Publicidade

Abra o coração para a energia do feminino

O princípio feminino, atuante em homens e mulheres, é a força ligada à amorosidade, ao respeito a si mesmo, ao outro e ao planeta. Um poderoso alimento a favor do meio ambiente, das relações humanas e da alma

Abra o coração para a energia do feminino – Shutterstock

Numa
sociedade em que o tempo mais parece um tirano, estudantes se prepararam para
um futuro competitivo, o corpo precisa se encaixar em moldes pré-fabricados, o confronto
permeia o convívio com a diferença e boa parte dos casais disputa poder, fica
difícil imaginar outro sistema de vida. Então, aceite o convite de BONS FLUIDOS
e feche os olhos. Agora, vislumbre um mundo pautado pela amorosidade, onde o
tempo é amigo e usado para sedimentar parcerias, desenvolver talentos, cuidar
do que precisa ser cuidado. Nesse arranjo, imperam a cooperação, a harmonia e o
diálogo, já que o grande lema é extrair o melhor de cada um, para o bem de
todos. E, acima de tudo, a natureza é reverenciada, pois é vista como a Grande
Mãe, a Doadora de Tudo, a Deusa, a energia responsável pela criação e pela
sustentação da vida ou, se preferir, o aspecto feminino da divindade.
“Diferentemente do Deus, o sagrado masculino, que se manifesta de cima para
baixo, o sagrado feminino simplesmente é, porque a Deusa é natureza, está
dada”, diferencia Cristiane Marino, arte e psicoterapeuta e coordenadora de
grupos de estudos e vivências ligadas ao resgate do feminino, de São Paulo.

Publicidade

            O
primeiro cenário retrata a cultura da dominação, na qual estamos imersos. O
segundo diz respeito a um modo de vida centrado no feminino sagrado, força ou
energia psíquica presente tanto em homens quanto em mulheres, mas ofuscada por
valores masculinos desmedidos como a combatividade, o pensamento racional como
via única –, que exclui outras formas de sabedoria, como, por exemplo, a
intuição –, e a ambição fora de controle, patrocinadora da degradação
ambiental e humana.

Chega a
ser quase fantasioso imaginar a época em que o princípio feminino e seus
atributos – o criar, o cuidar, o acolher, a empatia, a criatividade, o saber
intuitivo e o senso de pertencimento ao corpo coletivo – existiram em
abundância. Sim, nesse mesmíssimo planeta. Segundo a socióloga austríaca Riane Eisler,
autora de O Cálice e a Espada – Nossa
História, Nosso Futuro (ed. Palas Athena), evidências arqueológicas provam
ter havido nos períodos Paleolítico (há 30 mil anos) e Neolítico (há 10 mil
anos), na Europa, sociedades pacíficas e igualitárias, organizadas em torno da
cooperação e do respeito por todos, sobretudo pela natureza. Adorada como
doadora e renovadora da vida. Afinal, a terra acolhia as sementes que mais
tarde ressurgiam na fartura da colheita, como também a procriação dependia do
ventre das mulheres, regidas por ciclos similares aos da lua e aos das estações
do ano. Não à toa, o feminino sagrado é representado pela água, matriz da vida,
assim como o útero, associado à imagem do cálice.

Há cerca
de cinco mil anos, contudo, esse modelo de parceria, também chamado de
matrístico – e não matriarcal, já que, segundo essa linha de pesquisa, nunca
houve o poder autoritário da mulher sobre o homem -, foi gradualmente sendo
sobrepujado pelo sistema de dominação imposto por tribos nômades e guerreiras.
Desde então, prevalecem a guerra, a exploração dos recursos naturais e o domínio
dos homens sobre as mulheres. Com todos os danos colaterais advindos desse modo
de viver e se relacionar, como bem apontam os fatos históricos.

 

Publicidade

Ponto de mutação

 

Mas, felizmente,
tudo pode se transformar. Criar o novo, regenerar o velho e, como é o caso,
calibrar excessos são especialidades da natureza. Por isso, se encontrar a
terra fértil de que tanto necessita, a força reguladora do feminino sagrado tem
tudo para surpreender a humanidade com uma nova era de florescimento e
equilíbrio.

