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A saída da insatisfação

Cair na zona do desconforto e encarar o descontentamento pode ser libertador. Insatisfação, afinal, rima com inspiração. Saiba como transformar esse sentimento em estímulo positivo e reinventar a vida para melhor

A saída da insatisfação – Bruno Legítimo
Se “a necessidade é a mãe da invenção”, como disse Platão, no mundo das emoções podemos traçar um paralelo e dizer que “a insatisfação é a mãe da motivação”. E nem precisa ser uma baita insatisfação para dar vontade de se mexer e mudar as coisas. “Somos seres desejantes. Estamos o tempo todo querendo algo”, diz o psicanalista Oswaldo Ferreira Leite Netto, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. O profissional vai até mais além afirmando que a semente do descontentamento nasce conosco. E continua até o último suspiro de vida. O choro de um bebê, por exemplo, traduz um desconforto. Com o tempo, vamos só mudando a forma de dizer que assim não está bom. Ou seja, faz parte da natureza humana querer mais. “A insatisfação é o motor de todas as buscas, a força que conduz à autonomia”, diz o psicanalista, que também dirige o Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Saber identificar o tipo de desagrado, contudo, é um passo fundamental nesse processo. É que existem, segundo o psicólogo Irineu Deliberalli, dois modelos de insatisfação: a do ego e a da alma. A primeira está ligada ao universo da “criança interior”, relacionado aos primeiros 7 anos de vida, em que as experiências permanecem no subconsciente, com influência na vida adulta. É aquele lado “reclamão”, que espera que as coisas aconteçam de determinado jeito, sem se importar com as inúmeras variantes externas – start perfeito para a ansiedade, a raiva, o pessimismo e o desejo de controle. Na onda dessas emoções negativas, o risco é agir por impulso e causar estragos. Ou entrar no papel de vítima das circunstâncias. Um estragos. Ou entrar no papel de vítima das circunstâncias. Um exemplo simples: alguém que precisa pegar uma conexão aérea e não consegue porque o primeiro avião atrasou. Dependendo da maneira como se lida com o imprevisto, a situação pode seguir tranquila ou tensa.
A história é outra quando a raiz da decepção está na alma. “Nesse caso, o clamor vem do coração”, diz Deliberalli. Por maior que seja o incômodo, o desejo de encontrar respostas cria uma abertura para que o novo se manifeste e potencializa as chances de uma solução, mesmo que demore. Com isso, trabalhamos a paciência, da auto-observação e até da criatividade, ao questionar o que podemos fazer para que o desgosto momentâneo seja visto como um desafio instigante. Em matéria de satisfação abaixo da média, portanto, o problema é um só: como escapar da frustração que paralisa e pegar o impulso da motivação?
Se tá chato, agite
 
