Amor, presente dos deuses

O encontro amoroso é uma das formas mais antigas de dar sentido à vida. É assim desde sempre e nem por isso o amor deixou de ser misterioso e arrebatador. As histórias dos deuses e das deusas da mitologia grega – criadas cerca de 3 mil anos antes de Cristo – falam de todos os desafios que podemos enfrentar quando buscamos amar e ser amados. Eles são arquétipos, isto é, figuras simbólicas que representam padrões de comportamento presentes em todas as épocas e lugares. Continuam atuais porque homens e mulheres não mudaram em essência e, apesar dos desencontros, todos procuramos viver a maravilha que é estar apaixonado e, com o tempo, transformar esse sentimento em amor. “A descrição dos deuses e de seus pares nos serve de espelho, para enxergar como nos envolvemos e conduzimos as relações íntimas”, afirma o psicoterapeuta Arnaldo Bassoli, de São Paulo.

Para o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), somos habitados por características que correspondem ao perfil de deuses e deusas, que aparecem em situações bem concretas. Por exemplo, se você é muito sedutor, provavelmente tem forte influência de Afrodite, deusa do amor e da beleza, que se casou com Hefesto, deus que se destaca pela criatividade e diz respeito aos homens que não se sentem confiantes quanto à sedução. Esse e outros arquétipos explicam por que um casal pode estar insatisfeito ou indicam como construir um encontro harmonioso.

E os gregos entendiam disso. A arte de amar era uma disciplina obrigatória nas escolas da antiguidade clássica (do século 4 ao 1 a. C.). “Nas escolas, ensinavam-se truques de conquista, estratégias e a arte de seduzir”, diz Viktor Salis, professor de mitologia grega de São Paulo, autor do livro Mitologia Viva: para Aprender com os Deuses a Arte de Viver e Amar (ed. Nova Alexandrina, a ser lançado este ano).

Captar o significado do mito requer apenas o coração aberto. “Essas histórias são um caminho de autoconhecimento, nos provocam e dizem onde tudo está certo e quando estamos passando dos limites”, define Salis. Na mitologia não vigoram valores morais como os nossos. Deuses e deusas vivem seus desejos sem barreiras, obedecem apenas e totalmente à paixão. Nos servem também como exemplos do que acontece quando ultrapassamos certas regras que dizem respeito a traição, ciúme, vingança.

Veja com qual dos casais mais importantes do Olimpo você se identifica e descubra como agradar seu parceiro:

Psique era belíssima, mas não conseguia admirar ninguém. Os homens tinham medo de desposá-la, achando que a perderiam por causa da beleza. Por castigo, Afrodite, a deusa do amor, ordenou que seu filho Eros flechasse a moça para que ela se apaixonasse pelo mais desprezível ser. Ao disparar a seta, no entanto, Eros feriu-se a si mesmo e encantou-se por Psique. Sem mostrar seu rosto, ele a amava todas as noites, até que ela acendeu uma lamparina para poder enxergá-lo. Nesse instante, Eros foi ferido com uma gota de azeite e fugiu, assustado.

A moral da história é que o amor pode ser fugidio quando conhecido. Um pouco de mistério é vital para o erotismo. E o perdão também, pois Psique consegue reconquistar seu amado. As características desse par são jovialidade e frescor. E isso não depende da idade. Nessa relação, o afeto engrandece sem tolher.

É impossível separar esses deuses. O casal ensina a viver apaixonado, isso inclui a aceitação de nós mesmos e do parceiro. Mais que o amor, esse casamento simboliza a própria vida. Todos deveriam casar-se com Eros – isto é, não fazer ou dizer nada que não seja em nome do amor.

Use a verdadeira persuasão. Fazendo o jogo da sedução, sim, mas sem dissimular suas imperfeições e inseguranças. Você pode ficar lindo, rir, ser doce, usar maquiagem. Essas são formas de extrair de si o melhor.