Publicidade

O físico
austríaco Fritjof Capra assegurou na obra Ponto
de Mutação – A Ciência, a Sociedade e
a Cultura Emergente (ed. Cultrix) que atravessamos uma fase por ele chamada
de “ponto de mutação”, período de crise no qual o velho paradigma de
consumo, competição e conquista está entrando em decadência para dar lugar
a um novo paradigma de cooperação, compaixão e comunidade. Capra escreveu isso
em 2004 e parece que de lá para cá isso só tem se tornado cada vez mais
verdadeiro.  “Todos nós, homens e
mulheres, precisamos fazer uso do amor, do carinho, da compreensão e da bondade
do feminino sagrado para recobrar o equilíbrio em nossas vidas e em nosso
mundo”, propõe Susan Andrews, psicóloga, palestrante e coordenadora do
Instituto Visão Futuro, dedicado ao desenvolvimento físico, mental e espiritual
do ser humano em sintonia com o meio ambiente, localizado em Porangada, no
interior de São Paulo. Segundo ela, parte da sabedoria do feminino está ligada
à capacidade de ouvir e ser receptivo. Ponto de partida de uma linda
metamorfose para qualquer área. “Se formos capazes de desligar nossos celulares
e ouvir a chuva e os rios, desfrutar das luas crescente e minguante,
vamos descobrir que a vida, a Grande Mãe, quer nos sussurrar algo.
Ela anseia por dizer que um velho e ultrapassado mundo está morrendo e que um
novo mundo aguarda para vir à luz”, ela acredita.

A
preocupação com a sustentabilidade do planeta e as mudanças de atitude já em
marcha para poupar os recursos naturais sinalizam que o chamado está sendo
ouvido. Esse distanciamento da nossa relação visceral com a natureza começou
quando o homem saiu do campo e foi para a cidade, quando focou demais na
máquina. Fomos perdendo o link com o ritmo daquilo que é espontâneo. Pouco a
pouco, a padronização eliminou a particularidade e as pessoas foram se
envergonhando de oscilar conforme os ciclos, de manifestar o feminino. Na visão
da psicoterapeuta Cristiane Marino, a aceleração do cotidiano e o excesso de
estímulos tecnológicos, além da busca frenética por status e por uma
auto-imagem socialmente aceita, nos afastam de uma vida mais simples e natural,
inspirada no princípio feminino, onde o ser está anos luz à frente do ter e do
parecer.

Segundo
Susan, essa travessia tem um guia dos mais confiáveis. “A sabedoria que já
existe dentro de nós se manifestará e nos guiará, desde que tenhamos a humildade
e a serenidade para ouvi-la”.

Publicidade

Uma
lufada de esperança parte da Índia, país assolado pela desigualdade de gêneros.
A aldeia Vila Piplantri, em Rajasthan, encontrou um artifício poderoso para
reafirmar a importância do feminino sagrado. Cada vez que uma menina vem ao
mundo, a comunidade planta cerca de 111 árvores. E, posteriormente, trabalha em
conjunto para garantir que as mudas sobrevivam, crescendo enquanto a menina
floresce em feminilidade. Daí o projeto se chamar “Eco-feminino”. Um jeito poético
de dizer ao mundo que o cuidado e o respeito aos atributos da Grande Mãe
garantirão o equilíbrio do planeta. Nos últimos seis anos, mais de 250 mil
árvores foram plantadas. Nessa aldeira, os pais são legalmente obrigados a
assinar uma declaração afirmando que sua filha receberá uma educação adequada.
O documento também exige que a menina se case somente após atingir a
maioridade. Avanços dentro de uma cultura hipermachista. E, certamente esse
gesto de plantar árvores é uma forma simbólica de empoderar socialmente as
mulheres, algo fundamental para que as mentalidades mudem e os homens passem a
respeitá-las, ainda que isso leve tempo.

Movimento
igualmente tocante ganhou a chancela da Organização das Nações Unidas (ONU), promotora
da campanha batizada de “He For She”, cuja porta-voz é a jovem atriz britânica
Emma Watson. A iniciativa defende a igualdade política, econômica e social
entre os sexos, ainda distante de ser uma realidade, mas, ao mesmo tempo,
incentiva a cooperação entre homens e mulheres e não a guerra de uns contra os
outros. “Quando os homens estiverem livres dos estereótipos de gênero, as
coisas vão mudar para as mulheres como uma consequência natural”, afirmou Emma
em um discurso oficial e ainda acrescentou: “Tanto homens quanto mulheres
deveriam se sentir livres para ser sensíveis. Tanto homens quanto mulheres
deveriam se sentir livres para ser fortes”. O lembrete faz todo o sentido, já
que as mulheres não são as únicas atingidas pelo modelo patriarcal, que
menospreza valores e modos de ser ligados ao feminino sagrado. Quantos não são
os homens oprimidos por não poderem entrar em contato com seus sentimentos e
fragilidades, postos em algum canto escuro da alma? Como conclama a porta-voz
da ONU, já passou da hora de nos colocarmos lado a lado, reconhecendo nossa
porção solidária e amorosa acima do fato de sermos homens ou mulheres e também
nossos atributos antagônicos e complementares. Só assim poderemos acessar
versões mais verdadeiras e completas de nós mesmos, como nos ensina o yin-yang,
símbolo da totalidade.

