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SANDRA CASELATO & YURI HAASZ – Divulgação

Todo ano, desde 2011, participamos de um retiro de Comunicação Não-Violenta (CNV) nos Territórios Palestinos Ocupados. O encontro reúne cerca de 100 israelenses e palestinos com o objetivo de conectar as pessoas de tal forma que seja possível pensar projetos e estratégias para mudanças de impacto nessa região de conflito. Este ano tivemos a honra de ficar hospedados na casa de uma palestina que costumava receber “nosso mestre” Marshall Rosenberg, psicólogo americano e criador da CNV. Bem, mas o que é a CNV? É o uso da
comunicação no seu potencial maior: fazer as pessoas conversarem umas com as outras a partir do reconhecimento mútuo de sentimentos e necessidades levando a uma maior
compaixão e à resolução pacífica de embates. Marshall viajava pelo mundo a convite da ONU e de outras organizações para disseminar essas habilidades e, assim, promover a
reconciliação entre os povos. Em uma dessas viagens, apresentava a CNV a num campo de refugiados palestinos quando, de repente, alguém da plateia o chamou de assassino e matador de crianças! Em seu relato sobre a experiência, Marshall conta que, felizmente, foi capaz de focar sua atenção nos sentimentos daquele homem. “Eu tinha algumas pistas: a caminho dali vi várias latas vazias de gás lacrimogêneo, atiradas contra o campo na noite anterior. Nelas estava escrito: ‘fabricado nos Estados Unidos’ (…).Dirigi-me, então, ao homem que havia me chamado de assassino e perguntei: ‘Você está com raiva porque gostaria que meu governo usasse seus recursos de forma diferente?’. ‘Claro!’, disse ele. ‘Você
acha que precisamos de gás lacrimogêneo? Precisamos é de esgotos, moradias!’”

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Marshall percebeu que o homem estava furioso porque gostaria de apoio para melhorar suas condições de vida e obter independência política. “Me diga: seus filhos vão à escola? Eles têm playgrounds? Meu filho está doente! Ele brinca no esgoto a céu aberto! Na escola não tem livros!”

Em voz alta, o psicólogo repetiu que o que o homem queria é o que todos os pais desejam para os filhos: boa educação, oportunidade de brincar e crescer num ambiente saudável. O homem continuou a expressar sua dor por 20 minutos. Sempre com Marshall procurando “escutar” a necessidade por trás de cada frase. “Recebi as palavras dele não como ataques, mas como presentes de outro ser humano que compartilhava comigo sua alma e suas profundas vulnerabilidades. Quando se sentiu compreendido, o homem foi capaz de me ouvir. Uma hora depois, me convidou para ir à sua casa para um jantar de Ramadã.” Moral da história de Marshall: se eu me coloco no seu lugar e percebo que talvez você sinta o mesmo que eu – medo, raiva, tristeza, alegria etc. – e tenha as mesmas necessidades que eu – comida, segurança, respeito, paz etc. –, fica mais fácil reconhecer em você a mesma humanidade que existe em mim, e isso pode nos aproximar. Nas próximas colunas vamos abordar como isso é possível. Aos poucos. Sempre.