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A vida depois que ele chega

Uma porção de coisas muda quando o casal deixa de ser dueto e passa a compor a teia familiar. Daí a enxurrada de medos e inseguranças. Mas é possível encontrar calma para saborear as delícias desse novo arranjo

A vida depois que ele chega – Zurijeta/ Shutterstock
Quem vive a dois, cedo ou tarde, por escolha ou grata surpresa, se vê compondo trios, quartetos, quintetos – sim, a natureza pode ser tão generosa quanto surpreendente. A vida do casal muda, e muito, com a chegada do bebê. Prioridades, afazeres, cuidados e preocupações ganham nova razão de ser. Claro que tamanha novidade acarreta incertezas e dúvidas, momentos de deleite e outros de desassossego. Mas os percalços dessa fase da vida são naturais e podem ser vividos com boa parcela de tranquilidade. Como um ser tão pequeno pode causar uma senhora revolução no seio da família? “A gestação e o nascimento de um bebê acarretam mudanças psicológicas, corporais, fisiológicas, sociais e de papéis que influenciam não apenas a mulher mas também o pai, os avós, os irmãos etc.”, afirma Nadja Rodrigues de Oliveira, psicóloga na Unidade de Neonatologia do Hospital Regional de Sobradinho, no Distrito Federal, e membro da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê (ABEBÊ). Aos poucos, cada personagem vai tateando e descobrindo como contribuir para o bem-estar do todo, seja auxiliando nas tarefas domésticas, provendo cuidados ou deliciosos momentos de lazer.
Do ponto de vista do casal, as transformações são bastante profundas e, por isso mesmo, não raro desestabilizadoras. “É evidente que esse homem não conhece essa mulher mãe. E essa mulher não conhece esse homem pai. Então, sempre que há um ingrediente novo na relação, há chance até de se apaixonarem de novo ou de sentirem um desapontamento total”, afirma a psicoterapeuta familiar e de casal Lídia Aratangy, de São Paulo, coautora do Livro dos Avós – Na Casa dos Avós É Sempre Domingo? (Primavera Editorial), ao lado do pediatra Leonardo Posternak. Segundo ela, o entrosamento do casal que se torna pai e mãe depende da disposição de cada um seguir prestando atenção ao outro. Nessa calibragem, altas doses de compreensão são fundamentais. “O marido tem de compreender que há uma coisa enorme acontecendo com a sua esposa. Acima de tudo, ambos não podem perder de vista que as transformações que estão atingindo a mulher também estão sendo vividas pelo parceiro”, complementa. Ambos, por exemplo, estão simbolicamente deixando de ser filhos para se tornarem pais, o que representa uma transformação crucial de identidade. Gerar uma vida significa assumir responsabilidades até então desconhecidas, fazer concessões, se mostrar disponível, apesar do cansaço, para resolver questões tanto de ordem prática como emocional.
A psicóloga pedagoga e escritora Betty Monteiro, autora de Avós e Sogras – Dilemas e Delícias da Família Moderna (Summus Editorial), também aponta a compreensão como item indispensável da adaptação do casal à chegada do seu rebento. “É uma fase que exige maturidade e paciência. Um precisa se colocar no lugar do outro, porque, sem esse cuidado, o casamento começa a desmontar. No entanto, quando o casal tem maturidade para lidar com essas transformações, a relação se fortalece”, observa. Em vez de criticar o jeito de dar banho ou os horários da mamada, o casal precisa atinar para o fato de que ambos estão aprendendo e se capacitando dia após dia no ato de cuidar. A união e a solidariedade fazem com que as dificuldades do outro sejam acolhidas e não condenadas ou ridicularizadas.
Por outro lado, é muito comum mães se isolarem em seu ninho com o bebê deixando o pai de escanteio. Eis um grande equívoco a ser evitado. “A mulher não pode esquecer que tem um pai ali que faz parte desse momento da vida”, alerta Lídia. Como ela bem lembra, nos dias de hoje os homens não são mais meros ajudantes das mamães, e sim cuidadores plenamente envolvidos em toda a sorte de tarefas demandadas pela criança. Os tempos mudaram. Felizmente, para melhor.
Desafios em série
Os três primeiros meses são os mais delicados. Rotina trabalhosa, horas de sono perdidas, eventuais dificuldades para amamentar ou decifrar o choro do bebê, entre outros desafios, funcionam como um teste para os nervos. E, ainda por cima, no afã de proporcionar maior conforto ao filho, pontos de vistas divergentes costumam colidir. “O melhor que está na cabeça de um não é exatamente o melhor que está na cabeça do outro. Vale saber que há vários melhores e todos funcionam. E se a criança puder entrar em contato desde o nascimento com várias formas de se expressar o amor, ela só tem a ganhar com isso”, pondera Lídia.
Com um pouco de calma, é possível compreender que a escuta dos pais vai se apurando a ponto de decifrar as diferentes motivações do choro do bebê; que nas madrugadas insones, muitas vezes, basta o filhote sentir o cheiro dos pais para retomar o sono interrompido; que face às dificuldades de amamentação vale contar com a orientação de uma consultora em aleitamento materno – não raro, ajustes simples se encarregam de colocar o processo nos eixos; e que o protocolo de boas-vindas deve se pautar pelo bom senso, ou seja, preservar o recém-nascido da exposição excessiva, dos ambientes aglomerados, dos ruídos altos e de quaisquer outros fatores desgastantes que possam gerar desconforto.
Segundo Nadja, um dos fatores que causam maior estresse durante a gravidez e o pós-parto é a idealização excessiva desse momento, acompanhada da falta de espaço para o casal expressar seus medos e frustrações. No caso da mulher, a cobrança psicológica é ainda maior devido ao mito, ainda propagado socialmente, de que a maternidade seria instintiva e regada apenas a sentimentos nobres. O ideal é que os pais possam externar suas aflições sem julgamentos. Nesse contexto, família e amigos são cruciais para se criar uma rede de apoio e incentivo. Quanto mais amparados e compreendidos se sentirem em meio a mudanças tão intensas, mais serenidade poderão transmitir ao novíssimo morador da casa.

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