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Abrigo mais que feliz

A casa de dona Dalva é cheia de verde, ambientes arejados e bem iluminados. Um verdadeiro palacete, fruto de seu trabalho como diarista e de uma economia de R$ 150 mil realizada ao longo de 30 anos

Abrigo mais que feliz – Cacá Bratke
Desde novembro do ano passado, quem circula na linha verde do metrô de São Paulo pode ver um trem “envelopado” com uma propaganda da arquitetura como meio para a transformação da vida. Quem estreia a campanha é dona Dalva, uma diarista de 74 anos que, após 30 anos reunindo suas economias, conseguiu contratar um escritório de arquitetura e refazer sua casa, que tinha começado a ruir.
A história de dona Dalva ilustra a peça publicitária justamente porque desfaz um dos maiores mitos associados ao trabalho do arquiteto: que custa caro e que por isso apenas gente de alto poder aquisitivo pode pagar. No caso da empregada doméstica, justamente por ter pouco dinheiro, ela não podia se dar ao luxo de comprar o material de construção sem ter garantias de que a obra seria bem executada. Ouviu o conselho do filho, Marcelo, e contratou um profissional.
Agora vive no que considera “um palacete”. Iluminado, ventilado, com espaço de sobra para um de seus maiores prazeres: “O que mais gosto na minha casa é que tenho um jardim e uma horta”, diz ela, dedicada a plantar as sementes de qualquer fruta que coma. “Outro dia plantei umas sementes de mexerica numa vasilha e já dá para ver as primeiras folhinhas. É lindo demais. É como ver uma criança crescer”, se entusiasma.
Dona Dalva, apelido de Dalvina Borges Ramos, veio de Brumado, na Bahia, ainda mocinha. Há 50 anos é empregada doméstica – trabalho que a ajudou a criar o filho sozinha. Em 1966 abriu uma poupança e, desde então, guarda o máximo que pode. “O segredo”, conta ela com simpatia, “é andar na feira de ponta a ponta para ver quem tem o menor preço, procurar as ofertas no supermercado, guardar, guardar, guardar”. E agradecer Nossa Senhora Aparecida por dar força e fé para pegar no pesado todos os dias.
Foi esse esforço que levou à primeira conquista: comprar a casinha da Vila Matilde, zona leste de São Paulo, onde morou até que os problemas de infiltração quase derrubassem seu sonho. Precisou sair às pressas para uma casa de aluguel quando o teto de seu quarto desabou – por pouco não caiu em cima da sua própria
cabeça. Pensou em usar as economias (R$ 150 mil) para comprar um apartamento, mas a quantia só dava para adquirir algo em um bairro distante – o que significaria perder o vínculo com a vila, suas memórias e afetos.
O projeto de autoria do escritório Terra e Tuma, entregue em julho do ano passado, evitou a ruptura. Consistiu em demolir a construção e fundar outra mais moderna, econômica e bela no lugar. Levando em conta, acima de tudo, o apreço da moradora pela natureza.
Como a parede pintada de branco e com massa corrida teria um custo maior e levaria mais tempo para ser feita, a saída foi uma estrutura com blocos de concreto aparente, que dispensou revestimentos. A casa é praticamente toda térrea, já que se trata da morada de uma senhora em seus mais de 70 anos. A entrada é pela sala de estar e jantar. Depois, um agradável corredor ladeado por uma parede de vidro dá acesso ao lavabo, cozinha, lavanderia e à confortável suíte. A parede de vidro permite que de todos os ambientes se possa visualizar o jardim central. Medindo 2 x 8 m, ele é forrado com gramíneas e um pé de pitanga. Ao fundo, uma malha metálica presa à parede fornece apoio para uma porção de vasos. E, ao lado, uma escada leva ao terraço onde se construiu um quarto para o filho e há espaço livre para a horta, com manjericão, alecrim, pimenta e outros condimentos dispostos em cachepôs de concreto.
“Logo que nos contrataram para o projeto ficou claro que dona Dalva gostava de plantas. Mas não tinha muita área livre para cultivá-las. Acumulava tudo na garagem”, conta Pedro Tuma. “A casa antiga também não tinha janelas externas e nenhum espaço possuía qualidade. Só entrava luz pela cozinha”, lembra o arquiteto, que resolveu todos esses problemas.
No lote de 4,8 x 25 m e total de 95 m2 de área construída, hoje há qualidade de luz e tudo está bem arejado. “Ainda mais com o horário de verão, nem preciso acender a luz de manhã. Ficou claro”, comemora a moradora que levanta diariamente às 6h. Ela só pensa em mudar um pouquinho o piso de cimento queimado, modernoso demais. E quer comprar mais móveis de madeira para ajudar a aquecer a atmosfera interna. Aos pouquinhos, ela consegue. Vale ressaltar que uma preocupação dos arquitetos era que a casa também não se tornasse um bunker. Para integrá-la bem à vizinhança, sugeriram um portão vazado e uma grande janela na entrada, que se comunica com a rua. “Assim ela não chama a atenção. Ao contrário das construções com muros altos que deixam a casa fechada, como se estivesse querendo esconder algo”, esclarece Tuma, transmitindo sua visão de urbanista, atento à criação de moradias que conversem com o entorno. Uma cidade precisa dessa permeabilidade para não se tornar hostil.
Se dona Dalva e o filho tivessem tocado a obra sozinhos, talvez a casa não estivesse pronta. Porque às vezes a mão de obra não permanece até o final do serviço ou porque poderiam dimensionar mal o dinheiro e ele acabar faltando. A autoconstrução, como a automedicação, é um hábito equivocado. Ao escapar dela, a família Ramos trouxe de volta a dignidade do morar. E a felicidade.

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