A
Educação, campo estratégico por perpetuar valores e visões de mundo, certamente
se beneficiará da acolhedora influência do feminino sagrado. Na visão de Eliana
Atihe, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora de
mitologia e coordenadora de grupos de leitura no Ateliê Ocuili, em São Paulo, a
escola conteudista, que tem por objetivo informar e preparar o aluno para o
vestibular e para o mercado, precisa urgentemente ser repensada, uma vez que
despreza o âmbito da subjetividade: o sentir, o brincar e o imaginar, atributos
do feminino. “A criança levada a hiperdesenvolver competências cognitivas
perdeu o tempo do ócio, fundamental para o desenvolvimento da imaginação e da
experimentação, bases da criatividade voltada para as questões práticas da
vida”, avalia. Nesse modelo de parceria e cooperação entre os atributos
feminino e masculino, a escola encontraria o tempero ideal; e a sociedade, o
balanço que lhe falta. “Os limites, as normas, a disciplina e a autonomia do
masculino saudável conviveriam com a aceitação, o acolhimento, a imaginação e a
experiência de fazer parte de um todo, atributos do feminino sagrado”.

Publicidade

 

Resgate
interior

 

Se no
plano coletivo a baixa influência da Deusa se reflete no colapso do planeta e
das relações humanas, no plano pessoal a desconexão com essa força produz uma
aridez de alma que resulta em sensação de vazio existencial, angústia e
depressão – queixas de boa parcela da população. Mas, felizmente, a qualquer
momento podemos recuperar o elo perdido. Segundo Cristiane, a sintonia com o
feminino sagrado se manifesta pela profunda conexão com o próprio corpo, o que
implica aceitar as fases da vida e o envelhecimento, assim como respeitar os
ritmos orgânicos, ouvir e compreender os sinais do organismo; pelo contato com
os sentimentos, sendo capaz de acolher o que se sente diante de situações e
pessoas e deixando essas emoções assumirem seu espaço na hora devida; pelo
valor atribuído à intuição, saber que passa ao largo da racionalidade, mas que
aponta caminhos, ilumina conflitos; e, por fim, por um estilo de vida afinado à
natureza. Algo que, não à toa, faz cada vez mais pessoas buscarem viver numa
casa que cause menos impacto ambiental, usar produtos que não sejam testados em
animais ou que contenham nada que sua mãe não chamasse de comida e, finalmente,
recupera uma ligação com a nutrição de forma a, como na alquimia, transformar
os alimentos em pratos deliciosos. Nunca tanta gente gostou de uma cozinha como
agora, e nunca se esteve tão atento à qualidade do que entra no prato.

“Quem
vive dessa forma descobre que a vida tem cor e pode ser mais harmoniosa e
criativa, permeada por atividades que preenchem a alma, como dançar, desenhar,
cantar, meditar”, resume a psicoterapeuta. Para Eliana, as narrativas
mitológicas, os contos de fadas, a literatura, o cinema, as artes e o fazer
artesanal também são grandes adubos para o imaginário, a sensibilização e,
portanto, o cultivo do feminino sagrado, que também se engrandece quando nos
reunimos para compartilhar vivências e sentimentos, abrindo espaço para o outro
em nossas vidas e também para a memória e o legado dos nossos ancestrais.

A
paulista Luciana Bueno, 45 anos, facilitadora de
roda de mulheres e de desenvolvimento humano,
criou em seu quarto um
refúgio para comungar com a energia do feminino. “Diante do meu altar, medito e também faço meus rituais: canto, danço,
choro, sorrio e nutro minha natureza instintiva. É preciso muito pouco espaço
para resgatar minhas mais belas alegrias. A sensação de que estou desperta e
ligada à energia profunda da vida, que me faz irradiar luz, afinal eu e a
natureza somos feitas da mesma substância”, revela. Em certas noites, ela vai
até sua praça predileta e permanece sentada percebendo a presença das árvores, escutando
suas suaves músicas. Banho com ervas e momentos para saborear chás, com
serenidade, completam esse íntimo diálogo. “Assim, entro em contato com a
mulher mais primordial e sábia que habita em mim”.

Já a
gaúcha Roberta Smiderle, 27 anos, fisioterapeuta, massoterapeuta e professora
de pilates, cresceu no mato e rodeada de meninos. O primeiro chamado da Deusa
chegou por meio do clássico Mulheres que
Correm com os Lobos, da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés. “O livro foi a conexão com meu feminino adormecido, me
falando que estava na hora de eu ser quem realmente sou, uma integração de menina,
mulher, anciã, amante, irmã e mãe”. O segundo despertar foi provocado pela
própria menstruação. “Passei a usar o coletor menstrual e comecei a me conectar
com os meus ciclos, como também a compreender o papel do feminino na criação do
universo, me acolhendo, me nutrindo, me amando”. Como uma Grande Mãe, que
também envolveu o marido de Roberta nesse processo. “Ele passou a compreender
melhor meus estados emocionais, se tornou mais receptivo e se desprendeu de
certos dogmas machistas. Em suma, o feminino dele pode aflorar também”. A experiência
do feminino sagrado fez renascer entre o casal o modelo de parceria, como na
pré-história. Nossa melhor promessa de futuro.