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No presente mais-que-perfeito

Um dos maiores fenômenos da literatura espiritual, o mestre e escritor Eckhart Tolle, fala sobre o exercício da presença, a principal chave para despertar a natureza do sagrado em nosso Ser

Eckhart Tolle 1 – David Ellingsen
“Hoje em dia, a maioria das pessoas sofre de uma doença que podemos definir como o ‘mal de pensar demais’. Mas há uma dimensão mais profunda em nosso ser, que vai muito além dessa camada de pensamentos compulsivos. Nosso propósito é encontrar essa dimensão dentro de nós, e viver a partir dela.” Foi assim que o escritor alemão Eckhart Tolle abriu a concorrida palestra que deu em São Paulo, no início de novembro, em sua primeira visita ao Brasil. Aos 68 anos, Eckhart Tolle é um dos principais nomes no universo do autoconhecimento no mundo. Autor de um dos clássicos da espiritualidade contemporânea, a obra O Poder do Agora, seus livros ocupam, há anos, o topo das listas de best-sellers mundiais. Nascido na Alemanha – seu nome original é Ulrich Tolle –, ele adotou o nome Eckhart inspirado em Meister Eckhart (místico alemão do século XIII), como marco da transformação pessoal que o colocou definitivamente na jornada espiritual. Uma jornada que, como ele afirma, não conduz a nenhum ponto distante no futuro, mas se realiza aqui e agora. “Quando Jesus diz: ‘Não vos inquieteis pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo’, o que ele está falando é que a nossa realização só acontece agora, no momento presente.” Na conversa a seguir, ele mostra como colocar em prática essa chave da presença em nossa vida.
Gostaria de fazer nossa entrada no momento presente trazendo uma citação do filme Poder Além da Vida, que você diz ser um dos que mais gosta. A frase diz: “Não existem momentos comuns”. Pode falar sobre isso?
Boa entrada. Pois é exatamente assim, “não existem momentos comuns”, não há sequer um momento insignificante na vida. O que acontece é que, em geral, cada um de nós enxerga a si mesmo como uma pessoa que tem determinada história, alguém com um passado, um futuro. Mas essa é uma visão muito limitada de quem somos. A realidade de nosso Ser vai muito além de qualquer história pessoal. Se você olhar mais profundamente, vai perceber que a verdadeira essência de seu Ser é a consciência – você é a consciência por meio da qual o próprio universo torna-se consciente de si mesmo. Na verdade, você não está no universo, você é o universo. E, quando você se percebe como parte dessa totalidade, instantaneamente toma consciência da natureza milagrosa de tudo o que existe. A partir daí, você vive num estado constante de admiração pela vida. Esse é o sentido da frase “Não existem momentos comuns” – pois o momento presente é isso: um milagre extraordinário.

