Desde a edição passada e até a próxima, os leitores de BONS FLUIDOS podem acompanhar trechos do livro do médico Luís Carlos Silveira, fundador, em parceria com a mulher, Neusa, do Kurotel Centro Médico de Longevidade e Spa, um dos mais respeitados do Brasil. Desta vez, o tema em destaque é o cérebro – que, assim como o corpo, sofre com o excesso de pressão e a falta de equilíbrio emocional, “comprometendo não apenas o presente da pessoa mas o futuro”, como bem define o dr. Silveira.
Para evitar pequenas descompensações que acarretam, ao longo do tempo, o envelhecimento precoce dos neurônios, o médico e sua equipe elaboraram um plano de exercícios e abordagens destinadas a conservar e nutrir a saúde física e afetiva dessa estrutura tão nobre. Trata-se de um manancial de informações que, uma vez aprendidas, são simples de executar e responsáveis por resultados fascinantes. Veja todos os detalhes no capítulo a seguir:
Fitness para o cérebro
É fato que, com o tempo de vida, o número de neurônios tende a diminuir (um neurônio que morre equivale à perda de cem mil conexões/ sinapses). Por outro lado, quanto mais velho for um neurônio, maior o número de suas conexões, muitas delas associadas à memória do indivíduo, e outras pelo simples fato de o ser humano usar esse neurônio e, assim, amplificar suas conexões. Se um indivíduo, a partir dos 60 anos, for perdendo apenas aquilo que naturalmente perderia em termos de conexões, ele ainda assim conseguirá viver bem. O problema é que as pessoas estão perdendo muito, muito mais, por causa do estresse, dos erros na alimentação, do tabagismo, do álcool, entre outros fatores que contribuem para o envelhecimento acelerado do cérebro. Tudo isso, somado ao fato de que vivemos num mundo que cada vez mais nos facilita o raciocínio em uma série de atividades. Os neurônios não são estimulados a criar novas conexões, entram num estado de atro a, de desuso, e chegam à morte, levando consigo milhares de sinapses. Em suma, com o cérebro, ou, mais precisamente, com os neurônios, a regra é “Use-os ou perca-os”.
O que precisamos fazer é, antes de mais nada, desacelerar o processo de perda e envelhecimento e, em seguida, estimular a criação de novas conexões. A saber: o cérebro tem a capacidade de compensar o funcionamento de áreas que sofreram uma lesão ou um trauma, conforme afirmam pesquisas em neuroplasticidade – um ramo relativamente novo de estudo na medicina. Outro mito que caiu por terra é o de que neurônio perdido não se recupera mais. Desde a última década, alguns estudos
já demonstram que os neurônios podem ser recuperados com exercícios e tratamentos adequados. Um exemplo prático: uma pessoa destra que comece a usar experimentalmente a mão esquerda para comer, ou que, à noite, no escuro de seu quarto – buscando desenvolver aspectos táteis – caminhe até o banheiro, sem acender as luzes, estará estimulando a atividade cerebral e, consequentemente, a criação de novas sinapses. Em outras palavras, estará tirando a poeira dos neurônios.
Do mesmo modo que a leitura. Nesse caso, a pessoa precisa fazer uso de dois canais importantes do cérebro, um que permite a compreensão da grafia – o qual, por sua vez, conecta-se à base de dados da linguagem, comparando e selecionando o que é visto com o que está armazenado. E outro que decodificará as informações da linguagem e permitirá que a pessoa descubra e compreenda novas mensagens. É um processo altamente complexo.
Se tudo na vida se resumir ao aperto de botões é possível imaginar o que vai acontecer com nossa capacidade cognitiva. Podemos até viver mais, mas certamente não seremos senhores de nossa mente.
Estímulo mental e imaginação
Outro aspecto instigante é a capacidade do cérebro de reproduzir ambientes imaginários como se fossem realidade. Nos anos 1970, foi feito um estudo com prisioneiros
de guerra norte-americanos que haviam lutado no Vietnã e que conseguiram voltar para os Estados Unidos (…). Havia um grupo formado por jovens que, antes de ser recrutados, eram, em sua maioria, jogadores de basquete e, alguns, de golfe, em suas cidades. Esses jovens, quando prisioneiros no Vietnã, imaginavam ou rememoravam os momentos em que praticavam o seu esporte nos Estados Unidos. Fechando os olhos, eles mentalmente reproduziam os movimentos de várias jogadas – os que jogaram basquete tentavam acertar a bola na cesta, imaginavam a trajetória da bola, a força de impulsão da mão, os passos necessários para a jogada, assim como os que jogavam golfe pensavam no movimento do taco, na batida da bola, sua trajetória, enfim, tudo mentalmente reproduzido e calculado, tal qual eles haviam vivido no passado. (…) A grande surpresa desse estudo é que quando esses soldados voltaram para casa, depois que a guerra terminou, eles conseguiram jogar praticamente no mesmo nível daqueles jovens que não haviam ido para a guerra – ao contrário dos soldados que não zeram esse tipo de exercício mental e que precisaram refazer todos os treinamentos.
