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Comida para ser feliz

“Comer bem é um misto de qualidade, quantidade certa e autoconhecimento”, diz a jornalista e escritora Sonia Hirsch. Mas não se iluda: não existe a dieta perfeita. E, mesmo que a encontre, o desejo por variedade vai fazer você mudar

Sonia Hirsch – Henrique Magro
Em um final de tarde dos mais frios do ano, Sonia Hirsch deixou sua casinha em Secretariado, zona rural do Rio de Janeiro, e desembarcou em São Paulo, capital, para falar do que mais gosta: alimentação e autoconhecimento. Porque é preciso se conhecer bem para escolher a comida certa para si mesmo, defende. No curso Mulher, Comida e Bom Humor, ela compartilhou seus aprendizados com uma plateia predominantemente feminina, composta de educadoras, professoras de ioga, cozinheiras, fisioterapeutas, acupunturistas, advogadas e médicas. Todas ávidas por ouvir essa autora carinhosa (já são 21 livros publicados, entre eles Deixa Sair, Sem Açúcar com Afeto e Manual do Herói). Alguns exemplos de seu estilo particular ficaram conhecidos quando Sonia teve a coluna Sabores da Vida, em BONS FLUIDOS. “Gripe pega quem está predisposto a ser pego. Jamais atinge quem está com as defesas em ordem”, escreveu certa vez. “Tome um caldinho quente, agasalhe-se, corte os excessos, que
contente por estar fazendo isso e, em pouco tempo, tudo voltará ao normal.” Saberes de quem busca uma relação mais autêntica com a comida e tem especial prazer ao oferecer o que descobre em um banquete de dicas fresquinhas. Às vezes, velhas conhecidas, mas que havia muito tempo ninguém trazia à mesa. As perguntas a seguir surgiram desse caldeirão de interesses. conhecimentos e compartilhamentos. Pode degustar.
Sonia, como tudo começou? Esse envolvimento da jornalista com uma alimentação mais natural a ponto de hoje você ter se tornado uma guru do comer bem?
Criança, eu tomava leite condensado na lata. No meu retorno de Saturno, aos 29 anos, mudei a alimentação e encontrei nos livros os mestres da macrobiótica – entre os quais, o professor K Kikuchi e o Michio Kushi. Entendi que saúde era outra coisa. E que englobava muitos hábitos. Entre outras coisas, isso me fez sair do trabalho na grande imprensa, começar a cozinhar para mim mesma e mergulhar na pesquisa da culinária natural. Para você ter uma ideia, desde os 18 anos eu tomava pílula anticoncepcional e me achava ok. Não tinha muita noção das coisas. Aquele momento foi um divisor de águas pra mim. Rejeitei a sociedade do conteúdo fácil e descobri os orientais em sua loso a e segurança alimentar. A macrobiótica não é radicalmente vegetariana, mas ensina a usar folhas, bulbos, raízes. Então tudo começou a fazer outro sentido. Por exemplo, até minha menstruação, que era irregular, e uma anemia que todo mundo tinha dito que era minha e que eu aceitasse (porque não havia nada a ser feito para corrigir), ganharam outra perspectiva. Fui pesquisando e resolvendo cada situação. Comecei a prestar atenção na respiração, a meditar e procurei me apoiar na tradição.
Na tradição de comer bem. O que é, então, comer bem, Sonia?
Brinco com uma história de que cada um come bem de um jeito. Uma jovem pode dizer que comeu bem depois de uma saladinha de alface, o Papai Noel pode dizer que comeu bem depois de devorar a ceia, um casal pode gastar uma pequena fortuna num jantar e dizer que comeu bem… Mas, com certeza, comer bem não é comer muito. A gula continua sendo um pecado capital cometido contra o delicado equilíbrio do corpo. Nem muito nem pouco, o que faz diferença é a qualidade.
O que você entende como comida de qualidade?