Só que, em vez de nos conectarmos com esse milagre do momento presente, em geral passamos a maior parte do tempo pensando no passado ou preocupados com o futuro…
Isso é fruto da visão limitada que temos de nós mesmos, desse falso eu que passa a vida identificado com seus pensamentos. E as preocupações desse falso eu são o passado e o futuro. O momento presente é visto apenas como um meio para obter a tão sonhada satisfação no futuro. O problema é que esse futuro nunca vem. Não se pode ter uma experiência real do futuro ou do passado; eles só existem como pensamentos em nossa cabeça. A vida é sempre agora. E, caso você continuamente perca esse agora, significa que está continuamente perdendo a sua vida. Se você não vive a plenitude do momento presente, vai passar a vida lutando para atingir um ponto no futuro onde supostamente terá amor, alegria, abundância etc., inconsciente de que tudo isso já constitui a essência do seu Ser. Nesse sentido, para ter acesso à essência de quem você é, basta que faça as pazes com o presente, que diga “sim” para o agora. Se olhar com atenção, você vai perceber que até hoje não disse um “sim” para o
momento presente, estando mais preocupado com o passado ou o futuro. A questão é esta: dizer “sim” para o presente. Quando você diz “sim” para a vida, ela responde.
Agora, muitas vezes esse nosso “sim” para o momento presente também envolve ter que lidar com um planejamento no futuro, não é? Por exemplo, ao programar
uma viagem de férias.
Sim, mas planejar o futuro não significa que temos que nos perder nele. A questão é saber se estamos usando o tempo de forma prática, objetiva, ou se estamos nos perdendo no futuro. Por exemplo, quando planejamos uma viagem de férias, quando nos programamos para fazer um curso, uma reforma na casa etc., tudo isso é válido. Nós estabelecemos um objetivo e trabalhamos para alcançá-lo. Porém, quando imaginamos que só ao conquistar essas coisas é que vamos ser felizes, aí já estamos nos perdendo em projeções mentais do futuro.
E como lidar de forma consciente com o passado, com as experiências marcantes vividas por todos nós?
Essa é uma questão importante, pois ninguém pode negar o valor dos eventos pelos quais passamos. Nossa história pessoal existe e precisa ser honrada. Mas é preciso
atenção para não nos perdermos nessa dimensão. Afinal, como é que experienciamos o passado? Como memórias; e memórias nada mais são do que pensamentos. O passado só serve para aprendermos com ele, e não para nos identificarmos com ele. Por exemplo, quando cometemos um erro, mas aprendemos a lição, estamos usando o passado para não repetir esse erro inde nidamente. Por outro lado, se nos identificamos com esse erro, se ele se transforma em culpa e julgamento em nossa mente, é sinal de que nos perdemos numa identificação mental com o passado. A melhor forma de lidar com o passado é no nível do presente. Procure prestar atenção ao seu
comportamento, às suas emoções, às suas reações. Preste atenção à forma como tudo isso se manifesta no presente – é aí que está o seu passado. Se observar tudo de forma consciente, sem críticas ou julgamentos, já estará lidando com o passado e dissolvendo-o através do poder da sua presença. Não é procurando no passado ou no futuro que você vai se encontrar. Você só vai se encontrar se estiver presente no presente.
A questão é que, para a maioria de nós, ainda é difícil manter esse estado de presença, sobretudo em meio às demandas do dia a dia. Que dicas você daria para mantermos a consciência no momento presente?
Uma prática bastante útil é simplesmente prestar atenção à respiração. Só o fato de estarmos atentos à respiração já nos coloca no estado de presença, pois nossa
atenção se volta para o agora, e não para preocupações em relação ao que aconteceu ontem ou poderá acontecer amanhã. E essa respiração consciente é algo que se pode fazer a qualquer hora. É simples: faça uma respiração profunda, uma, duas, três vezes – apenas isso. Bastam três respirações, e você já entra no estado de presença. Essas respirações são como “minimeditações” que podemos fazer várias vezes ao dia. Uma prática poderosa também é associar essas respirações às ações do cotidiano. Por exemplo, toda vez que for sair de carro, entre, feche a porta e, antes de dar a partida, apenas esteja presente, sinta a sua respiração por alguns segundos. E isso vale
para as mais variadas situações do dia a dia. Pode ser enquanto espera o elevador, antes de telefonar para alguém, antes de ligar o computador etc. – tudo isso são oportunidades para trazer sua consciência para o presente. Se a sua prática espiritual fosse apenas essa, já seria suficiente, pois com ela você está abrindo espaço
para a presença se manifestar.
E de que forma esse estado de presença se relaciona com tudo o que precisamos fazer no nível prático?
Na realidade, estar em contato com o Ser não significa que iremos descuidar do que deve ser feito no nível prático. Pelo contrário. Nossas ações tornam-se muito mais
fáceis e e cientes, pois o poder do próprio universo ui para aquilo que fazemos. Na verdade, nesse estado de presença, tudo o que você faz se torna uma coisa sagrada.
Seja trabalhar no escritório, lavar a louça, conversar com alguém; tudo aquilo que você faz se torna sagrado, pois você o faz a partir da dimensão mais profunda do Ser.
Aqui entra o que você chama de “ação desperta”, não é?
Sim. O que define se estamos realizando o nosso destino não é o que fazemos, mas como fazemos. A ação desperta nasce do alinhamento entre o fazer e o Ser. E um parâmetro para avaliar se nossa ação está sendo desperta é prestar atenção se, naquilo que estamos fazendo, há prazer, aceitação ou entusiasmo. Quando a sua ação é desperta, você fica em harmonia com o que está fazendo. Mesmo que, a princípio, seja uma coisa de que você não goste. É bem provável que você não sinta o menor
prazer se estiver dirigindo à noite em uma estrada lamacenta e, de repente, tiver que parar para trocar um pneu. Porém, se estiver num estado de aceitação, você fará o que precisa fazer de boa vontade. Fazer algo num estado de presença significa estar em paz com aquilo que se faz.
Ou seja, mesmo aquilo que, em geral, diríamos ser um problema pode ser uma oportunidade para nos tornarmos mais conscientes? 
Sim. Muitas pessoas passam a vida transformando as situações em inimigos. E por quê? Simplesmente porque não aceitam que as coisas sejam como são; elas passam a
vida exigindo que o mundo as faça felizes. Acontece que o mundo não foi projetado para fazer você feliz. O mundo está aqui para torná-lo consciente. E isso significa que o mundo está aqui para desa á-lo. É somente através dos desa os que nos tornamos mais conscientes. Sempre que acontece alguma coisa em nossa vida, há uma lição embutida. A questão é não brigar com a situação, é permitir que ela seja como é. E isso vale até para as situações mais difíceis. Lembrando que não se trata
de felicidade ou de infelicidade, mas de consciência. Por exemplo, quando alguém que amamos acaba de morrer, é impossível nos sentirmos felizes. Contudo, podemos estar em paz. Mesmo que haja lágrimas, se não brigamos com a situação, somos capazes de sentir uma profunda serenidade por baixo daquela tristeza.

