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A cabala e a estética da paz

Baseado em valores ancestrais do judaísmo, o cli le shalom usa as letras do alfabeto hebraico e a Árvore da Vida para realinhar as energias da casa e dos seus moradores

A cabala e a estética da paz – Rogerio Pallatta

Prestes a mudar para o apartamento dos seus sonhos de menina, na beira da praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, Sandra Strauss se alegrava em começar uma nova etapa da vida. Tinha tudo para dar certo, mas algo não ia bem. “Durante a obra, um fornecedor faliu, outro fechou a empresa, outro sumiu. Comecei a perder dinheiro, ficar doente, angustiada”, lembra a jovem moradora, que, diante de uma lenga-lenga sem fim, se sentiu impulsionada a pesquisar a memória daquele lugar. “Conversei
com vizinhos e porteiros e descobri histórias assustadoras. No passado, até fogo o apartamento pegou”, conta. O estopim dessas lembranças que a fizeram quase abandonar a morada que tanto desejou na infância veio junto com o nascimento do
seu filho e acabou levando-a para um novo rumo: por que não reprogramar o fluxo de energia do lugar? “A chegada do meu filho trouxe muita luz ao ambiente e, para não sair de lá, resolvi estudar com afinco todas as disciplinas que se referiam
à medicina da casa”, afirma Sandra. De família judaica, a engenheira formada em Israel mergulhou de forma tão determinada no assunto que até desenvolveu sua própria técnica, a cli le shalom (“receber a paz”, em hebraico), que tem como fio condutor
os conhecimentos da cabala, a parte mística do judaísmo. “Hoje, mais de 15 anos depois, tenho consciência de que esse apartamento foi meu laboratório”, diz. Relatos, teorias, adesivos das letras e todo o passo a passo de aplicação (um ciclo que leva de 28 a 40 dias) estão descritos em seu livro A Cabala da Casa – Harmonize Sua Morada (ed. Planeta). “A proposta é a autoaplicação e a popularização da técnica, feita para todos os povos do mundo que buscam paz e harmonia.”

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Virtude das letras O cli le shalom chama atenção por se basear nas 22 letras do alfabeto hebraico. Explica-se: para os cabalistas, cada uma delas está associada a uma virtude, como amor, compreensão, entendimento, compaixão, alegria, entre outras. Quando fixados em determinados pontos da casa, esses símbolos emanam diferentes potenciais para “curar energeticamente” a morada e seus moradores. Se no feng shui (a milenar técnica chinesa de harmonização do ambiente baseada no taoísmo) é o Baguá que revela quais são as forças que regem os diferentes aposentos domésticos, no cli le shalom quem cumpre esse papel é a Árvore da Vida, um desenho esquemático que mostra a criação do Universo e os diferentes níveis de realidade sutil até chegar ao plano denso e concreto do nosso mundo material. Nesse diagrama, o Criador emana dez poderosos vórtices de energia divina, as dez Sefirot (plural de Sefirá, também chamada de “medida” no livro). Segundo a filosofia, cada uma dessas energias influencia diretamente nosso mundo, nossa existência e até mesmo nossa personalidade. “Trata-se de um grande diagrama simbólico utilizado para explicar a forma como a energia de Deus flui do Universo para a Terra”, explica Sandra. Por exemplo, para os cabalistas, o fluxo vital chega até nós pelo lado leste (assim como a luz do Sol). Por isso, a primeira Sefirá, chamada Keter, deve ser posicionada justamente sobre esse ponto da casa. O cômodo que estiver sendo regido por ela será o local a ser trabalhado com a virtude da certeza e consciência. “Se estiver na sombra, é possível que surjam dúvidas no fluxo.” Pode parecer difícil, mas entender o cli le shalom é mais simples do que se imagina. A leitura tem início com o posicionamento da Árvore da Vida sobre a planta baixa da casa, alinhando suas medidas (Sefirot) aos pontos cardeais. Dessa forma, é possível mapear quais cômodos são influenciados pelos diferentes aspectos da árvore. Diagnosticadas as necessidades, as letras são introduzidas para realinhar o fluxo. “Ao fazer a leitura da força presente em cada medida, compare com o ambiente da casa regido por ela. Assim, o diagrama apresentará os caminhos que possibilitarão a interpretação da dinâmica do local e os cálculos para reprogramar o fluxo vital do campo energético da casa”, orienta Sandra. O princípio da aplicação é parecido com a escola oriental, mas, diferente dela, nenhuma mudança na decoração será fundamental. “O que faz a reprogramação do fluxo é a inserção dos desenhos das letras hebraicas, que vibram com as virtudes associadas a elas. Porém, nada impede que a intenção seja potencializada com o uso de cores e de objetos que estejam em sintonia com a energia encontrada nas letras”, afirma.

Morada viva A equação para equilibrar o que está faltando com o que está em demasia deve ser feita como um grande exercício de autoconhecimento. “É fundamental os moradores estarem abertos para enxergar os sintomas de desequilíbrio da casa, geralmente associados ao histórico de harmonia e desarmonia do local”, diz Sandra. Para ela, habitação e habitante formam um conjunto indissociável em contínua interatividade. “Nossas virtudes, pensamentos, sentimentos e desejos têm influência sobre nosso meio ambiente”, acredita. Dessa forma, ao curar a casa, os moradores também são beneficiados pelas vibrações emanadas pelas letras, já que o fluxo acontece de todos os lados. “Na cabala, enxergamos a casa como algo vivo, dinâmico, sendo
possível transformá-la em um recipiente rico, saudável e luminoso para a energia vital”, conta. Ao propor o cli le shalom, Sandra Strauss captura ondas e vibrações invisíveis e as inclui no projeto. Diz o rabino Nilton Bonder que a cabala tem vocação
de colocar em escala o que não é mensurável pelas trenas mundanas e dar perspectiva ao que não pode ser visto pela luz convencional. “O resultado é a planta baixa de um olhar criativo e mágico acerca do espaço e da relação entre ele e as
forças mais sutis que nos habitam”, descreve. Onde simples e complexo se entrelaçam na metáfora sobre o ambiente em busca da maior das estéticas: a paz.

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