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A linguagem da floresta

As árvores são mais sensíveis do que imaginamos – elas formam famílias, cuidam das doentes, têm memória… Nesta entrevista, o alemão Peter Wohlleben, autor do best-seller A Vida Secreta das Árvores, fala sobre essas e outras descobertas que compartilha no seu livro

Peter Wohlleben – Divulgação
Quando se formou em engenharia fl orestal, há mais de 20 anos, a única preocupação de Peter Wohlleben era garantir a qualidade dos troncos que seriam negociados no mercado madeireiro. No entanto, logo que passou a organizar treinamentos de sobrevivência e excursões pela floresta de Hümmel – município localizado no oeste da Alemanha, onde vive até hoje –, Peter começou a enxergar as árvores de um jeito totalmente diferente. Aliando as suas observações às pesquisas que foram realizadas
nessa mesma região, habitada sobretudo por faias e carvalhos, que são espécies típicas da Europa Central, o engenheiro chegou a conclusões surpreendentes. A principal delas: as árvores que crescem em florestas naturais (ou seja, com pouca ou nenhuma intervenção humana) são seres sociais que, assim como nós, se comunicam entre si, sentem dor, constroem famílias, protegem os filhos, ajudam os doentes a se recuperarem… É essa história fascinante que o autor conta, com riqueza de detalhes, no
livro A Vida Secreta das Árvores (s ed. Sextante), que já faz sucesso em 18 países e entrou para a lista de mais vendidos do jornal americano The New York Times. Vale dizer que ninguém precisa ser íntimo da biologia para se deliciar com a obra, pois o tema é abordado de uma forma cativante e inovadora. A seguir, Peter fala mais sobre as descobertas inspiradoras que o levaram a repensar a sua relação com a natureza.

O sr. diz, no livro, que o seu amor pela natureza se manifestou aos 6 anos. Por que, em vez de se formar em biologia ou botânica, acabou optando pela engenharia florestal, área que se ocupa basicamente do manejo comercial das matas? Como voltou a ter uma visão mais “ecológica” das árvores?
A madeira é um recurso natural maravilhoso e, melhor de tudo, renovável. Acredito que quando ela é extraída da natureza de maneira ecologicamente correta, com o maior respeito possível, não há problema algum em utilizá-la. E é esse o trabalho que fazemos hoje na floresta de Hümmel, a qual administro. Com relação à segunda pergunta, a minha vida como engenheiro florestal começou a mudar quando eu descobri algumas pedras cobertas de musgo. Ao analisá-las de perto,  percebi que nada mais eram do que remanescentes de um tronco. Ou seja, não eram pedras, mas madeira velha. Como aquelas sobras conseguiam sobreviver se a árvore tinha sido derrubada havia pelo menos 400 anos? A única explicação que encontrei foi que, por meio de suas raízes, as árvores vizinhas forneciam uma solução de açúcar capaz de manter os pedaços vivos. Moral da história: as árvores não são egoístas, elas cuidam umas das outras.

