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Na casa da Cacá

Para a fotógrafa Cacá Bratke, morar é sinônimo de sentir. Sentir é sinônimo de viver a vida cercada pelo aconchego da família num lugar onde tudo tem um registro, uma emoção, uma memória, um afeto. Da jabuticabeira presenteada pela mãe ao tapete da sala

Lufe Gomes – A família se descontrai no terraço cercado por trepadeiras e plantas em vaso

Basta um clique e o olhar foca as mais exuberantes ou singelas imagens. Cada detalhe ganha uma aura de importância. Cada canto se revela como uma tela de memórias. Assim, a fotógrafa Cacá Bratke capta sensações, traduz emoções e repousa os sentimentos por onde seus olhos passam. Não só através das lentes de sua câmera. A casa em que mora, num bucólico bairro de São Paulo, onde cantam sabiás, bem-tevis e beija-fl ores, traduz esse seu cuidadoso jeito de reverenciar a vida. “Tenho um diálogo muito próximo e afetivo com o lugar onde durmo e acordo todos os dias. Amo a luz invadindo cada um dos ambientes, o modo como os espaços se distribuem, meus móveis, objetos e tudo que entra aqui”, suspira Cacá.

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Com a voz sempre serena e pausada, ela revira as páginas do tempo e, como se folheasse um álbum de fotografia, vai colhendo as melhores impressões de cada momento na construção de sua história que ganha cor, sem dúvida, fazendo fotos ainda na adolescência, passa pelo casamento com Giulio, pela construção da casa e pelo nascimento dos fi lhos, Laura, de 15 anos, e Bruno, de 8 anos. “Quando Guilio e eu casamos, meus sogros queriam nos dar de presente um apartamento. Vimos vários. 
Para ser mais precisa, 90. Até que um dos corretores nos mostrou esse terreno onde levantamos nossa casa”, conta ela. “Foi uma decisão muito certeira, porque a fizemos exatamente como queríamos”, completa. Se houve a mão do destino ou uma realidade produzida no inconsciente pelo desejo do casal, são outras questões. O fato é que ao bater os olhos no terreno de 300 metros quadrados com um pé de manga plantado bem ao fundo, a certeza veio como uma flecha em direção ao alvo. A irmã de Cacá, Bárbara Bratke, arquiteta, foi logo para a prancheta desenhar o projeto. Aspirações fundamentais: janelas e portas amplas para deixar a luz natural e o verde do entorno entrar. Pé-direito duplo e o quarto do casal no mezanino com uma porta de acesso à tal mangueira. A casa subiu. De linhas retas, concretos e tijolos aparentes em algumas partes, estruturas de aço em outras. Sala de estar, de jantar e cozinha integrados. Piso de cimento queimado com detalhes de madeira na área social e de tábuas na área íntima. Uma arquitetura contemporânea, fluida, encantadora. Do jeito que desejavam. 
A mãe, Amélia Bratke, arquiteta e paisagista, também entrou em cena. Presenteou a filha não só com o paisagismo, mas com um pé de jabuticaba que havia sido plantado no jardim de sua casa quando Cacá nasceu. “Eu me emociono com essa história. Depois que a casa estava pronta, minha mãe transportou a jabuticabeira para cá. Teve todo um ritual para que a árvore não morresse ao sair de um lugar para o outro”, lembra a fotógrafa. Sim, dona Amélia tomou todo o cuidado possível. Primeiro sangrou a raiz da planta, abrindo uma vala em torno do torrão. Depois de um mês, de posse de uma bússola, ela marcou os pontos cardeais da árvore e a transplantou no outro terreno obedecendo a mesma direção norte, sul, leste, oeste do plantio anterior. “Ela dá frutos até quatro vezes por ano”, sorri a moradora. E também está associada à abundância e à prosperidade, segundo as crenças populares.
Chegou Laura. Depois veio Bruno e casa foi se reconfigurando para acomodar os filhos de forma confortável. O casal optou, então, por abrir mão do pé-direito duplo, na sala de estar e de jantar, transformando o mezanino num segundo piso e criando, desta forma, uma sala de brinquedos e de TV para os filhos e um amplo escritório para Cacá, onde ela passa horas em seu computador para tratar as imagens clicadas ao longo do dia. “Foi o jeito que encontrei de ficar próxima deles à noite e nos fins de semana, mesmo estando trabalhando”, diz ela. Sem o pé-direito duplo, a casa continuou respirando com suas amplas aberturas de acesso ao terraço e ao jardim que a contorna. “A casa é como a gente. Ela vai se modificando ao longo da vida. Vamos abrindo mão de algumas coisas, conquistando outras. Ela vai se acomodando ou vai se revelando, da mesma forma como as escolhas que fazemos sobre ir ou não por um caminho”, reflete Cacá. “A casa nada mais é do que a gente mesmo”, conclui. 
E onde começa uma e termina o outro, não tem muita distinção. Haja visto as histórias impregnadas de emoção que a fotógrafa vai narrando sobre cada móvel, objeto ou quadro na parede. Esta, coberta de quadros com suas fotos, outros pintados pelo pai Carlos Bratke, arquiteto consagrado, ou vindos da família do marido. Móveis herdados do avô, já falecido, outros do tio e por aí vai. Mas têm também objetos e obras de arte ganhos de amigos, como a peça de barro, presente da artista alagoana Sil. Ela criou exclusivamente para Cacá mostrando-a fotografando a família debaixo de um pé de pinha. Tem ainda itens comprados em viagens e coleções que ama. Entre elas, as dezenas de pedrinhas recolhidas com Guilio e os fi lhos nas praias de Puglia, Itália. “Amo essas pedras. São verdadeiras obras de arte produzidas pela natureza. Cada vez que olho para elas e toco nelas, me sinto pulsando com a vida. Elas estão carregadas de lembranças. Remetem a momentos muito felizes que passamos nessa viagem em família”, lembra. 
Na obra A Poética do Espaço (Martins Editora), o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard (1884-1962) credita um valor imensurável à relação do homem com seu espaço, dentro de um conceito que nos faz amar e valorizar cada vez mais o chão e o teto onde nos abrigamos. E o diálogo que Cacá estabelece com sua morada não fica nem um pouco longe disso. Diz o filósofo: “A casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. Nessa integração, o princípio de ligação é o devaneio… Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e é alma. É o primeiro mundo do ser humano… O primeiro berço…”