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“Essa revolução é de todos”

A vontade de encontrar saídas para salvar o planeta tem movido muitos jovens a desempenhar um papel transformador do mundo. Um chamado para sintonizarmos com essa frequência e arregaçarmos as mangas também

Raquel Rosenberg – Tiago Gracindo

“Ser parte da solução” é um mantra na fala da empreendedora social Raquel Rosenberg, coordenadora do Engajamundo, organização que envolve mais de 600 jovens e cujo objetivo é formar pessoas conscientes de seu impacto social. Como seus pares, ela acredita na juventude como protagonista, capaz de transformar comportamentos e políticas para reverter a degradação ambiental: “Se a gente conseguir transformar o jovem, indiretamente estará transformando os próximos tomadores de decisão”. Raquel, ela mesma, é um exemplo. Virou vegetariana ao saber que são necessários 15 mil litros de água para se produzir um quilo de carne de vaca; passou a usar a bicicleta em seus deslocamentos e reviu hábitos de consumo, muitas vezes preferindo a troca em vez da compra. Aos 25 anos, formada em relações internacionais há dois, já participou de oito fóruns internacionais e descobriu na irreverência um jeito eficiente de debater a mudança climática com ministros de Estado, empresas e ONGs. Graças a uma bolsa da Ashoka – organização do criador do termo “empreendedorismo social”, Bill Drayton –, pode se dedicar em tempo integral ao engajamento de jovens para que ocupem cada vez mais espaços decisivos. De São Paulo, ela conversou com a reportagem de BONS FLUIDOS dias antes de embarcar para a Conferência do Clima, em Paris, a COP 21.

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O que é o Engajamundo? 
Uma organização que conscientiza jovens acerca de seu impacto na sociedade, mobiliza e forma para a participação internacional. Sempre envolvendo um dos quatros temas: Clima, Desenvolvimento Sustentável, Habitação ou Gênero. A gente faz uma pequena delegação, leva posicionamentos embasados para a negociação internacional e, ao mesmo tempo, contextualiza o problema global no dia a dia.

O que é uma formação? 
São cursos. Começamos em um basicão explicando, por exemplo, como funciona o Sistema ONU, os detalhes profundos de uma negociação, um pouco do histórico, qual o problema global em questão, seu panorama geral e em que ponto está. No fi m, há um chamado para a ação em si: de como o jovem pode participar desses espaços e trazer para o seu dia a dia essas questões globais. Muitos parceiros nos apoiam, como o GVces – Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, o Observatório do Clima, organizações de conservação da natureza como a WWF, a 350.org, a Change Mob, e vários organismos internacionais que fazem o que o Engajamundo faz, como a SustainUS e a UKYCC. Usamos o material deles como base para criar o nosso. É um material feito pelos jovens para os jovens.
Como foi o seu caminho até criar o Engajamundo? 
Não foi nada linear. Nunca tive a intenção de criar uma ONG. Estava na faculdade quando, com alguns amigos, criamos o Comitê 
Universitário Paulista para a Rio+20, o antecessor do Engaja. Fizemos eventos em universidades, justamente para chamar a atenção do jovem para essa conferência que ia acontecer no Brasil. Quando chegamos no Rio, foi superfrustrante perceber que não conseguíamos influenciar nada sem alguma qualidade ou efetividade no que estávamos propondo. Voltei de lá com esse sentimento de que havia um espaço para a juventude e ele estava totalmente ocupado por jovens de países desenvolvidos. Eles tinham demandas muito claras, sabiam com quem falar, como falar, planejavam bem as ações do dia e do próximo. Acontece que muitos dos discursos daqueles jovens em nome da juventude global não representavam o que gostaríamos de falar. Nenhuma vez ouvimos os jovens dos países desenvolvidos falando sobre o desmatamento, que é uma pauta óbvia para o Brasil. Para eles a questão é carvão, que para nós não representa quase nada de emissão de gases de efeito estufa, principalmente comparada com outros países. Nossas principais emissões são provenientes da agropecuária e da derrubada de árvores. 

