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Em nome das conexões reais

Valores e laços fragilizados pelo culto ao consumo e ao individualismo só resistirão se houver união para conceber um mundo mais justo e colaborativo. Missão das novas e futuras gerações, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman

Zygmunt Bauman – Peter Hamilton
Incertezas e mudanças repentinas ditam os rumos do nosso tempo. Tudo o que poderia ser duradouro – relacionamentos afetivos, vínculos empregatícios, produtos ou mesmo projetos de vida – parece desmanchar no ar. As sociedades ocidentais aprenderam, com a lógica do consumo, a desenvolver um insaciável apetite pela novidade.
Consomem e descartam objetos e pessoas como nunca antes na história.
Dessas observações nasceu o conceito de “modernidade líquida”, cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman para definir a contemporaneidade. Como poucos,
o estudioso nos ajudou a compreender o presente – veloz, inconstante e repleto de estímulos. Entre tantas novidades sobrepostas neste início de século, uma é, segundo ele, dominante e irreversível. “A humanidade multiplicou as conexões, as relações, as interdependências, as comunicações espalhadas em todo o mundo.” Só que quantidade não equivale a qualidade. Se intensificamos as ligações entre pessoas e nações, isso não significa que essas pontes sejam robustas, muito menos longevas, denunciava o sociólogo. Ao apontar a fragilidade das relações humanas, ele nos faz pensar sobre a exacerbação da individualidade em detrimento do coletivo. “Em vez de pensar em termos de a qual comunidade se pertence, tendemos a redefinir o propósito de vida para o que está acontecendo com cada pessoa.”
O desejo de buscar uma marca pessoal satisfatória – muitas vezes, aos olhos dos outros – passa a nortear escolhas e comportamentos. Por isso tanta gente vira refém da autoimagem e do consumismo. “Você tem que criar a sua própria identidade. Não apenas você precisa fazer isso do zero mas tem que passar sua vida redefinindo-a, porque as formas atraentes e tentadoras de viver mudam inúmeras vezes”, criticava o intelectual, morto em janeiro.
A incessante reformulação do nosso “cartão de visita” faz com que o “ser” seja menos importante do que o “estar sendo”. Com isso, alertava Bauman, milhares
de indivíduos se sentem incompletos nos dias de hoje. Carregam um vazio que nada é capaz de preencher. A sensação de que tudo é cada vez mais passageiro se deve,
em boa medida, à expansão do mundo virtual. Na internet, o verbo conectar-se solapou o comprometer-se. E isso mudou as regras dos relacionamentos. “Uma das
atratividades do Facebook”, segundo o teórico, “é a facilidade de se conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar, ao passo que romper relações reais, olho no olho, é sempre um evento traumático”.
Apesar de ter reconhecido os desafios de viver numa sociedade “rarefeita”, Bauman acreditava na possibilidade de mudança. Um mundo diferente pode nascer, desde que as novas e futuras gerações se engajem na criação de uma sociedade mais justa e sustentável, com respeito pelas diferenças e compromisso com a igualdade social e com a colaboração entre os povos. Uma utopia, de acordo com o sábio polonês, necessária para que possamos seguir lutando por dias melhores.

Nascido em 1925 e falecido em 9 de janeiro deste ano, o polonês Zygmunt Bauman foi professor emérito das universidades de Varsóvia, na Polônia, e Leeds, na Inglaterra, onde vivia desde a década de 1970. É considerado o grande pensador da modernidade e popular intelectual, uma vez que levou milhares de pessoas a pensar a sociedade contemporânea através do conceito de liquidez. Em 1998, recebeu o prêmio Adorno, ofertado pela cidade de Frankfurt, na Alemanha, pelo conjunto de sua obra. Publicou cerca de 40 títulos no Brasil pela editora Zahar, entre eles, Modernidade Líquida, Amor Líquido, A Arte da Vida e, seu último livro, Estranhos à Nossa Porta, que aborda a crise dos refugiados.

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