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Analista junguiano fala sobre a necessidade de sentir a presença de Deus em sua vida

A necessidade de sentir a presença Dele em sua vida levou o analista junguiano Roberto Gambini a vivenciar em profundidade diferentes correntes espirituais. Nelas, enxergou tanto a Luz quanto a Sombra

Roberto Gambini – Ilustração: Zé Otavio
Em 1997 a Revista Hypnos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), publicou uma palestra do analista junguiano Roberto Gambini com o título Árvore e Alma. Em sua fala, Gambini propunha ao público uma relação entre a Natureza e a alma humana. Segundo explica, uma das razões por se sentir convidado a comparar as árvores aos seres humanos é o fato de não haver duas árvores iguais.
Formado em sociologia pela Universidade de São Paulo e em direito pela PUC, mas sem nunca ter exercido esta última carreira, se diz um defensor ou acusador de causas. Durante as três horas em que conversou com a reportagem de BONS FLUIDOS, Gambini, 70, mostrou que ligação com a Natureza faz parte de seu longo percurso rumo à manifestação do Sagrado. “Acho que a Natureza é uma mestra de espiritualidade, mas depende do canal sensível”, afirma. “Jung [o suíço Carl G. Jung, considerado pai da psicologia analítica] diz que há uma cisão na alma do homem contemporâneo porque este perdeu aquele lado que se conecta com a noite, as estrelas, os animais, a intuição, e ele vê isso como uma doença.” Em busca de mais sanidade – ou de um estado de conexão espiritual –, Gambini procurou diferentes culturas e práticas, tanto no Brasil como na Índia. Ele oferece ao leitor um testemunho franco e direto de sua experiência, marcada por entregas incondicionais e seguidas frustrações.
Você me falou de um texto que estava escrevendo sobre espiritualidade. Como é ele? 
Não terminei, é o início da minha reflexão. Começou com uma experiência em meditação transcendental no ano de 1989, em São Paulo, na sede da Sociedade Internacional de Meditação Transcendental, fundada pelo Maharishi Mahesh Yogi, aquele guru dos Beatles.
Por que você começou a escrever sobre esse tema?
 Porque eu percebia a Sombra – um conceito da psicologia junguiana. A Sombra é o lado negativo que fica oculto. A minha Sombra é tudo aquilo que eu não queria ser, mas sou. Em uma análise, a gente tem de ficar conhecendo esse lado. E um analista junguiano é um delator disso. Entrei na coisa da meditação idealizando. Olhava para as pessoas e falava: ‘Nossa! Eles estão em um nível incrível, quero chegar aí’. Participei de retiros e parei de fumar. Tem um poder aquilo. Eu via um lado extremamente criativo.
Por que você procurou a meditação? 
Desde menino eu era um buscador da realidade de Deus. Nas minhas orações, pedia para Ele: ‘Me dá a segurança de conhecer a Tua manifestação’. Queria ter a experiência, algo que a igreja Católica não me dava. Queria uma prática que me desse uma experiência.
Você teve uma experiência?
 Tive! E foram preciosas. A técnica que aprendi é da meditação transcendental. Às vezes eu sentia uma alegria, um bom humor, parecia uma criança. Tive muitos insights psicológicos. Na frente do paciente, me sentia menos egoico, como se absorvesse tudo o que a pessoa estava me falando e entendia melhor. Eu dizia: ‘Isso aqui é ótimo! Pronto, eu vou evoluir’. E fui aprendendo técnicas avançadas. Mas fui vendo a Sombra dessa Organização e aquilo começou a me afastar. Era uma multinacional que tinha universidade, aviões, estação de televisão, de rádio. Transcendental Meditation é trademark. Não combina a busca do Sagrado com empresa capitalista multinacional vendendo um produto. Eu estudei na rua Maria Antônia (palco de luta conta a ditadura na São Paulo de 1968). Fiquei chocado.
Até quando você ficou?
 Em 1992 fui para uma outra linha de meditação em São Paulo, a Siddha Yoga, com mantras e o hino do guru que é uma mulher lindíssima chamada  Gurumayi. Ela tem um Ashram na Califórnia e outro na Índia, para onde resolvi ir quando fiz 50 anos. Fiquei dois meses e meio vivendo a vida de meditante. Todo mundo fica lá para servir o mestre, com o benefício de estar na sua presença. Essa linha diz que o guru pode transmitir espiritualidade pelo olhar. Não aconteceu comigo, mas aconteceu uma coisa física. Tenho escoliose e não conseguia ficar sentado na posição de lótus. De uma hora para outra, minhas costas não doíam mais. Disseram que a Gurumayi passou essa energia. Fiz tudo o que tinha de fazer, até começar a ver a Sombra. Falavam que a gente põe a cabeça no chão porque ela é a manifestação da divindade. E eu pensava: não estou procurando uma mulher divina; procuro uma experiência dentro de mim do divino. 
Que negócio é esse de encostar a minha testa no chão diante de outro ser humano? 
Esse questionamento o fez desistir? Eu começava a ver que as pessoas tinham problemas familiares e se refugiavam lá. No dia de ir embora me veio uma tristeza: ‘Vim até aqui, fiz tudo o que foi pedido e não tive nenhuma sensação de uma presença de Deus’. Comecei a chorar. Meu casamento estava infeliz e eu achava que a melhor coisa que podia fazer era buscar isso em mim porque talvez salvasse o meu casamento. Fui fazer a última coisa para me despedir que era uma meditação, andando num jardim de olhos abertos. De repente olhei uma árvore, veio uma brisa e todas as folhas começaram a vibrar. Senti que o cosmos inteiro vibrava, que as minhas células vibravam, que o meu pulmão vibrava. Senti uma identidade com aquela árvore, com a brisa, com todas as árvores, como se o mundo pulsasse de vida. E a vida é essa coisa que a gente não presta atenção, mas ela está lá. Eu senti! Era o que estava procurando. Ajoelhei no chão, não diante da guru, mas diante desse milagre da vida. Aquilo, contudo, não me transformou. Continuei na busca.
Ilustração: Zé Otavio

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