Mas há pontos em comum entre os jovens daqueles países e os daqui? 
Há um artigo da Convenção do Clima que fala de educação sobre mudanças climáticas. Esse ponto é de convergência total, não importa de qual lugar do mundo você venha. Tem outro conceito que chamam de equidade intergeracional presente no documento fi nal do acordo da ONU e que ainda está sendo negociado – não sabemos se vai continuar. Ele mostra que você tem de escutar os jovens e as crianças tanto quanto os adultos ou os idosos.
Você esteve na Conferência de Clima em Bonn, Alemanha, defendendo não ultrapassar 1,5 grau de aumento da temperatura do planeta… O Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC) defende que se a gente ultrapassar o limite dos 2 graus as consequências serão catastróficas. São cientistas do mundo inteiro, não políticos, apontando o que pode acontecer. Não dá para ficar de braços cruzados. Muitos dos impactos a gente já está sentindo hoje e a gente não precisa esperar chegar lá para ver projeções piores. 
O que inspira você nesse trabalho? 
Principalmente cada jovem que eu vejo transformar a si mesmo e seu entorno e se engajar politicamente. O jovem aqui no Brasil busca saber como é que pode ser parte da solução. E o Engaja oferece ferramentas para encontrar um caminho. Tem também uma coisa que me inspira que é poder dar o recado para os nossos líderes. Poucas pessoas têm a oportunidade que eu tenho de dialogar com o diplomata do Itamaraty – ou um representante do Ministério do Meio Ambiente ou do Ministério de Ciências e Tecnologia – durante uma conferência internacional defendendo teoricamente a nossa posição enquanto brasileiros. É um privilégio e tenho que ser consciente disso.
Quais as principais conquistas do Engajamundo? 
Uma das principais é a nossa rede. Quando começamos, um grupo de amigos aqui em São Paulo, nossa principal preocupação era sermos representativos, estar em outras partes do Brasil. Hoje, a maioria dos nossos articuladores, voluntários ativos fazendo ações e formação, está no Nordeste. Já tem mais gente lá do que no Sudeste. E, no Brasil, você sabe, quase tudo fica restrito ao eixo São Paulo – Rio. A outra conquista é a participação internacional forte. Até agora, duas se destacam: essa minha fala na Alemanha, em Bonn, em 2015 [Raquel fez uma projeção do planeta em 2050 com os efeitos catastróficos provocados pelas mudanças climáticas, caso a temperatura suba acima de 2 graus; e a fala da Débora Souza Batista na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 2014. Ela foi selecionada para falar em nome da sociedade civil mundial reivindicando mais atenção dos tomadores de decisão para os problemas enfrentados pela juventude atualmente. Tanto eu como a Débora, quando saímos da plenária, fomos cumprimentadas pelo representante do Brasil, que veio falar como estava orgulhoso de ter jovens brasileiros representando o todo global ali naquela fala. Também foi muito legal ver e sentir como as pessoas que viram pelas redes sociais se sentiram representadas pelos nossos discursos. 
E como os líderes ouvem vocês? 
As falas dos jovens e dos outros grupos da sociedade civil – como ONGs, grupos de mulheres, indígenas, empresas – entram no fi m da negociação, depois que autoridades, diplomatas e outros representantes oficiais já falaram  o dia inteiro. Uma parte desses “oficiais” vai embora no meio da nossa apresentação, tipo, sem respeito algum. Isso dentro da ONU. Eles só escutam a gente quando a gente causa mesmo! Seja batendo de frente ou levantando um cartaz, chegando com um texto que a gente gostaria que mudasse e entregando para eles falando assim: ‘Olha, nós, 
como juventude, gostaríamos que fosse incluído isso no texto porque isso ou aquilo”. Ou um flash mob, que é uma manifestação instantânea, para agregar pessoas em volta. São coisas que a gente faz para chamar atenção e passar a mensagem. Quando isso acontece, as autoridades param e olham. Primeiro porque a mídia aparece e eles têm de dar alguma resposta para o que a gente está pedindo. Segundo porque também para eles é um momento de refletir. O efeito mais importante é eles entenderem que o trabalho diário deles afeta o futuro da humanidade.
E a relação de vocês com o governo? 
O discurso que o Engajamundo usa para conversar com o governo é muito mais “Ah! Estamos aqui para aprender, você não quer ensinar a gente por que está tomando essa posição?’’ Como a gente se coloca muito mais como questionador, eles conversam com a gente. Tentamos mostrar o que a indústria pode fazer e como somar ao que o governo está fazendo ou deixando de fazer; temos pedido às empresas de agronegócio que usem tecnologia de pecuária sustentável no Brasil para que se tenha uma redução drástica em relação às emissões nesse setor. Como sociedade civil buscamos empoderar o jovem, mostrando que, sim, temos de cobrar o governo, mas a gente tem a nossa parte para fazer. Você pode mudar muita coisa na sua vida e no seu entorno. 
Como se dá, na prática, tal diálogo? 

