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É preciso amar o amor

A admiração de Vinicius de Moraes pelo povo brasileiro se derramava em composições repletas de lirismo. Mergulhar na canção Gente Humilde, por exemplo, faz bem ao espírito. Pela honestidade, ética e sensibilidade do poeta

Vinicius de Moraes – Paulo Salomão
“Tem certos dias / em que eu penso em minha gente / e sinto assim / todo o meu peito se apertar (…) Peço a Deus por minha gente / É gente humilde / Que vontade de
chorar” Em entrevista concedida no final dos anos 1960 à escritora Clarice Lispector, então colunista da revista Manchete, Vinicius de Moraes assumiu que “amava
o amor”, entendido como a “soma de todos os amores”, incluindo “o amor do ser humano pela comunidade”. Em outro momento, confessou ainda: “Desejaria alcançar
uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes”. Poeta, compositor e diplomata, o carioca nutriu o cancioneiro popular com dezenas
de canções sobre o amor romântico, mas também dedicou as mais inspiradas palavras para expressar sua admiração pelo povo brasileiro, como nos conta, por exemplo, a canção Gente Humilde, escrita em parceria com Chico Buarque, em 1970.
“Vinicius revela um sentimento de identificação, empatia, com as camadas socioeconômicas menos favorecidas e ao mesmo tempo, uma consciência crítica acerca da distância social entre essa parcela da população e ele, à época um diplomata, poeta e compositor já consagrado”, analisa Rodrigo Vicente, músico e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP).
Quando o “poetinha”, como era carinhosamente chamado, descreve que passa pelo subúrbio “muito bem, vindo de trem de algum lugar”, é a precariedade da vida
na periferia que o invade e sensibiliza. Ele, homem notável, está no conforto da locomotiva. O povo, de fibra sobre-humana, permanece na luta, “Aí me dá uma inveja /
Dessa gente / Que vai em frente/ sem nem ter com quem contar”. “Vinicius tem o cuidado de não assumir o papel de ‘porta-voz’ dos humildes, e tampouco o de vestir
a persona de um habitante do subúrbio, o que resultaria em desfaçatez. Sua postura é profundamente ética”, opina Vicente.
Nos anos dedicados à diplomacia (1941 a 1969), o parceiro de Tom Jobim, de Toquinho e de outros tantos ícones da MPB morou em diferentes países. Mas a estada
estrangeira aguçou a saudade, bem como o sentido de pertença a suas raízes. “O artista revela uma ligação profunda com a sabedoria e a sensibilidade que emana
do ‘povo’ e, ao mesmo tempo, demonstra possuir um conhecimento acurado da história e do processo de formação social do Brasil”, afirma o pesquisador. Daí surgiram
poemas como Pátria Minha (1949), uma pátria “sem sapatos e sem meias, tão pobrinha” e tão amada. “Mais do que a mais garrida a minha pátria tem uma quentura, um querer bem, um bem”, derrete-se. 
“Vinicius veio para nos ensinar a dar e receber amor”, sintetizou Maria Bethânia no documentário Vinicius (2005, dir. Miguel Faria Jr.). “Ele trabalhava no cerne do
afeto”, definiu Gilberto Gil. “Ajudou o povo brasileiro a ser feliz”, completou Ferreira Gullar. Para os dias de sol ou de chuva, de alegria ou de tristeza, a palavra do mestre Vinicius de Moraes é altamente recomendada. Como uma medicina da alma e um benzimento da gente.
Vinicius de Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913 no Rio de Janeiro. Aos 5 anos já escrevia os primeiros versos. Aos 20, formou-se em direito e, mais tarde, estudou língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford, Inglaterra. Em 1943 entrou para o Itamaraty, do qual foi exonerado em 1969, no auge da ditadura militar. Conheceu Tom Jobim em 1953, marco do seu apaixonado envolvimento com a música brasileira, da qual foi um de seus maiores letristas. Publicou livros de poesias, escreveu peças de teatro e atuou como jornalista com a mesma intensidade com que compôs, gravou discos e cantou mundo afora. Morreu em 1980 em sua casa na Gávea. Outras informações: viniciusdemoraes.com.br

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