(…) A conclusão do estudo mostrava que podemos estimular e ativar os canais e os neurônios que dão avisos à motricidade do corpo mentalmente. É o que se chama de
visualização criativa. (O cérebro não distingue muito bem o que é realidade daquilo que não é. Por isso também existem pessoas que revivem traumas, sofrem com fantasias, têm fobias e acreditam tanto em realidades imaginárias).
Arejar a mente é uma necessidade
Trabalhar todos os segmentos do cérebro, tentar identificar áreas de acomodação para que se possa buscar atividades que permitam o contraste, é uma forma de manter a mente sempre oxigenada e em sua melhor forma. Se a pessoa trabalha o dia inteiro com informática, por exemplo, ela poderá fazer trabalhos de jardinagem, cerâmica, artesanato. Se trabalha em atividades braçais, deve tentar aprender a jogar xadrez. Médicos reunidos conversam sobre o quê? Medicina. Advogados, entre si, só falam de direito; engenheiros, de engenharia; enfim, é uma tendência comportamental e natural nos aglutinarmos com aquilo que nos assemelha, mas isso pode nos isolar – e, então, empobrecer nosso intelecto. É um comportamento que o cérebro reproduz ao limite, com a morte do neurônio. (…) Não é a matemática ou o xadrez que vão fazer uma pessoa ser mais ou menos inteligente – termo aqui usado no sentido de maior ou menor capacidade de conexões –, mas a diversidade, o contato com diferentes saberes, percursos, realidades.
O mundo todo só cresceu na adversidade. Diante de obstáculos, instintivamente procuramos alternativas. Podemos (e por que não?) buscar novos caminhos o tempo
todo, no trajeto do trabalho para casa, por exemplo: por que repetir sempre o mesmo caminho e privar os olhos e o cérebro de novas paisagens? Isso não custa muito. Contudo, permanecer el a caminhos rotineiros custa, no mínimo, a estagnação de uns bons neurônios.
Há vários sinais que podem alertar a pessoa para problemas no cérebro. A falta de memória, o esquecimento simples mas corriqueiro, é um deles. Estresse, mudanças de
humor, algumas dificuldades com a linguagem, desorientação espacial, depressão, são outros. Em situações como essas, é preciso analisar cada caso, às vezes com a ajuda de exames como ressonância magnética, e trabalhar a situação de acordo com a necessidade do paciente.
Análises bioquímicas poderão indicar eventuais interferências, por exemplo, do cortisol (o hormônio do estresse), que, quando aumentado, impacta a memória; e
os níveis de vitaminas B12 e B9 (ácido fólico), que interferem na capacidade de armazenamento de dados.
Depois dessa compreensão, poderemos preparar o tratamento mais adequado para aquele paciente. Em geral, composto de exercícios, o cinas específicas para melhorar a relação do paciente com o trabalho (no caso dos workaholics) e de criatividade, que, na maior parte das vezes, está comprometida. Cognição e afeto são
tratados conjuntamente. Vale saber que, quando o humor não está bem, há o comprometimento da atenção, que, por sua vez, é pré-requisito para a consolidação da
memória. Ao mesmo tempo, ao melhorar o emocional, o cognitivo também responde e o desempenho do cérebro, como um todo, tende a ser mais satisfatório.
Relaxamento mental, meditação e atenção plena
Não pense que uma pessoa que passa a fazer meditação cará “desconectada” e, por isso, menos criativa ou produtiva. Ao contrário, o ato de focar a atenção durante alguns minutos por dia melhora o processo de criatividade posterior à prática. Os benefícios podem ser conseguidos não só no nível da percepção ou do subjetivo, que seria fácil de esperar em uma pessoa que busca a meditação, porém há também uma mudança anatômica em pessoas que praticam a meditação com frequência e regularidade. Um trabalho de Sara Lazar e colaboradores, publicado no NeuroReport, mostrou que o córtex pré-frontal e a ínsula anterior direita são mais espessos em meditadores que praticam 40 minutos por dia, quando comparados com indivíduos que não meditam. Um aspecto encontrado que vale destaque é que as diferenças entre grupos são mais pronunciadas em pessoas mais idosas. Essas áreas são envolvidas na atenção e no processamento sensorial.
