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Monja Coen – Gil Silva

A Catedral da Sé, em São Paulo, estava em reforma e o encontro, portanto, foi na Igreja da Consolação. Chamei minha mãe para assistir. Ela era católica apostólica romana e, quando pedi sua permissão para entrar na vida monástica zen-budista, depois
de meses de refl exão, um dia ela me disse: “Minha filha, seja qual for a religião de sua escolha, você estará servindo a quem eu chamo de Deus. Eu a abençoo!”.

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Como foi maravilhoso ouvir isso dela e poder agora, como monja representante de uma ordem zen-budista, convidá-la para esse encontro realizado em uma das suas igrejas favoritas. Idosa e com dificuldades para andar, sentou-se bem na frente. Que bom tê-la ali perto de mim, quando eu estava no altar, entre padres católicos e representantes de outras ordens religiosas, autenticando o que ela me dissera anos antes. Servindo ao Sagrado estavam rabino, xeique, monge tibetano, monja zen-budista, pastor, xamã, babalorixá e ialorixá, pajé, líder espírita e o representante da arquidiocese com seus auxiliares religiosos. Éramos muitos no altar unidos pelo propósito comum de construir uma Cultura de Paz. Unidos pela fé e pela esperança de que é possível, sim, transformar cada ser humano e a sociedade – não pela violência, mas pelo amor e pelo respeito mútuos. Sigo participando desses encontros sempre que posso. Alegra-me trabalhar para a inclusão e para o fim da intolerância religiosa. Nessa inclusão também está em meu coração o ateísmo. Não são apenas os tementes a Deus pessoas corretas. Não são apenas os que sabem da lei de causa e efeito pessoas hábeis. Todos os seres da Terra merecem respeito por suas crenças e não crenças.

A ética verdadeira independe das religiões. É mais, muito mais. Nas ocasiões em que Sua Santidade o 14º dalai-lama esteve no Brasil, pude assistir a suas palestras, e ele sempre me cumprimentava usando a expressão zen master (mestra zen): “Além da religião. Devemos construir um mundo de paz com mais compaixão. Podem estranhar que eu diga isto, sendo um monje. Mas a transformação do mundo depende de educação, e educação secular, não religiosa. Temos de incluir todos e todas. A essência da compaixão é o desejo de aliviar o sofrimento dos outros e de promover o seu bem-estar. Esse é o princípio espiritual do qual todos os outros valores internos e positivos emergem. Compaixão pode e deve ser treinada. Nem sempre surge das entranhas”. E disse também: “Todas as religiões do mundo, com ênfase no amor, compaixão, paciência, tolerância e perdão, promovem valores internos. Mas a realidade hoje é outra, e se apoiar só na ética religiosa já não é mais adequado. Chegou o tempo de encontrarmos um caminho para pensar sobre espiritualidade e ética que vá além da religião”.

Nossos encontros inter-religiosos também são encontros com o ateísmo. Acredito no DNA humano, que já se apercebeu: para sobreviver, temos de cuidar do planeta e de todas as formas de vida.

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