Eles são os deuses supremos do Olimpo e representam o casamento duradouro, mas que passa por abalos relacionados à infidelidade. Havia uma obrigação, principalmente da parte de Hera, em dar bom exemplo aos demais deuses e mortais. Por isso, permanecia casada e ciumenta, pois sabia que o comportamento do marido não era dos melhores. “Zeus é o típico homem com muitas amantes. Hera é a esposa tradicional, o porto seguro”, afirma Guilherme Kwasinski, professor de mitologia grega da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Apesar das brigas, Zeus e Hera formam um casal bastante sensual, ardente, com comportamento picante. Mas é uma relação marcada pelo ciúme e pela possessividade.

Ele é o deus do céu e dos raios. Seu reino é o da vontade e o do poder. É o executivo, o presidente, o líder. E o namorador – está sempre exercitando os jogos de sedução e mantém uma postura decidida.

É preciso ser uma mulher capaz de encantar pela beleza, pela esperteza e pelo mistério. O par perfeito para Zeus é a mulher que tem o prazer e o empenho de reconquistar o parceiro a cada dia – preparando um jantar especial, vestindo-se com roupa nova ou presenteando-o com um livro que vá ajudar no trabalho.

Ela é o símbolo da fidelidade absoluta. É a grande mulher por trás do grande homem (se ele é o presidente, ela é a primeira-dama).

Demonstrar fidelidade e dedicação. Hera representa o ponto feminino mais frágil, que é a dúvida de ser amada. O homem que a surpreende a cada dia, com flores ou gestos de atenção, consegue manter nela a chama da paixão, reduzindo o ciúme. E não se esqueça de colocá-la num pedestal – Hera adora ser admirada por suas atitudes, opiniões e conquistas.

 

Afrodite, a deusa do amor, se casou com Hefesto, o deus da criatividade. Zeus, pai dela, determinou que a mais bela tinha de ser capaz de amar o mais feio (Hefesto era coxo e o único imperfeito dos deuses olímpicos). Essa união contém uma lição: não exigir mais beleza para si. “O belo e o amor foram feitos para serem doados e não guardados”, diz o professor de mitologia grega Viktor Salis. Afrodite representa essa doação de amor, absolutamente pura e legítima. O problema é que Hefesto estava sempre ocupado demais, trabalhando, e por isso foi traído.

Eles simbolizam os casamentos formais. Pouco eróticos e pautados pela infidelidade do lado feminino. Hefesto se preocupa tanto com o trabalho que não consegue excitá-la e ela vai procurar um amante, Ares.

Ele é o artesão. Homem criativo, com habilidade manual e capacidade para ver e criar beleza. Mas tem uma dor profunda, a de ser rejeitado. Por isso, ele faz de tudo para ser útil e por meio do trabalho tenta curar feridas emocionais. “É o workaholic”, diz o professor Guilherme Kwasinski. “Em geral, Hefesto é o homem feio (ou que não corresponde aos padrões de beleza física) e não se sente merecedor de amor. O contato com a dor profunda, no entanto, pode lhe dar a oportunidade de se transformar em um ser melhor e, por isso, atrair Afrodite”, completa.

Perceber as feridas desse homem fechado e valorizar o trabalho dele. A mulher deve despertá-lo para o mundo dos sentimentos.

Ela tem a habilidade de apreciar o prazer e a beleza, de ser sensual e criativa.

Permita que ela seja livre. O que não significa que ela será infiel. Afrodite gosta de líderes, aventureiros, atletas. É atraída por jantares à luz de velas, música suave e presentes. Além de seduzir, não deixe de se entregar totalmente. Um homem pode conquistar uma mulher com as características de Afrodite quando mostra que se tornou melhor depois de ter ultrapassado uma fase muito difícil da vida.

Ares, irmão de Hefesto, apaixonou-se pela cunhada, que correspondeu a esse amor, pois não era o centro das atenções para o marido. Há uma ilustração em que Ares está sentado sobre suas armas em frente a Afrodite. Isso significa que, por mais guerreiro que ele seja, quando está próximo à amada torna-se sensível e apaixonado. O amor entre os dois é forte e sensual. Ela é misteriosa e encantadora. Ele é protetor. Esse encontro mostra como o homem forte pode ser adoçado pelo amor de uma mulher.

Ele é batalhador, dançarino, amante, ardente.

