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Os caminhos da sedução

Que alquimia emocionante é desencadeada quando nos sentimos atraídos pelo outro. O desejo nos transforma e abre portas para um mundo repleto de sensações

Os caminhos da sedução – Henrik Sorensen
O apaixonamento ri da teoria, da matemática, da lógica e da sensatez. Nesse departamento, dois e dois nunca são quatro.
Pois o inesperado gosta das tramas embaralhadas. Jamais das linhas cartesianas. Muito menos dos jogos de poder. A sedução é o oposto da guerra, centrada em estratégias e na disposição para o combate. Ela está mais para um saboroso teatro, que nasce de um relance, de um arrepio, de uma resposta do corpo. Sempre visceral. “Dói-me uma mulher em todo o corpo”, escreveu o argentino Jorge Luis Borges, preciso na construção dessa bela imagem. Toda emoção que chega a partir do amor é sentida e não racionalizada. Por isso, a arte de seduzir se assemelha a uma adorável guerrilha. Sucessão de pequenas ações aconselhadas pela paixão. O que fazer, então, quando os sentidos estão no comando? Ora, entregar-se às doçuras do desejo. E, acima de tudo, desfrutar dos seus enredos atemporais.
Sob os desígnios de Eros, deus do amor, a mente pode, enfim, descansar. O que nos seduz dificilmente pode ser explicado. Em geral, os amantes se veem envoltos em vagas sensações. Um trejeito, um olhar, um tom de voz, um silêncio inesperado, o sorriso ou até mesmo um gesto de indiferença. Sim, porque neste país imaginário, como o da Alice criada pelo escritor britânico Lewis Carroll, nada é lógico. Às vezes, o oposto atrai, perturba a ordem. Apaixona. Trata de implodir o mito da “alma gêmea”. Afinal, qual é o sentido de conquistar o que já é nosso? Há quem prefira escapar do mito de Narciso – personagem da mitologia grega que se encantava pelo próprio reflexo na água até que, de tanto admirar-se, definhou na margem do rio e morreu –, celebrando o complemento e não a cópia.
Acontece que o encantamento à primeira vista é insistente. Quem nunca se sentiu no primeiro encontro como um adolescente desajeitado, surpreendido por uma arrevoada de borboletas no estômago? Admitamos que sentir os pés descolados do chão torna a trama mais atraente e que a experiência não serve de nada. Somos todos principiantes quando o amor explode. A reflexão mais racional, claro, descarta o fenômeno do amor instantâneo. E, mais, dirá que, nesses casos, existe apenas o desejo físico. Não o amor. Mas não. Nenhuma lei da ciência poderia explicar o mistério da sedução. A simples postura de alguém, mesmo à distância, sem que sua voz tenha sido ouvida, pode ser decisiva. Em face de tal magnetismo, de nada valem roupas elegantes, joias e relógios caros. O mistério é de outra ordem. Libera alguma coisa oculta, guardada com zelo no mais profundo de nós mesmos. Alguma coisa que desafia toda segurança, toda ordem, toda precaução. Então, qualquer cenário, seja uma festa, uma reunião ou a fi la do banco, desaparecerá num rompante. E não haverá mais do que dois. Eles. Os enamorados. Desvendando um ao outro.
Puro querer
Não há limites para o desejo do corpo amado. Como diz o filósofo francês Roland Barthes na obra Fragmentos de um Discurso Amoroso (ed. Martins Fontes): “Vasculho o corpo do outro como se quisesse ver o que tem dentro, como se a causa mecânica do meu desejo estivesse no corpo adverso (…)”. O que nos atrai com tamanha urgência? Por incrível que pareça, detalhes. A forma de um pé, a suave curvatura do ventre, o lóbulo da orelha, o cabelo comprido ou curto, uma manchinha na pele, um gesto. A beleza escondida nas miudezas. E que se mostra para cada um de um jeito singular. Em matéria de sentimentos, situar-se na fronteira do certo e do errado é tão inútil quanto perseguir o horizonte. Porque os amantes criam a sua linguagem particular, leis próprias, jeitos e manhas para enxergar – e expressar – o belo naquele que acende o querer.
Dizem que bocas grandes, de lábios generosos, são as mais sedutoras. Pura teoria. A grande questão sempre será: a quem pertence essa boca? Além do mais, o sorriso independe da forma. Importa o que ele irradia. Nos apaixonamos pelo contentamento que nos é dirigido e que nos constitui, nutrindo nosso ser com luz, o tempo todo. O sorriso é néctar. Nos alimentamos um do sorriso do outro. Mas que ninguém se iluda. Não há posse na reciprocidade. A única liberdade está em escolher. Não nos esqueçamos disso, cada vez que formos invadidos pela voracidade do desejo de aprisionar o outro.
