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Descubra os mistérios dos círculos, presente em todas as expressões do conhecimento

Que poder exercem os círculos sobre nós? Por que somos tão atraídos por essa forma? Qual mistério guarda?

Os mistérios do círculo – Divulgação
Para bem rodear a conversa, primeiro vamos dar ouvidos ao que dizem os geômetras: círculo é o disco definido por uma circunferência,
que por sua vez é o lugar dos pontos equidistantes a um outro dado – o centro para onde tudo converge. Palavra de quem pensa a vida através das formas e dos números. E, sem exagero, o círculo está presente em praticamente todas as expressões do conhecimento, da astronomia à arquitetura, da astrologia à engenharia, da física à música, da biologia à filosofia.
Talvez por isso ele apareça em muitas culturas como a representação da totalidade. O Dicionário dos Símbolos (José Olympio editora), de Jean Chevalier e Alain Greerbrant, dedica ao verbete cinco páginas e inicia o texto enfatizando essa forma como símbolo do céu cósmico, do tempo, do mundo espiritual, invisível e transcendente. Lá está escrito: “Todos os pontos da circunferência reencontram-se no centro do círculo, que é sem princípio e sem fim”. Em outras palavras, trata-se do eterno. Ou seja, Deus, o Sol e a Criação.
Crer para ver
“Vivemos imersos em círculos”, diz o engenheiro e astrólogo Rodrigo Araes Farias. Todo campo de força – magnético, elétrico ou mesmo gravitacional – irradia em anéis. Atire uma pedra no lago e observe como as ondas se propagam. É o movimento mais espontâneo que existe, se não houver alguma interferência. Estamos rodeados pela vibração do som e da luz como alguém girando bambolês. Mas diferentemente das argolas de plástico colorido, que todos podemos ver, o som e a luz não são demarcados. Só percebemos que a força (e que força!) está presente.
Segundo Farias, as frequências mais graves do som de um instrumento musical ou da marcha compassada de um exército podem gerar a mesma oscilação de um terremoto ocorrido nas camadas profundas da terra. Sob esse prisma não deixa de ser curioso lembrar que no mito sobre as muralhas de Jericó (ou a conquista da Terra Prometida), os soldados do povo de Israel, comandados por Josué, escolhido por Deus como sucessor de Moisés, conseguiram fazer o cerco da cidade vir abaixo depois de rodeá-lo por sete dias. E tendo como ajuda para a vitória, no final desse período, o soar de trombetas. Vale imaginar esse mito também como metáfora da psique em processo de terapia. Quem não conhece a sensação de se fixar num problema e voltar e voltar sempre para o mesmo ponto, como se a questão se recolocasse infinitas vezes. Até que um dia, dá um clique, as barreiras se dissolvem e vem a solução. Há mesmo mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a vã filosofia – ou a religião, ou a ciência.
Uma conquista da criança
Se o círculo pode atuar na construção e desconstrução das estruturas também está no comecinho de vida de todo homem. Como a mais remota representação. A orientadora pedagógica Ione Capucci, da Escola Móbile, em São Paulo, lembra que a forma é a primeira reconhecível pelos adultos que a criança, entre 2 anos e meio e 3 anos, consegue desenhar. “Um passo gigantesco no desenvolvimento motor e cognitivo é quando os pequenos fazem a rotação do pulso e criam as primeiras circunferências. Começam a perceber que as marcas e linhas feitas por elas podem representar uma pessoa inteira”, diz Ione. Assim mesmo, uma única bola retrata uma pessoa. E o desenvolvimento ocorre pouco a pouco. Da cabeça saem duas linhas retas como corpo. Depois a criança acrescenta outra forma igual, ou às vezes elíptica, para simbolizar o tronco. “É emocionante acompanhar as primeiras simbolizações do mundo. A criança combina desenhos e objetos para descrever experiências”, fala com entusiasmo a pedagoga. “Nessa época, aparecem as primeiras fabulações. A capacidade de inventar nos caracteriza como seres humanos elevados, pois não?”. E tudo nessa história principia no círculo.
Tijolo por tijolo
De invenção em invenção o homem vai deixando suas marcas por onde passa. Criou a roda, o relógio para compassar o tempo, a lareira arredondada para acender o fogo sagrado e homenagear os deuses, os arcos d dos aquedutos fazendo a água correr em canaletas até chegar a lugares distantes dos rios e das nascentes, moldou o caldeirão e o prato para se alimentar de comida quente. Quando sai das cavernas consegue construir sua morada de inúmeras maneiras,nos primórdios apenas uma proteção contra os desafios do tempo e ataques de animais. A intuição de que o círculo poderia ajudar nessa segurança está em muitas culturas.
