Começa a primavera. A natureza parece pulsar, liberando a energia que esteve represada durante os meses de outono e inverno. É a época de as sementes romperem a terra, de os animais se acasalarem. O movimento é para fora, traz crescimento, expansão, leveza e alegria. O fim do inverno convida a sair de casa, a volta das folhas verdes atrai o olhar.
A sabedoria chinesa ensina que este é o tempo em que nós também experimentamos a renovação e nos abrimos para um novo ciclo. Mas, para que isso aconteça, é preciso primeiro fazer uma faxina geral: livrar o organismo das toxinas acumuladas e limpar a alma dos sentimentos ruins. Há milênios, os chineses se dedicam a entender o Universo por meio da observação e da classificação dos fenômenos da natureza e associam cada estação do ano a um elemento simbólico. No caso da primavera, o elemento é madeira, que no corpo governa fígado, vesícula biliar, músculos, tendões e olhos. A madeira também está associada a crescimento, expansão, paciência, criatividade, planejamento e à cor verde. “O momento certo para deixar sair”, afirma a especialista em alimentação Sonia Hirsch, autora dos livros Meditando na Cozinha e Manual do Herói, a Filosofia Chinesa na Cozinha (ed. Corre Cotia). Ela desenvolveu o curso Deixa Sair, baseado na medicina tradicional chinesa, que ensina a promover uma verdadeira reciclagem física e emocional por meio da alimentação e das boas atitudes. Usando conceitos chineses aplicados ao dia-a-dia, mostra como as pequenas mudanças nos hábitos e nas atitudes podem melhorar a saúde e proporcionar mais qualidade de vida. Primeiro passo: cuidar da alimentação Modificar hábitos alimentares é o mais importante passo na desintoxicação. “Esse é o momento ideal para uma dieta”, diz Sonia. “O movimento da primavera é para fora. Então está na hora de mandar embora os quilinhos extras acumulados nas comilanças de outono e inverno.” • A primavera relaciona-se ao que é tenro, jovem. Isso torna a época propícia para o consumo de folhas verdes frescas, além de brotos e grãos germinados – que se pode cultivar em casa. Basta ter um vidro vazio, um pedaço de filó, um elástico e uma colher (sopa) de sementes de girassol, trigo, linhaça, feijão-verde, lentilha ou feno-grego, por exemplo. Na primeira noite, os grãos ficam de molho em água. No dia seguinte, escorre-se, deixando o vidro de boca para baixo. É preciso regar duas vezes por dia, ou mais, se o tempo estiver quente, enchendo e esvaziando o vidro. Em dois dias, eles começam a brotar. Podem ser consumidos enquanto estiverem viçosos. “Com um sabor refrescante, os brotos alimentam, têm enzimas e são desintoxicantes”, salienta Sonia. “São pedaços de primavera que confirmam em nós a qualidade expansiva, tipicamente yang, quente e ativa, desta época do ano.”
• “Durante a limpeza, livraremos o corpo das toxinas acumuladas pelo excesso de frituras, queijos, carboidratos, gordura hidrogenada, açúcar e molhos com corantes”, lembra Sonia. O cardápio diário deve ser leve, privilegiando pratos de preparo simples e alimentos crus. Evite comidas gordurosas e salgadas, carnes, laticínios, ovos e frutas secas, como nozes, castanhas e amendoins, que sobrecarregam o fígado e a vesícula. Coma menos e prefira vegetais, frutas, grãos integrais e peixes. • Maçãs, peras, limões, algas marinhas e açafrão (cúrcuma) limpam e renovam os tecidos. Outros alimentos recomendados pelos chineses nesta época são pêssego, morango, cereja, inhame, alho-poró, folhas de mostarda e a família do repolho (brócolis, couve-de-bruxelas, couve-flor). • Os temperos são bem-vindos porque, como a primavera, ativam energias e produzem movimento. Use e abuse de manjericão, manjerona, cominho, coentro, gengibre, alecrim, salsa e cebolinha.