Fazemos muito o lobby do bem. Nas conferências internacionais estamos o tempo inteiro dialogando – no ônibus que vai do hotel até a conferência, você senta do lado do negociador e fala “Então, mas e isso e isso e isso?” No cafezinho, no almoço, a mesma coisa. Não tem nenhuma vez que eu vejo que eles estão ali sentados e eu não vou trocar uma ideia. Por isso meu apelido dentro do Engaja é a louca do lobby. Um exemplo concreto de lobby do bem aconteceu no segundo semestre de 2015. Foi definido que cada país signatário da conferência do clima iria apresentar até o dia 1º de outubro uma meta nacional de redução de emissão de gases de efeito estufa como forma de contribuição para o processo da Conferência do Clima, a COP 21. Em julho, a gente reuniu várias visões diferentes em um evento na Fundação Getulio Vargas. Estavam presentes o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, o Instituto de Pesquisas da Amazônia, o Observatório do Clima, representante do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente, empresas e cientistas. Chegamos em uma meta ideal que o Engajamundo ficou de apresentar para o governo. Fizemos reunião em 10 ministérios e no legislativo para levar as nossas demandas: redução de 40% de emissões no Brasil até 2030 em relação ao que se emitia em 1990.

O governo acatou? 
Eles apresentaram a meta de redução de 37% até 2025 e 43% até 2030, só que em relação a 2005, quando o Brasil emitia muito mais do que em 1990! Na verdade isso não representa quase nada, pois, se pegamos 2005 como ano-base, o Brasil já reduziu 41% em relação a esse ano até hoje. 37% até 2025 significa, portanto, um aumento! Como o ano-base era uma escolha do governo, não tínhamos muito o que fazer. Foi uma lição.
Dá para chegar nos tomadores de decisão e alterar algumas de suas ações? 
Com certeza. E mesmo que você não o mude, no mínimo vai mudar o filho dele e, daqui a dez anos, esse fi lho vai ser o próximo tomador de decisão. Trabalhando o jovem, a gente está trabalhando tudo. 
Com o Engajamundo, você vê uma mudança de comportamento? 
Sem dúvida. Estamos tentando medir os indicadores do jovem antes de passar pela nossa formação, depois que se engaja e após um ano. A nossa missão é que cada jovem brasileiro se coloque como parte da solução. Se você sabe o que está consumindo, da origem ao percurso percorrido, enfim, de toda a cadeia, você está fazendo o seu papel. Se sai de casa de bicicleta, está fazendo política. É isso que a gente tenta mostrar: que cada uma dessas atitudes pequenas é a construção política do dia a dia, não apenas se fi liar a um partido ou votar. 
Sua geração pode fazer a diferença? 
Todas poderiam ter feito. Não sei se demorou para cair a ficha, ou se o conhecimento sobre essas crises climáticas gigantes é muito recente. Os jovens sempre tiveram suas lutas, suas causas. Antes estavam focadas na ideologia política; agora as crises são tão sistêmicas que não adianta mais lutar um contra o outro. O fundamental é somar e entender que essa revolução é de todos. Esses espaços internacionais são uma pequena mostra de que a fome de transformação é geral. E que a revolução será pelo amor. Pelo meio ambiente, pelo outro. Se a gente entender a Natureza como uma coisa integrada ao ser humano, a gente resolve o problema.