Outro trabalho muito interessante, do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, mostrou, através de ressonância magnética funcional e da análise da volumetria de diversas áreas cerebrais, que é possível distinguir se uma pessoa é um meditador regular ou não, com 94,87% de acurácia, apenas vendo a imagem cerebral. Ou seja, quem pratica meditação regular e disciplinadamente tem benefícios cerebrais e até anatômicos.
No Kurotel, uma das técnicas ensinadas é a de mindfulness ou “atenção plena na respiração” (veja no boxe ao lado). Depois de aprendida, pode ser repetida em casa, beneficiando o humor e o cérebro do praticante.
Hábitos que fazem a diferença
Os neurônios, assim como as demais células do organismo, são formados por nutrientes, e a relação deles com o humor e a capacidade cognitiva é imensa. Um estudo publicado pela British Medical Association mostrou que o consumo de junk food – alimentos com alto teor calórico e níveis reduzidos de nutrientes – está relacionado
à baixa capacidade de raciocínio. Da mesma forma que uma dieta livre de alimentos processados, de gorduras saturadas e de elevada taxa glicêmica pode ser saudável para o cérebro e se associar à percepção de maior bem-estar. Os alimentos que in uenciam no humor de uma pessoa são aqueles que possuem nutrientes que facilitam a comunicação de um neurônio com outro (gerando as sinapses). Dos nutrientes essenciais para que isso ocorra destacam-se o ferro, as vitaminas D, E e as do complexo B – especialmente a B6, B9 e B12. Pesquisas comprovam que elevados níveis de vitaminas B6, B12 e D estão associados a menores índices de depressão, e a suplementação de ácido fólico e vitamina B12 se mostrou efetiva para melhorar a memória após o seguimento de dois anos. Esses nutrientes são encontrados em cereais integrais, vegetais escuros, carnes magras e ovos, por exemplo. Outro nutriente que se destaca no papel do metabolismo cerebral é o ácido graxo essencial ômega 3 (um componente da membrana neuronal, além de ser importante na transmissão dos impulsos nervosos). De maneira geral, tente ingerir ao menos
quatro porções de frutas e verduras por dia. Isso ajudará a garantir a presença de boa parte dos nutrientes essenciais para a produção adequada de neurotransmissores como serotonina, dopamina e acetilcolina, com a consequentemente melhora do humor.
Orientações práticas para a meditação
Segundo a prática de atenção plena na respiração (mindfulness)
1) Sente-se confortavelmente, o mais ereto que conseguir. Mantenha os olhos fechados ou semicerrados, relaxados, e solte a testa.
2) Aos poucos, achegue-se ao seu próprio corpo, sentindo o seu peso e as sensações na pele. Perceba que você está “aqui e agora, neste local, neste momento”. Conecte-se com a consciência de como está se sentindo, com uma atitude de suave curiosidade.
3) Aos poucos, torne-se consciente do seu abdômen. Calmamente, deixe as sensações da respiração nessa região aparecerem aos poucos, ocupando sua atenção. Em
vez de se perguntar: “Como a respiração deve ser?”, esteja aberto a ela, seja qual for sua qualidade. Preste especial cuidado à expansão e ao encolhimento do abdômen. Perceba que os movimentos estão continuamente mudando e concentre sua atenção dentro desse fluxo de sensações.
4) Deixe a respiração fluir naturalmente e foque a consciência nas sensações do corpo, conforme ele interage com o fluxo da respiração. Lembre-se: a respiração
não é uma ideia, é uma experiência física que acontece em todo o corpo.
5) Experimente “ancorar” a consciência da respiração no abdômen.
6) Cada vez que sua mente divagar, traga-a de volta à respiração e ao corpo, com cuidado. Sua atenção pode ser arrastada várias vezes por pensamentos ou outras sensações no corpo, mas é normal. Não importa quantas vezes for necessário voltar à respiração no abdômen. Simplesmente vivencie isso e, de modo suave, retorne sua atenção às sensações da respiração com paciência. Permaneça nesse processo por entre cinco e dez minutos, trazendo o foco para a respiração cada vez que se
perder em pensamentos ou outras distrações.
7) Dê tempo a si mesmo para absorver os efeitos da prática. Um minuto é suficiente. Não se apresse para dar início à sua próxima atividade e leve os frutos da sua
meditação para o mundo, para sua vida cotidiana.