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Bela paleta

Com as colorações naturais, dá para tingir os cabelos sem que isso implique poluir o meio ambiente e se expor a produtos químicos nem tão inofensivos assim à saúde

Bela paleta – Tiago Gouvêa
A prática é milenar. Mudar a cor dos cabelos é um desejo presente em diversas culturas, desde os mais remotos tempos. Há registros históricos de múmias no Egito encontradas com vestígios nas madeixas de Lawsonia inermis, a planta arbustiva que conhecemos como hena. No Império Romano, era comum o uso de pentes embebidos
em sulfeto de chumbo e vinagre para dar uma cor marrom-escura aos fios. Extratos de plantas como a nogueira, a camomila, o índigo, o café e o chá-preto, além de banhos de vinho e de leite, também já foram utilizados para alterar a cor da cabeleira de mulheres e homens em todo o mundo.
Mas foi o avanço da ciência e da indústria cosmética que trouxe a chance de transformações mais radicais em relação à cor original (principalmente quando a vontade é de clarear os cabelos), com inúmeras opções de tonalidades, maior duração, melhor cobertura dos fios grisalhos e, de quebra, a promessa de efeitos bastante atraentes: fios hidratados, macios, nutridos, brilhantes. Com tanta publicidade positiva, a indústria mundial de tinturas capilares explodiu nas últimas décadas. Atualmente, estima-se que nos Estados Unidos e na Europa um terço das mulheres com mais de 18 anos e 10% dos homens que já passaram dos 40 anos pintam os cabelos regularmente. Entre os brasileiros adultos, pelo menos 26% aplicam tinturas (dos quais as mulheres representam a imensa maioria: 85%).
Nesse universo colorido, porém, nem tudo é beleza pura. Para alcançar resultados versáteis, cores intensas e disputar um mercado extremamente concorrido, as empresas desenvolvem fórmulas complexas, que geram rótulos quase sempre ininteligíveis para os consumidores e até para profissionais da área. E, se os relatos de reações adversas (como queda dos cabelos, alergias e dermatites) crescem entre a população – considere-se, obviamente o estresse entre as causas desses problemas –, há ainda poucas pesquisas sobre os efeitos dessas substâncias para a saúde humana e os possíveis impactos ao meio ambiente com os resíduos das colorações que se misturam à água nas lavagens dos fios tingidos.
Dez anos atrás, uma pesquisa do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) analisou 15 marcas disponíveis no mercado e constatou que apenas seis delas atendiam a todos os critérios da legislação vigente. Na época, foram identificadas não conformidades de rotulagem, ou seja, alguns produtos continham informações incorretas ou insuficientes ao consumidor, além de divergências de registro, que ocorrem quando o fabricante registra um produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, mas coloca no mercado um produto diferente daquele que foi aprovado pelo órgão regulamentador. Até hoje, problemas desse tipo não são raros e explicam por que, de quando em quando, a Anvisa determina o recolhimento – preventivo e ou temporário – do mercado de lotes inteiros de tinturas.
Por trás dos rótulos Para não deixar de lado o hábito de pintar os cabelos (nem se ver obrigado a assumir os fios brancos sem estar preparado), vale entender um pouco dos “segredos” de fábrica e, assim, fazer escolhas mais conscientes. Primeiro, é preciso separar as tinturas naturais das sintéticas. As naturais são aquelas feitas, basicamente, a partir de extratos de plantas e não contêm aditivos químicos. Já as sintéticas podem até conter ingredientes naturais, mas são compostas também de elementos sintetizados em laboratório, tais como pigmentos, fixadores e conservantes. “Vale lembrar que nem todo aditivo químico é ruim. É possível termos tinturas com vitaminas, por exemplo, que são aditivos benéficos”, explica o professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp Rodrigo Ramos Catharino.
Mas a lista de ingredientes químicos duvidosos é grande. É o caso dos corantes à base de chumbo, ou acetato de chumbo. Estudos mostram que esse metal pesado pode ser absorvido pela pele do couro cabeludo e causar náuseas, vômitos, dores de cabeça e outros tipos de mal-estar, o que levou a Europa a bani-lo dos cosméticos. No Brasil, ele já esteve proibido, mas foi recentemente liberado pela Anvisa para uso em tinturas capilares, respeitando o limite de 0,6% de concentração máxima, o mesmo critério adotado nos Estados Unidos. “Ao contrário do que pode parecer, isso é bom, porque deixa claro que não é possível retirar completamente o chumbo de algumas tinturas. Então, pelo menos, o consumidor fica sabendo disso e pode escolher entre usar ou não esses produtos”, argumenta o pesquisador de Campinas.
Formaldeído ou formol, parabenos, amônia, peróxido de hidrogênio (água oxigenada), PPD (sigla de parafenilenodiamina, substância proibida em alguns países europeus, mas permitida no Brasil), alcatrão, resorcinol, DMDM hidantoína (conservante banido no Japão) são outros exemplos polêmicos de substâncias comumente