É caso de trocar o refrão “I can’t get no satisfaction”, dos Rolling Stones, por um mantra mais positivo, como o da canção Do It, de Lenine: “Tá doendo, chora/ Tá caindo, escora/ Não tá bom, melhora”. O que poderia ser o hino do desencanto acaba servindo de incentivo, ainda mais no terceiro verso: “Se tá chato, agite” e, finalmente, na mesma música: “Não se submeta”. Esse é o lado bom de um sentimento que poderia entorpecer, mas, bem canalizado, faz com que se saia da enganosa zona de conforto rumo ao terreno do desconforto – cheio de potencialidades. “Quando conseguimos encarar a insatisfação de frente, vemos que, na verdade, ela é um excelente alerta”, diz o educador ambiental Nicolas Gomez, por experiência própria. Nicolas, não faz muito tempo, vivia no piloto automático. O casamento de cinco anos dava óbvios sinais de desgaste, com brigas frequentes. No trabalho, o dia a dia também não empolgava. Mas como podia-se dizer que estava tudo bem, afinal, o cotidiano seguia na medida do que é conhecido, Nicolas ia levando. Até que um dia não conseguiu mais mentir para si mesmo.
Quebrar com o que estava estabelecido exigiu coragem para deixar o orgulho de lado e assumir que a vida merecia revisão. Nesse momento de lucidez, é natural se sentir inseguro. Mas esse mesmo sentimento pode ser o ponto da virada. “Vulnerabilidade é o berço da inovação, da criatividade e da mudança”, diz Brené Brown, professora da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, e pesquisadora dos temas vulnerabilidade, coragem, autenticidade e vergonha. Na dúvida sobre qual direção seguir, Nicolas teve uma atitude positiva: começou a meditar e abandonou temporariamente o cenário de sempre, embarcando em uma viagem voltada para a natureza e o autoconhecimento. Nessa pausa, veio a certeza do que já sabia internamente: nem o casamento nem o emprego combinavam mais com ele. Decidir mudar tudo de ma vez não foi fácil, mas trouxe um aprendizado. “Hoje, quando sinto qualquer tipo de insatisfação, me afasto da rotina e mergulho no silêncio”, diz.
Perguntas pertinentes
Para quem ainda está com a cabeça formigando, cheia de dúvidas, uma dica é se fazer perguntas como: “O que, em mim, atraiu essa sensação de desagrado?”, “O que realmente faz sentido?”, “Quais forças devo acionar internamente para mudar a minha realidade?”. Muitas vezes, há um evento que divide a vida em antes e depois. Lembra da escritora Elisabeth Gilbert? A história da sua imensa infelicidade com o casamento e o trabalho, que a levou à depressão, deu origem ao best-seller Comer, Rezar, Amar (ed. Objetiva). Sua jornada com final  (ed. Objetiva). Sua jornada com final feliz vendeu mais de 10 milhões de cópias pelo mundo. Ela ficou famosa, rica, casou de novo. Mas, logo em seguida, enfrentou uma nova avalanche de questionamentos. As pessoas começaram a perguntar se ela não tinha medo de nunca mais fazer sucesso. E agora, como lidaria com as expectativas sobre o próximo livro? E se fosse um fracasso? Seria capaz de escrever algo tão bom outra vez? Diante da miríade de julgamentos e pressões, a autora diz que encontrou um porto seguro para onde volta todas as vezes que precisa calibrar o medidor da satisfação. Como sempre amou escrever, decidiu que continuaria dando seu melhor, mesmo que o melhor para ela fosse diferente da opinião das outras pessoas. “O que digo a mim mesma quando fi co realmente enlouquecida com isso é: não tenha medo. Apenas faça o seu trabalho”.
Para Debora Noal, psicóloga da organização internacional Médicos Sem Fronteiras, a tranquilidade diante de uma nova escolha vem de uma coerência interna. “Quando decidi partir para a primeira de muitas missões humanitárias que faria, senti como se o Réveillon de Copacabana estivesse dentro de mim. Era uma satisfação plena!”, conta.
Elisabeth, Debora e também Nicolas (o educador ambiental) encontraram o caminho. Mas e quando a escolha não é tão clara? Vivemos em uma época em que as opções soam infinitas, como explica o psicólogo Barry Schwartz, no livro O Paradoxo da Escolha – Por que Mais é Menos (A Girafa Editora). Como diante de um menu de restaurante de mil páginas, imaginando se a escolha do prato principal será a ideal – diante de tantos que parecem tão bons quanto aquele. Se não conseguimos dar um passo adiante na direção da escolha, a refeição pode virar angústia. Com a mudança, o processo é parecido. Se ficamos travados, mesmo sentindo que é necessário um movimento, provavelmente é porque, pouco à frente, temos vislumbres de julgamentos, fracassos, ou até mesmo de precisar vivenciar situações ainda piores. “A vida espera por você, de braços abertos, em toda sua beleza”, estimula Jamie Sams, em As Cartas do Caminho Sagrado (Rocco Editora). Confiar no poder do Universo é uma chave preciosa para sair da estagnação.
Menos culpa, mais coragem
 