O arquiteto Décio Navarro ressalta a esperteza da taba. “Parte de uma estrutura feita de estacas fincadas como que formando o perímetro de uma circunferência. As estacas são amarradas em cima no ponto central. Solução perfeita porque cria um caminho para o vento sem resistência. As correntes fluem pelas bordas dos volumes e não arrancam os abrigos do chão”. No livro Por Que Os Edifícios Ficam De Pé (ed. Martins Fontes), o professor de engenharia e arquitetura da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Mario Salvadori, lembra que o iglu tem eficiência aerodinâmica para reduzir a pressão do vento sobre a construção e, ao mesmo tempo, a semiesfera é uma das formas estruturais mais sólidas erguidas pelo homem. Uma fogueira acesa no centro do iglu derrete uma camada fina de neve das paredes, que vira gelo quando o fogo é apagado, tornando o iglu totalmente impermeável ao vento.
É a inteligência de se harmonizar com a natureza aproveitando as qualidades essenciais do círculo. O professor Salvadori ainda ressalta q que a resistência de um domo (cobertura esférica de um edifício e cuja parte inferior é a cúpula), tão utilizado na arquitetura sagrada e palaciana, é superior à de quase todas as formas estruturais. Além disso, há nesse elemento uma beleza digna das figuras divinas. Ele diz: “Talvez o domo seja a materialização mais próxima do céu, a única representação do céu feita pelo homem na arquitetura, e é por isso que um domo parece nos proteger como o céu de uma noite clara, abraçando-nos e protegendo nossa pequenez e solidão.”
Podem variar o nome Divino ou dos grandes imperadores, as dimensões do templo ou do palácio, o material dos revestimentos e a decoração das abóbadas – com paisagens e imagens humanas ou com desenhos abstratos, como nas mesquitas –, a sensação de não se ter limites produz sempre
um sentimento de transcendência. Salvadori arremata: “O domo é o rei de todas as coberturas e a Meca de quantos têm religião, o céu dos amantes de teatro, a cobertura igualitária dos fãs de esportes. Maior conquista arquitetônica em mais de 2 mil anos de desenvolvimento espiritual e tecnológico”.
Um ponto de união
Se os deuses se fazem presente no círculo, o homem encontra nele os seus iguais. Quando estamos de mãos dadas, em roda, acabou-se a hierarquia. Todos têm voz de comando e podem orientar a volta para um lado ou para o outro. Ciranda, vamos todos cirandar. Sentados numa mesa redonda, como na távola do rei Artur, todas as opiniões pedem para serem ouvidas e respeitadas. A ideia das relações sociais estarem fundamentadas no círculo parece nos orientar para o acolhimento feminino, bem diferente do rígido sistema patriarcal, com voz de comando polarizada. Nos círculos, cada uma das forças se reúne no centro. É onde surge o ponto comum resultante dos encontros. Um toca o outro.A psicóloga Jacira C Carvalho há seis anos trabalha com círculo de mulheres. É assim que se chamam esses grupos de mulheres que se reúnem
para conversar e trocar experiências, encontrar o próprio centro e descobrir as expressões da alma.
“Começou com o convite de uma das participantes para percorrer, em grupo, as lendas narradas no livro Mulheres Que CorremCom os Lobos (ed. Rocco), de Clarissa Pinkola Estés. Fomos descobrindo maneiras de tornar os encontros cada vez mais germinativos”, conta Jacira, que promove o círculo uma vez por semana. Não é um trabalho de terapia, ainda que dessas reuniões cada uma encontre apoio para transformações
na vida. O processo evoluiu amparado em outros livros como As Deusas e A Mulher, e Os Deuses e o Homem (ed. Paulus), ambos da
psiquiatra e analista junguiana Jean Shinoda Bolen. “Partilhamos nossos acertos e erros, manipulando técnicas diversas, como cerâmica, colagem, desenho, para expressar com arte o que nos traz a alma. A cada semana um trecho de livro nos inspira para um tipo de atividade”, diz a psicóloga. “Isso acaba criando a personalidade de cada grupo. É interessante observar esse movimento de diferenciação e comunhão”. Na verdade, Jacira explora a seu modo uma proposta de Shinoda Bolen chamada de O Milionésimo Círculo – a iniciativa divulgada em muitas plataformas, como livros, internet, conferências, evoca a transformação do mundo através de grupos interessados em fortalecer um ideal: equilibrar cada um, para elevar o todo.
Nesse sentido, o círculo das mulheres que visitam as histórias da alma parece irradiar uma possibilidade animadora: reverberar até tornar nosso universo um lugar mais harmonioso para se viver.

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