Você comeria insetos para melhorar sua saúde?

Saiba um pouco mais sobre essa prática milenar enraizada na cultura de muitos povos

insetos
Saiba um pouco mais sobre essa prática milenar enraizada na cultura de muitos povos, comer insetos – Freepik

Na minha última viagem, conheci o Camboja, um lugar singular, onde tradições milenares se entrelaçam com uma espiritualidade vibrante. Conhecido por seus icônicos templos de Angkor, o país evoca ancestralidade onde, a cada esquina, a rica cultura cambojana se manifesta, desde os rituais budistas, que permeiam a vida cotidiana, até a acolhida calorosa de seu povo resiliente e sorridente. A beleza natural do país, com suas paisagens deslumbrantes e sua natureza mágica, complementa uma experiência que é profunda e transformadora. No Camboja, cada momento ressoa com significado, tornando esta terra verdadeiramente única e espiritual. Mas, o texto de hoje não é sobre esta espiritualidade, e sim sobre uma peculiaridade culinária cultural que tive o prazer de conhecer em Cheung Prey, um distrito localizado na província de Kampong Cham, situado a cerca de 120 km da capital Phnom Penh, na qual os insetos fazem parte do cardápio.

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Alimentação dos cambojanos

A alimentação dos cambojanos é rica em diversidade. Uma das práticas alimentares mais intrigantes – para não dizer apavorantes – é o consumo de insetos. Conversando com algumas pessoas de lá, aprendi que a dieta com insetos não é apenas uma iguaria, mas também é profundamente enraizada na cultura e na medicina tradicional do país. Ou seja, insetos têm significados medicinais que refletem a conexão entre a alimentação e a saúde. Aliás, essa prática é chamada entomofagia – o consumo de insetos como alimento por seres humanos – e é praticada em várias culturas ao redor do mundo. Além do Camboja, é também bem comum encontrar o costume em regiões da Ásia, África e América Latina.

De onde surgiu o costume de comer insetos?

O consumo de insetos no Camboja possui raízes profundas que remontam há séculos, provavelmente, oriundas de práticas tradicionais que surgiram em resposta à necessidades alimentares e ambientais. Registros históricos indicam que, durante a antiga civilização Khmer – a qual teve seu auge entre os séculos IX e XIII – os insetos já faziam parte da dieta local. O uso de insetos como fonte de proteína começou a crescer durante períodos de crise, como a Guerra Civil Cambojana, na década de 1970, quando as opções alimentares eram severamente limitadas. Logo, os insetos surgiram como uma solução nutritiva e acessível, o que facilitou sua inclusão na culinária.

Então, vamos aos insetos mais consumidos por lá. Abaixo apresento um resumo da indicação cultural e das proteínas encontradas em cada um dos insetos mais utilizados, juntamente com informações adicionais sobre suas contribuições nutricionais.

Os insetos mais consumidos no Camboja

Grilos

Os grilos são um dos insetos mais consumidos no Camboja. Muitas vezes, fritos e temperados, eles são apreciados como um lanche crocante. Na medicina tradicional, acredita-se que os grilos ajudam a combater a febre e os resfriados. Além disso, são considerados benéficos para a saúde digestiva, proporcionando alívio para problemas estomacais.

Nutricionalmente, os grilos são uma excelente fonte de proteína, com, aproximadamente, 60-70% de seu peso seco proveniente de proteínas. Eles contêm todos os aminoácidos essenciais, tornando-se uma proteína completa. Além de sua alta proteína, os grilos também são ricos em vitaminas do complexo B, ferro e zinco.

Formigas

Especialmente as formigas-do-fogo, são popularmente consumidas em várias partes do Camboja. Elas são, geralmente, fritas e, muitas vezes, servidas com uma pitada de sal ou pimenta. Do ponto de vista medicinal, as formigas são valorizadas por suas propriedades anti-inflamatórias e acredita-se que ajudam a aumentar a imunidade do corpo. Algumas pessoas também as usam para tratar infecções.

Ricas em proteínas, as formigas podem conter cerca de 35-40% de proteínas em peso. Elas também são uma boa fonte de ácidos graxos ômega-3 e ômega-6, além de micronutrientes como cálcio e ferro, que contribuem para a saúde óssea e imunológica.

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Larvas de bicho-da-seda

Outro ingrediente popular na culinária cambojana. As larvas de bicho-da-seda podem ser consumidas cozidas ou fritas e são, muitas vezes, adicionadas à sopas ou pratos de arroz. Na medicina tradicional, elas são reconhecidas por suas propriedades nutritivas e são acreditadas para melhorar a saúde da pele e fortalecer o sistema imunológico.