• Para remover depósitos e pequenas pedras da vesícula, coma um ou dois rabanetes por dia, entre as refeições, durante 21 dias, e tome cinco xícaras de chá de camomila ou dente-de-leão ao longo do dia. • Chá de hortelã com uma colherinha de mel faz bem na primavera. Se sentir que o fígado está sobrecarregado ou que comeu demais, use a receita clássica chinesa: uma xícara de água quente com uma colher (chá) de mel e outra de vinagre de maçã, cidra ou vinho. Segundo passo: melhorar a respiração
• Aproveite o momento de revitalização para cuidar da respiração. Só assim é possível promover uma verdadeira limpeza, oxigenando o corpo e mandando embora o ar viciado. • Comece prestando atenção no jeito como respira. Se você movimenta apenas o peito ao inspirar, sua respiração é superficial. A respiração profunda tem que envolver a barriga – ela expande e movimenta a parte inferior do pulmão. Acostume-se a fazer o ar chegar até lá, projetando os músculos do baixo-ventre quando inspira, encolhendo-os ao expirar. Isso acalma, nutre o organismo com mais oxigênio, elimina o ar viciado e massageia os órgãos abdominais. • Faça paradinhas para respirar corretamente ao longo do dia. Prestar atenção na respiração é uma ótima forma de serenar a mente. • Se gosta de cantar, cante mais. Cantar é respirar e liberar tensões ao mesmo tempo, além de ser delicioso e alegrar a vida. Terceiro passo: movimentar-se Dizem os chineses que a primavera é tempo para acordar junto com o Sol e caminhar com passos ligeiros. A idéia é pular da cama e ir para o ar livre, soltar os braços e as pernas, inspirar o ar ainda puro e observar a beleza da manhã. O cotidiano nos obriga a ser cada vez mais rápidos, sempre correndo, sem prestar atenção na maneira como movimentamos o corpo. Ou, ao contrário, adotamos uma vida sedentária, imobilizados no sofá ou na cadeira de trabalho. Quem se movimenta respira melhor, fortalece os ossos, ativa o metabolismo e elimina toxinas pelo suor e pelo próprio movimento dos músculos. E consegue pensar melhor. • Escolha a atividade que combina mais com você, pois sentir prazer enquanto se exercita é fundamental. “A prática regular de exercícios físicos é uma forma de estar sempre na primavera”, diz, brincando, Sonia Hirsch. Atividades físicas prazerosas, como pedalar, nadar, dançar e praticar esportes, são muito bem-vindas. Quarto passo: melhorar os pensamentos Os chineses acreditam que não há sentido em dizer que alguém “agiu com a cabeça e não com o coração”. Para eles, não há separação entre corpo e mente. Além de usar o mesmo vocábulo para designar mente e coração, consideram os pensamentos como movimentos do coração. Sentimos como isso é verdadeiro quando uma tristeza grande oprime nosso peito e faz doer, literalmente, o coração. Assim como a respiração, os pensamentos interferem em todos os movimentos do organismo – para o bem ou para o mal. Então, é hora de deixar sair os sentimentos negativos, que azedam o fígado e nos deixam para baixo. • Raiva, mágoa e rancor podem nos intoxicar. Ficar remoendo o que causou esse sentimento só fará você se sentir pior. Para limpar a mente, respire fundo, prestando atenção no movimento. Chore se quiser desabafar, pois as lágrimas aliviam a alma, mas depois volte para o momento presente. O que já foi vivido acabou, passou.. • A raiva é uma das coisas que mais atrapalham a vida da gente, enfatiza Sonia Hirsch. “Quando damos passagem a ela, ficamos totalmente alterados”, diz. Todo nosso espaço mental é ocupado pelo objeto da raiva, que muitas vezes já está em outra. Isso faz mal para o fígado, torna a respiração curta, impede a passagem da generosidade, da bondade e até da compreensão. Nunca sentir raiva é praticamente impossível e o jeito, reforçam Sonia e Susana, é não investir nela, não botar fermento e deixar crescer. Se o ataque de raiva é iminente, um bom exercício é contar até dez e respirar profundamente. A respiração profunda tranquiliza, harmoniza e faz você entrar em contato com o seu interior. • A cor da primavera é o verde. Contemplar grandes paisagens verdejantes faz bem ao corpo e à alma. Se isso não for possível, observar a copa das árvores na rua pode produzir o mesmo efeito. O espírito se tranquiliza e, assim, sustenta melhor toda a excitação da primavera. Quinto passo: investir nos relacionamentos Ninguém vive sozinho. Em casa, em família, no trabalho, estamos sempre rodeados de gente, compartilhando nosso espaço com outras pessoas. Não adianta, então, fazer a maior revolução para purificar e transformar nosso interior se não renovarmos também as atitudes em relação a quem nos rodeia. “O básico é você perceber o outro”, resume Sonia Hirsch. “Ver que ele é igual, sofre e deseja a felicidade, como todo mundo.” Como a primavera aumenta a energia sexual, olhar os relacionamentos com delicadeza e paciência evita desgastes do tipo “muito sexo, amor zero”. Precisamos tanto perceber os outros como a nós mesmos. Aceitar os erros, tentar melhorar o que é possível. Agir com naturalidade, ver se nossas palavras e nossos gestos realmente têm significado. Difícil? Sem dúvida. Mas é aí que entram em cena a boa alimentação, a respiração, o relaxamento, as atividades físicas. E a certeza de que, como a primavera, nós também podemos começar de novo. |