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No que me toca…

Enxugar uma lágrima, segurar uma criança no colo, ajudar um idoso a levantar, dar um abraço. No contato físico há uma sinfonia de sensações que, em silêncio, dizem muito. Asseguram que vai ficar tudo bem

No que me toca… – Shutterstock
O filósofo francês Jean-Paul Sartre dizia que a verdadeira angústia do ser humano é a de ser só. Por mais que seja possível amar o outro, uma pessoa será sempre ela, só ela. “Mas o toque, o contato físico, talvez seja a forma mais e ciente de reduzir essa solidão”, diz a psicóloga Lana Harari, de São Paulo. É impossível permanecer neutro a ele, que sempre vai despertar algum tipo de sensação, seja de prazer, carinho, desejo, ou mesmo nojo e medo.
Nesses quase 1,70 metro quadrado de pele há todo um sistema preparado para equilibrar a temperatura do corpo e atuar como uma barreira para vírus e bactérias. Acima de tudo, esse sistema está atento ainda para perceber e interpretar o toque. Se for de alguém querido, tanto mais agradável. Rapidinho não é tão bom quanto um afago que se demora. Uma pesquisa realizada na University College London, na Inglaterra, comprovou isso. Se for para cronometrar, o estímulo tátil deve ficar entre 1 e 10 centímetros
de pele por segundo. É esse o ritmo que se traduz em situação de conforto. Algo que a gente nem percebe, mas deve fazer demoradamente quando está aninhado nos braços de alguém.
A privação desse carinho, além da óbvia depressão, irritabilidade e tristeza que a falta de contato humano acarreta, pode levar ainda a sintomas físicos. Não são incomuns casos de pessoas que apresentam manifestações cutâneas como psoríase e eczema quando da ausência de uma mão amiga por perto. Por outro lado, há trabalhos acadêmicos demonstrando que o toque é uma estratégia fundamental na humanização do atendimento médico porque estabelece uma relação de troca e respeito, o que contribui para que o paciente se recupere mais rapidamente. Esse é também um dos sentidos mais desenvolvidos quando o bebê nasce e o que permanece mais íntegro na velhice. É atávico, e não só no caso dos humanos. Há um estudo clássico, da década de 1960, realizado pelo psicólogo americano Harry Harlow, que deixa isso bem claro. No experimento, um bebê macaco passava seus dias em companhia de uma mãe artificial feita de arame e de outra de tecido. A primeira era quem o alimentava por meio de uma mamadeira. A segunda não oferecia nada além de uma percepção tátil mais agradável. No decorrer do estudo, os pesquisadores foram percebendo que a sensação tátil agradável era traduzida em muito mais do que conforto puro e simples, mas segurança. Isso ficou claro quando o bebê macaco foi colocado em um ambiente novo, cheio de objetos estranhos. A princípio ficou bastante assustado, e a presença da mãe-arame não ajudou em nada. Já quando ela foi substituída
pela mãe-tecido, o bichinho se aninhou imediatamente em seus braços e, depois, seguro de si, saiu para explorar o ambiente.

