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A beleza das igrejas católicas

Santuários de norte a sul do país guardam memórias de brasileiros e traduzem em sua bela arquitetura marcas de uma nação multicultural e aberta ao convívio respeitoso entre religiões que pregam o bem e o amor 

No alto da serra em Caeté, Minas Gerais, o pequeno Santuário Nossa Senhora da Piedade pacifica a alma de quem o visita, ainda mais pela primeira vez – Henrique Caetano

Feitos para abrigar a essência divina, os templos religiosos surgiram como miniaturas do universo. Árvores se transformaram em pilares, paredes em pontos cardeais, pedras em altares, telhados em céu. E o ser humano, então, ao abrir a porta de uma igreja, conheceu a transcendência, permeando entre os mundos profano e sagrado. Com o correr do tempo, as construções imponentes espalhadas por todo o Brasil passaram a impressionar também pela riqueza arquitetônica, histórica e cultural até
aqueles que não sabem rezar. “Mesmo os não católicos se emocionam e são atraídos para templos cristãos por sua beleza arquitetônica e histórica. É assim em todo o mundo”, diz Alexandra Gonsalez, escritora que acaba de lançar Nossas Senhoras
do Brasil (ed. Pólen) em comemoração aos 300 anos de Nossa Senhora Aparecida. Conta a tradição que em outubro de 1717, os pescadores João Alves, Felipe Pedroso e Domingos Garcia foram encarregados de conseguir alimentos para um banquete em homenagem ao governador de São Paulo e Minas Gerais. Desanimados com a pesca fraca, os três puxaram as redes das águas escuras do Rio Paraíba e ficaram surpresos ao retirar uma pequena estátua de Nossa Senhora da Conceição esculpida em  terracota. Depois de colocar a santa dentro do barco, as redes se encheram de peixes. A imagem foi colocada em um pequeno altar na casa de um dos pescadores, que abriu seu lar para receber os vizinhos que vinham para rezar. Nesse momento, nascia a adoração a Nossa Senhora Aparecida e, em seguida, o primeiro oratório aberto ao público.

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Os nomes de Maria Piedade, Dores, Conceição, Glória, entre outras devoções marianas e suas histórias, são contemplados no livro de Alexandra. “É uma homenagem a Maria em todas as suas nomenclaturas”, diz ela, fascinada por santuários desde a
infância, em São Paulo, quando estudou em uma escola dirigida por padres mercedários, e em Salvador, na Bahia, onde passava boa parte das férias sentindo o perfume de incenso nas ruas ao som de sinos que chamavam para a missa no Pelourinho.
“Anos mais tarde, ao viajar pelo país, percebi que cada região guarda em suas igrejas um pedaço da nossa memória coletiva, e traduz nas pinturas, imagens, relíquias e vitrais maneiras distintas de o povo se conectar com o sagrado. Templos nos quais Maria tem seu lugar de destaque como mãe de todos nós em suas diversas manifestações”, conta. Para a filósofa Patricia Fox Machado, estudiosa da espiritualidade feminina, Maria tem muitas faces, ao mesmo tempo em que todas elas são uma. “No Brasil, em especial, Nossa Senhora é parte do cotidiano e da essência de nosso povo. Ela está nos nomes das muitas mulheres chamadas Marias e tantos Josés-Marias, nas rezas sussurradas passadas de geração em geração e também nas melodias de nossa música e nos versos da poesia”, afirma. Maria aparece pequenina nas medalhinhas, mas também surge grande nos altares das catedrais; está presente na simplicidade das festas em pequenas paróquias dos bairros, mas também é a homenageada na maior procissão do planeta, o Círio de Nazaré. “O estado pode ser laico, mas a alma do Brasil é mariana”, reflete.

Diversidade dos templos O catolicismo semilaical de nossas origens portuguesas passou por diversas fases até chegar aos dias atuais. Cada região, conforme recebia as influências europeias, foi se moldando para contemplar as diferentes adorações a
Nossa Senhora. No Nordeste, Pedro Américo Maia, autor do livro História das Congregações Marianas no Brasil (ed. Loyola), destaca que a primeira igreja construída pelos jesuítas, na Bahia, teve o título de Nossa Senhora da Ajuda. Ali também está
outra tradição religiosa herdada de Portugal: as irmandades de brancos e negros. Na Região Sudeste destacam-se as igrejas de Minas Gerais, base de artistas que trouxeram traços brasileiros às imagens de Nossa Senhora. “Durante o século XVIII, Valentim da Fonseca e Silva, conhecido como Mestre Valentim, e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, esculpiram madonas com rostos claramente mestiços, como eles próprios, exemplos da miscigenação brasileira”, descreve. Por meio da arte, Virgens do Rosário, anjos e alguns santos tinham a pele negra, exaltando a liberdade de imaginação religiosa que ainda não existia na vida cotidiana. Da mesma maneira, a Igreja Católica está enraizada na cultura do Norte, mesclando influências indígenas, portuguesas e ibéricas. Na Região Sul, padres jesuítas espanhóis foram os primeiros a se estabelecerem, seguidos dos portugueses açorianos que chegaram a Santa Catarina a partir de 1740. Mais recentemente, na década de 1950, o Centro-Oeste passou por uma expansão com a criação de Brasília. Das pranchetas de Lúcio Costa e de Oscar Niemeyer nasceram as construções de arquitetura arrojada da nova capital federal, incluindo os locais de fé.

As principais igrejas de cada capital do país, retratadas no livro Nossas Senhoras do Brasil, convidam a um passeio pela religiosidade brasileira sob a ótica mariana. E Alexandra sintetiza: “É um olhar sobre quem nós fomos e quem nós somos através da devoção a Maria”.

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