O mundo alimentar foi dividido em dois: comida de verdade de um lado e comida de mentira do outro (tudo que tem rótulo, que foi processado). Dizem os cientistas políticos que o Brasil já está em plena “transição nutricional”. Nosso consumo de feijão caiu 25%, enquanto o de refrigerantes e guloseimas subiu 40%. Com maior poder aquisitivo estamos optando por uma pseudocomida. Ou seja, comendo mal. Por outro lado, feiras e mercados continuam aí. Cada vez mais o orgânico está na mesa das pessoas. Comer todo dia folhas verde-escuras como couve, mostarda, brócolis, chicória, rúcula e tantas outras é um seguro de saúde concreto. Acompanham tudo e não costumam levar a alergias. Aliás, esse é um ponto importante. Respeitar o que cada um pode ou não pode comer. O corpo dá sinais quando algo não vai
bem – rinite, dor de cabeça, intestino preso ou solto, gases, dificuldade de pensar com clareza. Comer bem, portanto, complementando a sua pergunta, é um misto de quantidade certa, qualidade e autoconhecimento.
Conhecer-se é fundamental para manter o bem-estar, você mesma costuma dizer.
Mas isso não significa comer com rigidez. Uma médica norte-americana chamada Christiane Northurp resume essa ideia com a seguinte frase: “Não existe dieta perfeita; mesmo que você a encontre, o desejo de variedade vai fazê-la mudar, e isso é saudável”.
Você come de tudo?
Eu como de tudo menos um monte de coisas [ri]. Leite, por exemplo, não tomo. Mas e se for um queijo da Canastra, pode? Bom, não tomo leite ou derivados porque causam excesso de muco [secreção que se acumula nas mucosas causando uma série de incômodos]. Só que um autêntico queijo mineiro da serra da Canastra
é uma iguaria [desde maio de 2008 o queijo canastra é patrimônio cultural imaterial brasileiro, título concedido pelo Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]. Então negocio. Como, sei que vai dar muco, tomo chá de aniz-estrelado ou de alcaçuz para lidar com o problema. A gente precisa descobrir por que sai do prumo e como se apruma de novo. Me trato com homeopatia e acupuntura preventivamente. E, na alimentação, gosto de um princípio que é “70% combinado e o resto a gente negocia”. Dá para negociar beber aquele vinho, perder aquela noite de sono, comer aquele queijo. Essa sensação de poder fazer as coisas é importante.
Inclusive ir à casa da vó e comer a carne de porco que ela fez com tanto carinho, certo?
A boa saúde é tudo isso. Acho que às vezes a gente se indispõe muito socialmente, sem necessidade. Logo que comecei a mudar meus hábitos alimentares, eu levava minha marmita de arroz integral à casa da minha mãe. Hoje, mais madura, sou mais flexível. E, qualquer coisa que der errado, tomo um chazinho. O nosso bom humor vem desse gostoso equilíbrio entre necessidade, vontade, limpeza (de toxinas que ingerimos) e flexibilidade para situações de convívio que se apresentarem. Também
conta muito conseguir evitar comida de mentira, doces, excesso de frutas – por conta do açúcar –, e dar maior importância aos temperos. Louro, alho, coentro, pimenta-do-reino. A pimenta fresca ajuda a equilibrar a temperatura do corpo. Vai excitar as mucosas, ajudar a produzir suco gástrico e a fazer a digestão. Os resíduos de alimentos mal digeridos podem aumentar a camada incômoda de muco. E a pimenta, como aumenta o fogo digestivo, resolve isso. Só não pode ser em excesso, porque causaria hemorroidas e trombos.
No curso Mulher, Comida e Bom Humor você discute muito sobre “as partes mimosas” do corpo feminino e a relação com a alimentação. Pode falar brevemente a respeito? 
Para o feminino, a comida correta, que leva ao bom humor, é a que faz o intestino funcionar bem. Se a comida de base for incorreta, não há chazinho que resolva. A comida correta limpa o intestino e livra a gente de problemas como candidíase. O corrimento é sinal de que o fungo (a cândida) está proliferando no intestino como resultado de um desequilíbrio ocasionado, em parte, por aquilo que você comeu ontem. Pode haver até diminuição da libido. Porque fungos são agentes de decomposição da matéria e, quando estão em desequilíbrio, levam à perda da vitalidade e do desejo.
Muitas mulheres se queixam, aliás, de intestino preso…
O intestino é onde acontece a maior parte da absorção dos alimentos. Cada refeição forma um bloquinho de fezes. Quando chega ao intestino grosso, há uma perda de água natural e esse bolo fecal começa a se formar. Às vezes, depois de formado, não tem um movimento reflexo porque não foi estimulado desde a infância – grande parte das vezes por conta de uma repressão. Assim, o bolo fecal fica parado ali, como uma rolha. A culpa não é do intestino. Se não tem fibra suficiente, água e regularidade, o funcionamento simplesmente não acontece.