Isso me lembra de algo que você diz no livro Um Novo Mundo, que a verdadeira causa de nossos problemas “nunca é a situação, mas nossos pensamentos sobre ela”.
Sempre sugiro às pessoas um exercício simples e poderoso para perceber essa realidade. Todas as vezes que você estiver angustiado, achando que tem um problema, dirija seu foco para o momento presente e se pergunte: “Qual problema eu tenho agora, neste exato momento?”. Não daqui a uma hora, ou no dia seguinte, mas agora: “Qual problema eu tenho agora?”. E você vai perceber que neste exato momento não tem problema algum. Você está confortável, respirando, recebendo essas palavras.
Talvez haja algum desafio com o qual precise lidar, mas não um problema. Desa os são parte da vida – são coisas que exigem alguma ação específica –, mas problemas são coisas criadas pela mente. Uma vez que você se conecta com o momento presente, não se perde mais em projeções mentais exigindo que a vida seja desse ou daquele jeito. Você é capaz de viver sem exigir que o mundo lhe faça feliz. Pois a fonte da felicidade, da verdadeira realização, você já encontrou dentro de si.
Ou seja, para sermos preenchidos pela nossa verdadeira identidade, é preciso nos esvaziarmos de projeções mentais e identificações?
Exatamente. Todas as manhãs nós despertamos do sono e entramos no estado que chamamos de vigília. Acontece que esse estado de “vigília” é basicamente preenchido por pensamentos, por construções mentais em relação a quem somos, a quem tínhamos que ser, ao passado, ao futuro. Nesse sentido, do que é que você desperta quando ocorre o despertar espiritual? Você desperta dessa identificação com os pensamentos, com as imagens mentais que tem a respeito de si e do mundo. Assim, em vez de viver através de construções mentais, você vive a partir da essência do seu Ser. Quando estamos despertos, a própria vida desperta também. E, o mais surpreendente, você percebe que isso pode acontecer neste exato momento, que não precisa do futuro para a sua verdadeira realização. Você descobre que pode estar em paz aqui e agora, independentemente das situações e das circunstâncias. Basta acolher o momento presente. Esse é o poder do agora.

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