Mas o que fazer quando se torna inevitável pensar no outro como parte de si mesmo? O ciúme tanto pode ser alimento, motivação, intensificação do desejo, como pode se transformar no pior dos pesadelos: desconfiança, perseguição, obsessões. Não há garantias no amor. Como tudo no mundo, feito de luz e sombra. Triste é quando a insegurança penetra a alma e azeda o sentir. Se o ciúme adoece a relação, fujamos dele! Mas não do doce ciúme como caminho. Essa renovada declaração de amor. Já a saudade é a face poética da paixão. Sentir a falta de alguém implica uma cota de dor – leve, quase prazerosa – que sempre abre a porta do reencontro. Nos pertencemos, nos afastamos, nos desejamos, nos reencontramos. Bailamos. A deliciosa tormenta do amor.
Diálogo íntimo
A gramática do corpo revela o que se passa nos corações. As entrelinhas, o não dito, o gestual e as carícias que alcançam o outro sem que se rompa o silêncio vão criando um território fértil de cumplicidade, próprio ao amor. Nele, a quietude e o olhar são como uma melodia, que faz a alma cantar. Sentir essa vertigem é especialidade do desejo.
Mas, claro, há que haver lugar para as palavras. Palavras enunciadas como confissões. Esqueça os conselhos fabricados para seduzir. Esses não podem ser levados a sério, porque cada pessoa gravita num universo único. A sedução não irá longe se ancorar-se em frases eloquentes ou engenhosas, ditas no momento indicado. Isso é repetição, técnica, ofício. A caricatura de um desajeitado Cyrano de Bergerac – o herói romântico da literatura francesa que ama sua prima, mulher inteligente e um tanto pedante, e para cortejá-la, se vale de palavras bonitas e originais. O amor requer mais. Magia em vez de razão. Algo que transpareça e ecoe justamente porque escapa ao nosso senso de controle.
Se tivermos sorte e esse assombroso caos nos dominar, o amor surgirá e a sedução, jamais vista como tática, terá engendrado a sonhada parceria. Ser dois. Mãos que se procuram. E se encontram. Dia após dia. As mãos, por sinal, são as melhores embaixadoras do amor. Às vezes, se aferrarão, fortes, poderosas, protetoras. Em outras ocasiões, ofertarão afagos, em movimentos sinuosos, leves, sugestivos. Pegar a mão do ser desejado é uma ponte, uma conexão. As mãos acompanham a palavra, dançam, guiam, exploram sabiamente o território amado, como o maestro encarregado de marcar o tempo da orquestra. Uma mão que desliza, tateia e, por fi m, captura a mão do outro, enquanto os olhares acompanham e autorizam o enlace, não está fazendo outra coisa senão amor. Depois, sim, chegarão eles, os corpos, unificados. Na alcova, as mãos esculpem a fi gura do companheiro, o percorrem, criam um espaço infinito. E decretam as fronteiras da pele. Dar a mão é dar tudo; é entregar-se.
A entrega é como a fé. Requer do sujeito a doação absoluta, sem vislumbrar recompensa. Nem mesmo reciprocidade. O que pode ser fonte de prazer e dor ao mesmo tempo. Pois é, o risco nos espreita. No entanto, o desejo parece dominar a prudência, como força alheia a nós mesmos. Assim entendia o filósofo holandês Baruch Spinoza, que no século 17 decretou a supremacia dos afetos. “Não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa”.
Trocando em miúdos, o que nos diz Spinoza? Que a sedução obedece aos mandos do desejo. E mais. Não há planos nem teorias para sair vitorioso dessa doce guerrilha. A única em que, por mais paradoxal que possa parecer, quem perde é o único vencedor. Vence quem é capaz de se mostrar por inteiro: vulnerável, como todos os humanos; tenaz, como os deuses.
Como um rio, o amor conduz os enamorados ao desconhecido. O futuro está nas mãos dessa força intrusa e transgressora. Por isso, respeite se o amor se retirar – ele fará isso sempre que se sentir maltratado. Mas ressurgirá naturalmente, inteiro e saudável, quando a história e seus personagens merecerem a honra da sua visita. De verdade.

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