O que podemos fazer para minimizar o problema?
A noite é um período de jejum para o corpo (acordar nesse momento para comer, costumo dizer, é sinal de vermes, um congresso deles!). De manhã, podemos despertar o intestino bebendo meio litro de água quente ou chá. É sensato. Somos quentinhos por dentro. Dar esse calor extra vai cutucar o intestino devagarinho.
E se não resolver?
Quando as fezes estão retidas, a pessoa fica mal-humorada, sente enxaqueca, indisposição. O que fazer? Em primeiro lugar, comer menos. A comida recém-chegada não empurra a refeição de ontem. Quanto mais vazio o intestino estiver, melhor para o fluxo. Por isso pular uma refeição e beber água faz muito bem. Outra coisa altamente recomendável é, uma vez por semana, fazer um esvaziamento completo (sempre fica um resíduo de 10% após a evacuação. Esses 10% vão se somando a outros e geram
a sensação de empanzinamento).
Como pode ser o esvaziamento?
É um jejum caprichado. Pode ser à base de sopa de arroz do pai José, que lava tudo por dentro e desintoxica [a receita está no site correcotia.com.br, de Sonia Hirsch] ou chicória refogada (2 pés de chicória refogadinha com alho, um tico de água, azeite e uma pitada de sal). A chicória (ou a escarola) é uma grande faxineira do intestino. Assim como a bertalha, o caldo de rã, que limpa e restaura a ora intestinal, ou, para quem é vegetariano, o caldo de raiz de lótus (deixe ferver até reduzir pela metade, três colheres de raiz de lótus, 1 litro de água e uma pitada de shoyu – o sabor salgadinho arrepia as bactérias que estão ali esperando um sabor docinho).
Cozido ou cru? Frutas, sim, ou frutas, não?
Eu sou mais dos cozidos do que dos crus. Sigo a tese do cozinhar sempre, nunca cozinhar muito. Quanto às frutas, elas são fáceis de digerir, mas é interessante comer nos intervalos das refeições, e não com elas. Uma maçã no meio da tarde é um espetáculo. A pectina, que integra a classe das fibras solúveis, é desinfectante, e
o ácido málico, outro componente da fruta, é bom para retirar impurezas do fígado e da vesícula.
Outra fruta que você costuma recomendar é a umeboshi, certo?
Essa ameixa salgada japonesa é um detalhe da nutrição que faz toda a diferença. Os macrobióticos comem uma por dia. É desinfectante, antiviral, antibiótica. Se você vai viajar para algum lugar onde a água e a comida não são lá muito limpas, a umeboshi previne aborrecimentos.
Qual sua opinião sobre essa onda sem glúten e sem lactose?
Acho tudo muito exagerado nessa área, inclusive os diagnósticos e os autodiagnósticos baseados em premissas erradas. Tudo o que tem a ver com intestino e digestão funcionando mal obriga a pensar em parasitoses. Como os exames atualmente são feitos de forma simplificada, geralmente não dão resultados que expliquem os sintomas e as pessoas descartam a possibilidade de ter amebas e giárdias, por exemplo, que dão sinais em tudo semelhantes aos encontrados nas alegadas síndromes.
Sua teoria é de que não deve haver radicalismos…
A vida tem um problema sério. Você já reparou que a gente faz um monte de coisa, se cuida, e no final morre? [ri]. Já fui muito radical. Tempos atrás tive uma baixa de energia, era um tipo de desânimo, e adoeci. O nutrólogo João Curvo disse que eu tinha que voltar a comer carne. Resisti muito, mas acabei voltando. E fiquei tão bem! Me parece que o problema não é comer 100 g de vez em quando, mas comer muita carne, todos os dias. A tradicional medicina chinesa diz até que a carne é importante para o centro do corpo, a região que, na mulher, envolve o sistema reprodutor, útero, ovários (e o acumulador de energia chamado hara, quatro dedos abaixo do umbigo). O budismo diz que o ideal é viver sem apego e sem aversão. Um dia que você coma picanha não vai te fazer mal.
Qual é o mínimo para a gente se sentir o máximo?
Desconfiômetro. A indústria da doença prospera sob a palavra saúde.

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