Os fungos são os melhores amigos das árvores. Por que o sr. considera que esses minúsculos seres são fundamentais para constituir a “internet” da floresta?
As árvores podem “conversar” em diferentes oportunidades: primeiro por meio de odores – elas exalam determinados aromas quando são feridas por insetos ou mamíferos, e os exemplares vizinhos da mesma espécie reconhecem o perigo e começam a se preparar para o ataque. Elas também podem trocar informações enviando substâncias químicas e sinais elétricos por meio das suas raízes – nesse caso, os fungos, presentes em uma quantidade impressionante no solo, são os responsáveis pela
“transmissão” rápida das mensagens. Costumo dizer que eles funcionam como os cabos de fibra óptica da “wood wide web”, a internet que permeia as florestas. As árvores também têm a capacidade de “falar” com animais. Um bom exemplo disso? Quando as folhas dos olmos estão sendo mordidas por lagartas, eles liberam um cheiro capaz de atrair pequenas vespas, que são as predadoras dessas pragas inconvenientes. Dessa forma, conseguem se livrar dos parasitas e continuam se desenvolvendo livremente. A capacidade de identificar a saliva dos animais revela outra habilidade das árvores: elas também devem ter uma espécie de paladar.
Levando em consideração os desafios que as árvores enfrentam para garantir a própria sobrevivência (ataque de animais, doenças, verão ou inverno extremos…), podemos dizer que elas têm uma vida meio estressante. No fim das contas, o sr. acredita que elas são felizes?
Todas as espécies que vivem na Terra têm algum tipo de sentimento – dor, no mínimo. Como uma árvore poderia reagir a um ataque de insetos, por exemplo, sem identificá-los antes? Então a dor é o sinal capaz de desencadear uma resposta de defesa instintiva. Mas as árvores carregam muitos outros sentimentos – sede, medo… As emoções positivas, como a felicidade, são mais difíceis de ser detectadas e até agora ainda não foram avaliadas. Vale ressaltar aqui que os exemplares de uma mesma
espécie se comportam de forma diferente uns dos outros, apesar de compartilharem o mesmo tipo de solo, o mesmo microclima local e a mesma oferta de água. Isso acontece principalmente no outono, época do ano em que as árvores começam a perder as suas folhas – cada exemplar escolhe um momento específico para iniciar esse processo. Em outras palavras, as árvores apresentam, sim, características individuais. Elas têm uma personalidade única.
As árvores mantêm relacionamentos, formam famílias, cuidam dos “bebês”… O que elas podem nos ensinar para que a nossa vida em sociedade seja mais harmoniosa?
Talvez a lição mais importante oferecida pelas árvores seja desacelerar. Só quando relaxamos conseguimos focar naquilo que é realmente essencial para a nossa vida. A exemplo das árvores, também devemos sempre apoiar os mais fracos, os mais pobres e as pessoas mais velhas.
No livro, o sr. compara as árvores urbanas às crianças de rua. Por quê?
Porque elas precisam encarar a vida sozinhas. As árvores são como a espécie humana: juntos nós ficamos bem mais fortes. Isso não significa que não haja evolução – existem espécies que se adaptam com maior facilidade às novas condições climáticas ou aos ataques de insetos do que outras. Mas, para viverem realmente bem, as árvores precisam de vizinhas, ou seja, precisam crescer dentro de uma grande comunidade. Uma única árvore não forma uma floresta, não é capaz de produzir um microclima equilibrado; ela fica totalmente exposta ao vento e às outras intempéries do ambiente.
Ao observar as árvores da reserva florestal que administra, o que mais o deixa intrigado? O que gostaria de descobrir com relação a elas?
Ao longo de tantos anos de pesquisa, a minha descoberta mais emocionante foram aqueles pequenos tocos de madeira de aproximadamente 400 anos que ainda estavam vivos sem ter nenhuma folhinha verde sequer. Só a partir dessa observação eu percebi que as árvores são seres sociais, que podem se ajudar durante séculos e mais séculos. Hoje, o maior mistério para mim é: onde as árvores armazenam as suas memórias? Elas têm algo parecido com o cérebro humano? Qual é a principal parte dele? Essa área fica acima ou abaixo do solo? Essas perguntas ainda estão sem resposta…


O sr. conta no livro que as máquinas foram banidas da reserva de Hümmel há duas décadas e que, quando troncos são retirados de lá, os lenhadores entram na floresta a cavalo e se locomovem com cuidado. As árvores sentem menos dor quando são abatidas dessa forma?
É inegável que a silvicultura sempre atrapalha a vida social das florestas. Após um desbaste, as árvores remanescentes ficam solitárias, sofrem e até adoecem. Seria
necessário termos um número maior de reservas onde as árvores pudessem viver tranquilamente. Poderiam existir também áreas dedicadas a uma exploração madeireira
cuidadosa, feita por lenhadores e com o uso de cavalos, nunca com grandes máquinas, para evitar um sofrimento desnecessário. Quando nós adotamos essa prática em Hümmel, começamos a ganhar mais dinheiro do que antes. A explicação é simples: a floresta se tornou mais saudável e, assim, passou a produzir mais madeira. Estou empenhado em recuperar as florestas naturais do distrito onde eu moro – para atingir esse objetivo, pouco a pouco tento introduzir abetos nas florestas de faia. Dessa forma, protejo o que restou das ancestrais matas de faia, que foram a minha grande fonte de inspiração para escrever o livro. É nelas que eu ofereço passeios com grupos de pessoas – a taxa cobrada pela excursão é destinada à preservação ambiental.

Qual é a principal mensagem que procurou transmitir com o seu livro?
Espero que, após a leitura, as pessoas compreendam as árvores de uma maneira mais profunda. Afinal, elas não são apenas meras produtoras de oxigênio ou de madeira. Estamos sempre com esses benefícios em mente quando falamos de abetos ou faias. Mas quem pensa em benefícios enquanto observa um elefante? Garanto que as árvores são tão maravilhosas quanto esses animais gigantes.

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