medo: escolha de novo. Escolha o amor. Salve o seu coração.

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