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Encantos de inverno

A Natureza é uma grande mestra e mostra que tudo tem a “estação certa”. Agora é a vez do recolhimento sereno… de acender a luz interna… de investigar os frutos que queremos deixar para o mundo

Encantos de inverno – Unsplash
Na vida, experimentamos momentos dinâmicos e de agitação seguidos por esvaziamentos e paradas, essenciais para o surgimento de novos ciclos. Assim são as estações do ano, que em um movimento de expansão (primavera-verão) e contração (outono-inverno) nos remetem aos ritmos necessários ao fluxo do bem-estar.
Pensar a respeito não é apenas uma questão para poetas. Alimentar e aprofundar a conexão com a atmosfera (e o clima) representa uma aliança com o que é comum e natural, fluido e cíclico. São sutilezas que vão muito além do frio/calor, sol/ chuva. Influenciam nossa psique, nossas emoções, nosso corpo físico. Na visão do filósofo francês Edgar Morin, ao amadurecer a consciência de que somos parte da comunidade da vida, nos humanizamos e, portanto, temos mais condições de sanar as crises de valores no plano das relações e convivência. Saber que uma estação chegou ao fim e outra começa, portanto, implica muito mais do que observar as novas coleções de roupas que ocupam as vitrines. É quase um repactuar de perspectivas.
Temido por uns, por seus dias frios, secos e escuros. Amado por outros, por tratar-se de uma pausa no calor, no suor, na agitação, o inverno tem seus relevos, desafios específicos e coloridos próprios. É a estação da calma.
Astronomicamente, começa no solstício de inverno, quando ocorre a noite mais longa do ano – momento em que determinado lado da Terra está mais afastado do Sol (no Hemisfério Sul, o fenômeno acontece em 21 de junho). O clima é frio, e a luz, escassa. Em resposta, a Natureza reage se recolhendo. Em algumas partes do planeta hibernando mesmo, ou seja, conservando seu calor dentro de si. “Nessa fase, sentimos a necessidade de fazer o mesmo, isto é, manter a energia e o próprio calor bem pertinho, o que, simbolicamente, leva a um olhar mais voltado para a nossa vida interior”, diz a psicóloga e psicoterapeuta Sandra Taiar, de São Paulo. “É um tempo de purificação das intenções, de se libertar dos velhos padrões negativos e se preparar para as mudanças que virão na próxima temporada. É um momento de ir mais fundo na alma, buscar harmonia, olhar as estrelas”, discorre.
A ausência de chuva e a chegada de frentes frias deixam o céu cristalino. “Como observador que sou, para mim o inverno é a estação mais esperada. É quando consigo ver as constelações com mais nitidez”, diz o astrônomo Paulo Varella, professor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica de São Paulo. Segundo ele, a maior parte da população mundial (60%) vive em zonas temperadas – onde as estações são bem definidas – e isso facilitaria o autocentramento. “Passamos por períodos cinzentos na vida que, às vezes, nos parecem longos demais… Mas, se observarmos os ciclos da Natureza, veremos que tudo isso é normal. E passa”, interpreta o professor.
Mitos e celebrações
O inverno é também objeto de vasta produção simbólica: arquétipos de bruxas e sábios são comuns no Hemisfério Norte e trazem a busca pela sabedoria como marca principal. No Brasil, país de festividades religiosas e profanas, o período nos presenteia com as festas juninas. “A de São João é justamente um momento em que a comunidade se reúne em volta do fogo numa das noites mais frias do ano. É o aconchego do encontro, que nos protege do frio e da escuridão lá fora. É a alegria de pertencer, o valor do vínculo”, diz Sandra.
No nível físico, o que se vê fora se reflete internamente. A prática de exercícios de respiração ajuda na concentração e na interiorização de propósitos. E a Natureza
é tão cuidadosa que reservou para esta época alimentos como batata, inhame, abóbora, cenoura, milho. Perfeitos para sopas quentinhas. Chás, chocolates, um cafezinho com o bolo sobre a mesa, e tudo se arranja. Está dado o incentivo ao recolhimento, ao compartilhar de histórias e ao cultivo da luz interior. Será natural explodir com vigor mais tarde, na primavera, hora de desabrochar.

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