“Invariavelmente, ou a insatisfação paralisa ou impulsiona você”, afirma Rodrigo Fernandez, master coach e consultor de desenvolvimento humano. Quando não conseguimos sair do lugar – o que, nos casos mais graves, pode resultar em longos períodos de contrariedade e sofrimento – vale se questionar sobre o medo das consequências. “Há momentos em que não nos sentimos prontos para avançar e o bom é refletir sobre isso com coragem, longe da culpa, pois essa sensação pode causar mais estagnação ainda e um quê de vitimização. Sem esquecer, aliás, que vitimizar-se pode ser uma estratégia para atrair amor e atenção”, pontua o psicoterapeuta junguiano Michel Zaharic.
Neste capítulo, entra em cena o famoso medo do que os outros vão pensar. “Na escola, por exemplo, preparamos as crianças para o mercado de trabalho, não para serem bem-sucedidas emocionalmente. Crescemos perdidos em nossas emoções”, diz Zaharic. Faria diferença aprender que mudar é morrer para o velho e nascer para o novo. No entanto, o psicoterapeuta lembra que não somos treinados para lidar com a morte, nem simbolicamente. “Ela é fim de um ciclo e renascimento.” Quando uma etapa termina, outra começa. Sempre. Vale a pena acreditar que a mudança trará novas alegrias e aprendizados. Para ajudar a sair do lugar, o coach Rodrigo Fernandez sugere: “Dê as mãos a quem fortalece você na jornada, busque alternativas, saia da inércia”. E lança o desafio: “Que tal, nas próximas 24 horas, tomar alguma atitude que combata sua insatisfação?” Faça um plano, pense em “como”, trace uma meta e parta para a ação.
Como disse Albert Einstein, “não há maior evidência de insanidade do que fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes”. A frase lembra a fábula do clássico Quem mexeu no meu queijo? (ed. Record), de Spencer Johnson. Na históqueijo? (ed. Record), de Spencer Johnson. Na história, dois ratinhos e dois duendes viviam em um labirinto à procura do queijo que os faria felizes. Depois de encontrá-lo, caíram na rotina. Já sabiam o caminho e o queijo estava ali, esperando por eles, diariamente. Tudo bem cômodo, até que um belo dia o queijinho sumiu. Na metáfora, o queijo representa os desejos humanos comuns, como ter um bom trabalho, boa saúde ou estar em um relacionamento amoroso. A reação de cada personagem diante do inesperado, então, vai revelando lições. Os ratinhos, atentos, rapidamente encontram outro estoque do alimento. Já os duendes perdem tempo pensando que tudo vai voltar a ser como antes. Passam a se sentir frustrados, irritados e com menos energia, até que um dos duendes percebe a paralisia imposta pelo medo e começa a rir de si mesmo. “A vida segue em frente e nós também deveríamos fazer o mesmo”, ele conclui. A partir dessa decisão, eles passam a sentir um enorme senso de aventura e liberdade, embora não sem momentos de desânimo e de algumas dificuldades.
Satisfação e propósito
Valorizar cada experiência acaba por gerar um sentimento de gratidão que ajuda a ter mais calma e positividade para lidar com as adversidades futuras. Basta olhar para o lado e para nossa própria história para perceber a importância das conquistas diárias rumo à mudança que queremos. É um passo de cada vez. Um olhar com mais carinho para si mesmo, a mente que vai se tornando mais assertiva, um perdão aqui e acolá, uma decisão corajosa ou uma sabedoria que não se tinha antes, e o poder pessoal vai sendo resgatado e, com ele, a vontade de expandir horizontes.
“Ostra feliz não faz pérola”, é a máxima do livro homônimo (ed. Planeta) de Rubem Alves, em que ele diz algo essencial sobre a importância da insatisfação: “Pessoas felizes não sentem necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída. Por vezes, a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade”. É essa coceirinha que nos leva, de tempos em tempos, a repensar a própria trajetória, pegar de volta a bússola nas mãos, pedir demissão do trabalho, se separar, retomar uma atividade que dava prazer ou abandonar um velho vício. Insatisfação faz parte. E tem a capacidade de fazer cada um se reinventar. Quando isso acontece, o labirinto de impasses é desfeito, nem que seja por uma nova temporada, e se pode desfrutar da plenitude que o mestre espiritual indiano Osho descreve: “Você está obedecendo ao seu coração, você não está obedecendo a ninguém. Não está sendo forçado a obedecer. O seu amor é resultado da sua liberdade, sua confiança é resultado da sua dignidade – e ambos vão fazer de você um humano mais pleno”, ensina o mestre, satisfeito da vida.

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