As larvas de bicho-da-seda fornecem cerca de 50-60% de proteínas em peso seco. Além de serem ricas em proteínas, essas larvas também têm um bom perfil de aminoácidos, gorduras saudáveis e são uma fonte de fibras alimentares.

Baratas d’água

Uma iguaria em algumas áreas do Camboja, onde são capturadas e fritas até ficarem crocantes. Na medicina popular, acredita-se que as baratas d’água ajudam a melhorar a circulação sanguínea e são usadas para tratar questões circulatórias. Seu consumo é considerado um remédio natural para o cansaço e a fadiga.

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As baratas d’água contêm aproximadamente 45-50% de proteínas em seu peso seco. Elas também fornecem uma variedade de minerais, como cálcio, ferro e potássio, que são importantes para a função muscular e nervosa.

Besouros

Especialmente o besouro-tigre, eles são frequentemente fritos e vendidos em mercados de rua. De acordo com a medicina cambojana, podem promover a saúde dos rins e aumentar a energia vital, sendo, frequentemente, associados à longevidade.

Os besouros são ricos em proteínas, com um conteúdo proteico de cerca de 40-50%. Além disso, são fontes de vitaminas, especialmente do complexo B, e minerais, como fósforo e zinco, que são essenciais para a saúde do sistema imunológico.

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Grilos-d’água

São menos comuns, mas ainda são encontrados em algumas partes do país. Costumam ser preparados em sopas ou servidos fritos. Na medicina tradicional, acredita-se que esses insetos ajudam a aliviar problemas respiratórios e a fortalecer os pulmões, sendo usados como remédios caseiros para asma e outras condições respiratórias.

Os grilos-d’água possuem cerca de 50-55% de proteínas em seu peso seco. Eles são particularmente conhecidos por sua riqueza em aminoácidos essenciais e contêm uma boa quantidade de ácidos graxos.

Louva-a-deus

Embora o consumo de louva-a-deus não seja tão comum, em algumas áreas, eles são considerados uma iguaria exótica. Fritos ou cozidos, o povo de lá acredita que esses insetos ajudam a melhorar a visão e são valorizados por suas propriedades antioxidantes. Na medicina tradicional, eles são usados para tratar problemas oculares e aumentar a clareza mental.

O conteúdo de proteína varia, mas pode estar entre 30-40% de proteínas em peso. Eles também são fontes de antioxidantes e têm sido associados à saúde ocular.

Tarântula

A tarântula se tornou uma iguaria no Camboja, especialmente na cidade de Skuon, onde se vende frita em barracas de comida de rua. Acreditam que o consumo de tarântula traga sorte e prosperidade.

As tarântulas são ricas em proteínas, com aproximadamente 60-70% de seu peso consistindo em proteína pura, além de conterem aminoácidos essenciais, vitaminas (como a B12) e minerais (como ferro e zinco). Este perfil nutricional a torna uma opção saudável e nutritiva, especialmente em contextos em que o consumo de carne tradicional pode ser limitado ou caro.

Escorpião

Os escorpiões também têm uma longa história de consumo no Camboja, frequentemente apresentados fritos e vendidos em mercados e feiras. Como as tarântulas, seu consumo começou a ganhar popularidade durante períodos de dificuldades econômicas. Hoje, muitos consideram a degustação de escorpiões uma experiência gastronômica única, tanto para os locais quanto para os turistas. Em certas culturas, os escorpiões estão associados a características de proteção e força. Consumir escorpiões pode estar ligado à crença de que isso pode conferir habilidades protetoras ou coragem ao indivíduo

Os escorpiões também são ricos em proteína, com uma composição que pode variar, mas geralmente contém cerca de 60-80% de proteína. Além disso, são fontes de minerais como cálcio e ferro.

Atenção, que fique claro que de forma alguma estou indicando insetos para sua saúde ou para a sua alimentação, apenas relatando essa prática milenar que está enraizada na cultura de muitos povos até nos dias de hoje.

Durante períodos de guerra e escassez, o consumo de insetos tornou-se uma maneira de conseguir nutrientes essenciais. Atualmente, continua a ser uma tradição culinária celebrada, com uma forte conexão a práticas de cura e bem-estar.  Com a crescente conscientização e atenção à sustentabilidade e à nutrição, o consumo de insetos no Camboja pode oferecer lições valiosas para o mundo sobre como integrar práticas tradicionais em uma alimentação mais consciente e saudável!