Mantenha a química física, usando seus encantos sensuais – suavidade, capacidade de provocar. Faça-se de difícil para que o guerreiro possa entrar em ação e conquistá-la. Quanto mais misteriosa você for, melhor. Nada de contar toda sua vida no primeiro encontro – ele se desencanta pelo que é muito explícito. Mostre-se confiante e ilimitada, capaz de acompanhá-lo intelectualmente ou em uma viagem desbravadora. Ares não evita o casamento, mas a relação deve ser sempre intensa.

A jovem e bela Perséfone é esposa de Hades, o deus das profundezas. Ela foi raptada por ele e levada para o inferno. Na antigüidade, o rapto era uma prova de amor e, em geral, consentido pelo pai da moça. É a relação em que a mulher não está livre no início, mas acaba ficando no casamento porque o parceiro é muito rico interiormente e lhe dá estabilidade e segurança emocional.

Ele, deus do mundo inferior, é muito introvertido. Sente prazer em estar solitário e não é apegado às relações amorosas. Se, por um lado, é desajeitado nos jogos de sedução e na fase da conquista, por outro, quando ama, mantém a relação e é muito fiel.

A mulher tem de ser receptiva e capaz de fazer uma ponte com o mundo dele. Hades é o homem que não não gosta de agito, bem caseiro. Convidá-lo para ficar em casa ou passar o fim de semana no campo é bastante atraente e prazerozo para ele.

Sensível e normalmente introvertida. Tem habilidade de ser receptiva, aprecia o mundo da imaginação, dos sonhos e dos ideais.

O homem tem de ser nobre e de bom coração, mas não necessariamente empreendedor. Seu companheiro precisa demonstrar que não é materialista e está afinado com valores humanitários. Médicos, terapeutas e outras profissões em que se compartilhe a dor humana são bastante atraentes para ela.

Ariadne tinha o fio da vida que ajudou Teseu a sair do labirinto depois de matar o Minotauro, um dos monstros míticos. Teseu jurou casar com ela, mas, depois de vencer o perigo, a abandonou para continuar solitário sua heróica jornada. Ela quase morreu de tristeza, porém teve a sorte de ser resgatada por Dioniso, conhecedor de todos os prazeres. Ela dá ao esposo o fio da vida e ressurge mais poderosa e bondosa.

Esse encontro diz respeito à mulher que ajuda o homem a atravessar momentos difíceis, mesmo que para isso tenha de esquecer de si mesma. Como não tem capacidade de discernimento para manter sua auto-estima na relação, acaba abandonada. Porém pode ser resgatada por outro homem, que a ensine a viver sua bondade sem abrir mão do prazer e da auto-estima.

Esse casal representa uma relação baseada em amor, respeito e dignidade, em que haja espaço para a liberdade. Com esses aspectos equilibrados, tem um amor estável e seguro.

É o deus do êxtase e do vinho. Místico, nômade, amante intenso, passional, ele é especialista em resgatar mulheres que estão com suas qualidades femininas e seus poderes esquecidos. Representa a alegria de viver. Pode passar uma imagem de irresponsabilidade, mas, na verdade, assume compromissos. Sente um amor imenso pela natureza, vive intensamente o tempo presente e aproveita ao máximo cada sensação.

Um amor livre é tudo de que Dioniso precisa. Ele se envolve enquanto a paixão existe e sabe renová-la diariamente. Para que o amor seja eterno enquanto dure, é fundamental que a mulher seja aberta e franca. Ele gosta de animais, plantas, boa comida, bons vinhos e aprecia celebrações. “Para encontrar Dioniso, a mulher deve abrir mão do desejo de poder”, diz Arnaldo Bassoli. “Deve confiar que ele tem a capacidade de cultivar a relação e entregar-se, abrindo mão do controle.”

Ela é o símbolo da mulher acolhedora, que inspira e direciona o homem a seus principais objetivos.

A princípio, ela é atraída por Teseu, herói nobre. Isso significa que ela procura um homem de caráter e valores sólidos. E a alegria de viver também a encanta desde que seja um sentimento compromissado, não irresponsável.

• Os Deuses e o Homem, Jean Shinoda Bolen (ed. Paulus).

• As Deusas e a Mulher, Jean Shinoda Bolen (ed. Paulus).

• A Deusa Interior, Jennifer Baker Woolger e Roger J. Woolger (ed. Cultrix).