presentes em tinturas sintéticas. Nos Estados Unidos, para alertar os consumidores sobre os perigos desses e de outros produtos químicos, a iniciativa Environmental Working Group criou um banco de dados de cosméticos com quase mil corantes e tonalizantes para os cabelos, que tiveram seus componentes avaliados e classificados
de acordo com os riscos ao meio ambiente e à saúde humana (desde os mais comuns, como alergias e irritação nos olhos, pele e pulmões, até alterações imunológicas, neurotoxicidade e câncer). Do total, menos de 50 foram considerados seguros pela entidade.
A intenção do EWG é criar condições para que o consumidor faça escolhas mais conscientes, pressionar os fabricantes para reduzir o grau de riscos e exigir do governo maior rigor e controle sobre esse mercado bilionário.
Ao meio ambiente, os riscos apontados envolvem a contaminação da água com os resíduos das tintas durante as lavagens, que, consequentemente, podem afetar a saúde de animais, alterar ecossistemas e poluir o solo. Um exemplo disso? Segundo o professor da Unicamp, a ciência oferece dados conflitantes: há pesquisas apontando riscos e outras afirmando que tais substâncias são inofensivas à saúde. “Por causa disso, é como se a ciência virasse uma espécie de religião, que as pessoas seguem de acordo com suas próprias crenças”, lamenta. Para ele, o que ajuda na hora de escolher é ler o rótulo com cuidado e, se for possível, procurar auxílio de um farmacêutico que possa “traduzir” nomes complicados. “Às vezes, o fabricante usa o nome químico no lugar do nome popular, e isso confunde o consumidor”, afirma. Mudar essa
situação, de acordo com Catharino, leva tempo e requer muita campanha de conscientização do consumidor.
Ao natural No salão A Naturalista, criado pela cabeleireira Simone Prado, em São Paulo, o lema é: ficar bonita é muito legal, mas não a qualquer custo. Ela diz que é possível se cuidar utilizando produtos que não agridem as pessoas e o meio ambiente. “Dou preferência às colorações naturais, à base de hena e, sempre que possível, trabalho com produtos orgânicos e não testados em animais”, conta. Simone recomenda a hena da Weleda e da Surya Brasil (em creme ou pó), e tem boas referências também da hena oferecida pela empresa Casa da Índia. “Todas são bem bacanas porque, além de colorir os cabelos, agem como um tratamento para os fios, não ressecam e dão brilho”, diz. O produto da Weleda é simplesmente pó de hena puro, sem nenhum aditivo. Já as opções da Surya Brasil contêm também extratos de ervas e frutas da Índia e da Amazônia (como jenipapo, juá, babosa, acerola e guaraná) e alguns corantes considerados seguros.
Recentemente, surgiu no mercado mais uma opção: a Coloração Vegetal LCS, desenvolvida pela cosmetóloga e fundadora do salão paulistano Laces and Hair, Cris Dios. A nova linha é resultado de cinco anos de pesquisas, em parceria com uma empresa francesa que detém uma tecnologia de micronização do pigmento, capaz de
cobrir totalmente os fios brancos. São dez tons diferentes, que vão do preto ao loiro-claríssimo. Cris Dios aposta no que chama de beleza limpa, aquela que não causa impactos ambientais, não agride os profissionais que manipulam os produtos e oferece um bom resultado estético. “Com essa linha, queria atender às clientes que
iam ao salão e, sabendo que teriam reações alérgicas às tinturas, chegavam até a tomar medicamentos para fazer a coloração. Sempre achei isso um absurdo”, desabafa. Para colorir e não maltratar nem o consumidor nem o planeta, o pulo do gato das fórmulas é, na verdade, não conter amônia, PPD, formol, parabenos. E incluir
plantas originárias da Índia como acácia e índigo. A combinação delas mais a tecnologia de micronização do pigmento e a aplicação com calor garantiriam a fixação do tom.
Com as colorações naturais, a chance de sofrer alergias é mais remota – é falsa a ideia de que o natural é inócuo nesse sentido. O único detalhe é que elas não fazem milagres. “Não dá pra ser morena e querer ficar loira com hena ou evitar um tom avermelhado aqui e ali, assim como não dá para ter uma cor maravilhosa com
coloração sintética e manter os cabelos saudáveis, sem sofrer danos com o tempo”, diz a cabeleireira Simone Prado. “Há limites dos dois lados e é importante que cada um faça a sua escolha com liberdade, respeitando seus próprios critérios”, completa.
Natural ou artificial: pondere
 
O pó de hena é uma opção 100% natural. Como a planta é avermelhada, tende a dar o mesmo tom às madeixas. As variações de hena em creme contêm menos de 2,5% de corantes sintéticos e minimizam o efeito. A cobertura dos brancos pode ser melhor quando se faz uma pré-pigmentação na cor amarela, para tingir os fios, e uma segunda coloração, com o tom desejado. Já as tinturas sintéticas podem conter ingredientes naturais, mas são compostas também de elementos sintetizados em laboratório. Entre eles estão os formaldeídos (conservantes), parabenos (conservam e evitam a contaminação por microrganismos), peróxido de hidrogênio (água oxigenada), PPD (proibido em alguns países europeus, mas permitido no Brasil), DMDM hidantoína (banido no Japão por ser comprovadamente carcinogênico) e amônia (abre as escamas dos fios, permitindo que a coloração penetre, mas polui o solo e altera a vida aquática, podendo provocar a mortandade de peixes).

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