Cada um no seu limite
“A pele é o que divide o mundo exterior do interior, por isso não é tão simples assim para muitas pessoas serem tocadas”, afirma Lana Harari. A atitude – por mais que a intenção tenha sido gentil – pode ser interpretada como violação.
Nesses casos, melhor mesmo é começar a desbravar essa sensação aos poucos, de dentro para fora. Sensibilizar-se primeiro com seu próprio toque. “O sistema sensorial não funciona isoladamente. Por isso falamos em integração sensorial”, explica a terapeuta ocupacional Luciana Perroud, de São Paulo. Há várias ações e estímulos
envolvidos que acabam levando a um autocontrole emocional ligado à satisfação. A ideia é praticar atos simples, prestando bastante atenção em cada um deles, no prazer que causam. “Mude a textura das roupas de cama, por exemplo”, sugere Luciana. Um dia, use um belo lençol de seda. No outro, de algodão. Depois, envolva-se com uma coberta felpuda. “Também temos receptores táteis na boca”, lembra ela. “Experimente brincar com isso incluindo no cardápio alimentos de diferentes texturas. Chips de legumes e frutas; smoothies; peixe ou carne crus”, diz. Estimule os receptores da planta dos pés andando descalço por diferentes superfícies: no piso frio, na madeira, no tapete. Entre em contato com a areia, a terra, a grama. Perceba as sensações que cada uma traz. Com os sentidos aguçados, volte sua atenção para a própria pele, os músculos. “O toque é tão importante para a nutrição humana quanto o ato de alimentar-se. Por meio da automassagem o corpo libera o hormônio ocitocina, que gera bem-estar e acalma”, explica a terapeuta Lilian Alves de Almeida, do Spa ArmaZen, do Itamambuca Eco Resort, em Ubatuba, litoral paulista. Você pode começar
com o do-in, que trabalha os pontos energéticos do corpo segundo a medicina chinesa. Como a ideia é recuperar o contato com o próprio corpo, escolha movimentos que ajudem a desbloquear emoções ruins. Vale, por exemplo, apertar um dedo de cada vez e, por fim, o centro da mão. Pressione cada área por dez segundos, depois solte. Repita três vezes.
Dar atenção ao couro cabeludo – parte pouco lembrada do corpo – é outro recurso para expandir as sensações táteis. “Com os cabelos limpos e secos, faça o movimento de tentar puxá-los com a ponta dos dedos, como se estivesse sob o chuveiro”, descreve a fisioterapeuta Fabiane Hadler, coordenadora do Serena Spa, em Campinas, interior de São Paulo. “Lembre-se de ser gentil com o seu corpo, não faça movimentos que causem uma sensação desagradável”, completa ela. E, se quiser aumentar ainda mais o bem -estar, estenda a massagem para a testa, a nuca e atrás das orelhas, finalizando com leves puxões nos fios.
Amplie seus horizontes
Depois de a orar os próprios sentidos, deixar-se tocar é o passo seguinte. O caminho mais óbvio, seguro, é a massagem. Feita por um profissional ou alguém muito próximo, com disponibilidade e afeto para ajudá-lo nessa estratégia de recuperação. Um roteiro de massagem simples, que envolva o corpo todo em deslizamentos suaves, é receita certa de plenitude. Ao estimular os receptores dos pés à cabeça, nos sentimos inteiros, e essa sensação de contorno se traduz em autoconfiança.
Sutilmente, esse singelo prazer pode ser compartilhado com o outro. James Coan, professor de psicologia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, confirmou que o mero segurar nas mãos tem um efeito intenso. Ele convidou 16 mulheres casadas para seu experimento, que tinha o objetivo de observar as regiões do cérebro que se acendiam em duas situações. Primeiro, dizia a elas que iriam receber um pequeno choque. Imediatamente acendiam-se áreas cerebrais ligadas ao estresse. Depois fazia a mesma coisa, só que as mulheres estavam segurando a mão do marido. Resultado: regiões cerebrais que antes pareciam uma árvore de Natal ficaram praticamente apagadas.
Quando for visitar sua tia, sente-se ao lado dela, pertinho, em vez de ficar na outra poltrona. Abrace forte as crianças do seu círculo de relacionamento. “Crianças e idosos são mais abertos ao toque. Os primeiros porque ainda não foram inibidos, seguem seus instintos. Os segundos porque têm maior consciência da privação
do toque”, diz Tiffany Field, diretora do Instituto de Pesquisa do Tato, da Universidade de Miami, nos Estados Unidos. Ao encontrar um amigo, perceba se ele quer um aperto de mão formal – gesto que mais serve para manter a pessoa afastada do que para criar intimidade – ou um forte abraço. Se for o segundo caso, não o prive nem se prive. Esse gesto de acolhimento, atenção e cuidado minimiza a rudeza do cotidiano. Assim como sentir o prazer de uma cachemira roçando o pescoço, de espalhar hidratante no próprio corpo ou aninhar-se no ombro de quem lhe quer bem.

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