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Cuidado gentil com o câncer: é possível fortalecer o corpo e o espaço ao lidar com a doença

É possível fortalecer o corpo e encontrar um espaço de serenidade enquanto se lida com a doença. Recursos especiais trazem estabilidade durante essa travessia e permitem cuidar de si mesmo com um saldo de amorosidade

Cuidado gentil para quem tem câncer – Shutterstock
Antes de ser submetido a uma cirurgia, o paulistano Vitor Caruso Junior consultou sua médica: “Posso entrar acompanhado de Mozart?” O motivo da intervenção era um linfoma de Hodgkin no timo, ou traduzindo, tumor maligno em uma glândula da região superior do tórax. Depois de observar as costas do paciente, que costumam dedurar nosso nível de tensão, a especialista disse que nunca havia operado alguém tão relaxado. “Eu certamente fiquei sensibilizado com aquela maravilha em meus ouvidos”, afirma. Sua percepção tem apoio científico. Diversos estudos apontam os efeitos positivos da música antes, durante e depois de um procedimento cirúrgico. 
Deixar-se embalar por uma melodia agradável aos ouvidos reduz a ansiedade, facilita a relação com a dor e ajuda a controlar as frequências cardíaca e respiratória. Vitor sabia disso. Há 14 anos, quando recebeu o diagnóstico de câncer, debruçou-se em uma pesquisa detalhada sobre terapias que complementam o tratamento convencional. “Não se trata de colocar uma coisa contra a outra, mas de abrir possibilidades”, chama a atenção. Seu processo de cura, que incluiu quimio e radioterapia, mudanças alimentares, meditação e a busca por um caminho espiritual, levou cinco meses, metade do tempo previsto, em geral, pela medicina. Ele, então, deixou a carreira de diretor financeiro para se dedicar ao cuidado do outro. Ordenou-se na tradição Zen Budista do mestre vietnamita Tich Nhat Hanh e hoje trabalha como terapeuta e coach em Curitiba. Assim como Vitor, até 80% dos pacientes de câncer no Brasil procuraram  algum tipo de terapia complementar – considerando práticas bem variadas como ioga, uso de vitaminas e até mesmo orações –, afirma Paulo de Tarso Lima, responsável pelo grupo de medicina integrativa do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Nos Estados Unidos, a estimativa é semelhante. Um estudo do Memorial Sloan Kettering Center – uma das mais antigas instituições de tratamento do câncer –, em Nova York, registrou que de 69% a 80% dos pacientes nessa situação usam fitoterápicos, suplementos vitamínicos e acupuntura, entre outras terapias complementares. E todas aquelas com aval científico são contempladas pela chamada medicina integrativa. “Uma abordagem focada no autocuidado, que vê o paciente em seu todo: corpo, mente e espírito”, define Lima. 
Enquanto a ciência avança e permite um diagnóstico precoce e medicamentos cada vez mais precisos, outra vertente do atendimento procura resgatar os recursos naturais que nos conectam a um estado mais saudável, como manter-se relaxado. O fato de ir para um lugar mais tranquilo e próximo à natureza durante o tratamento já pode trazer resultados surpreendentes. “Manejar o estresse e perceber que, nesse processo, haverá mais dias positivos do que negativos também é fundamental”, enfatiza o médico.

Lições do oriente

Muitas das possibilidades de viver com mais qualidade durante o tratamento do câncer se devem a conhecimentos milenares orientais. A meditação é um bom exemplo. Já na década de 1970, as pesquisas do cardiologista americano Herbert Benson – fundador do Instituto Mente/Corpo da Faculdade de Medicina de Harvard, em Boston – indicam sua eficácia no alívio dos efeitos colaterais de tratamentos químicos. Desde então, novos trabalhos vêm sendo realizados. “Também existem evidências de que práticas meditativas beneficiam a memória e a atenção, que podem ter sido prejudicadas durante o tratamento”, conta a psicobióloga Elisa Kozasa, professora na Associação Palas Athena e pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. A acupuntura, herança da medicina tradicional chinesa, é outra aliada para suportar tratamentos agressivos. Ajuda a diminuir enjoos e vômitos, pode ser usada para preservar as funções do fígado, que processa os medicamentos, e ainda acelera a recuperação. “Ela aumenta a produção de glóbulos vermelhos, que carregam o oxigênio na circulação, reduzindo a sensação de cansaço”, explica o acupunturista chinês Fang Liu, diretor da Associação de Medicina Chinesa e Acupuntura do Brasil. Os chineses se valem ainda da fitoterapia, massagens e chi kung (prática que alia a respiração a uma intenção mental, com o objetivo de fazer a energia do corpo circular). “Para a medicina chinesa, qualquer nódulo, benigno ou maligno, é formado pela estagnação de energia”, contextualiza Fang. Já o antigo conhecimento de origem indiana chamado ayurveda diria que o câncer ocorre quando há um enfraquecimento da essência vital, ou ojas. “A célula com câncer fica solitária, sem nutrição, portanto não está integrada à essência”, descreve Ma Prem Ila, terapeuta do Instituto Brasileiro de Terapias Ayurveda, no Rio de Janeiro. “O ayurveda não vai operar, mas oferecer medidas nutricionais e terapêuticas para melhorar a imunidade.” É o caso da massagem. Não faltam trabalhos indicando que, além da sensação de acolhimento, a sutileza do toque na pele diariamente ou a cada 48 horas tira o foco da dor, reduz a fadiga e colabora com a recuperação.
Nutrir o corpo
O clínico-geral americano Moshe Frenkel, referência mundial em oncologia integrativa, gosta de substituir a expressão “lutar contra o câncer” por “nutrir-se e ficar forte”. A alimentação, é claro, tem um peso importante nessa balança. Uma dieta adequada, anti-inflamatória, é de enorme ajuda no caminho da cura. Na verdade, os hábitos prescritos ao indivíduo com câncer estão muito próximos do que se recomenda para a prevenção da doença: evitar a ingestão de açúcar, carne, café, álcool e gordura saturada. “A fermentação do açúcar pode aumentar o nível de bactérias indesejáveis no intestino, bem como fungos, comprometendo o quadro clínico”, aponta Silvio Laganá de Andrade, homeopata e nutrólogo da clínica Aspin, em São Paulo. Em comparação a populações que consomem carne vermelha, a incidência de tumores é muito mais baixa entre vegetarianos, como os indianos. Eles ainda têm outro aliado à mesa: a curcumina, substância antioxidante encontrada no açafrão. Usada há milênios no Oriente, ela vem apresentando resultados positivos contra o câncer em estudos ocidentais. No prato, esse tipo de ingrediente que combate os radicais livres é muito bem-vindo. Para evitar as náuseas, outra dica do nutrólogo é apostar nos sucos verdes. Procure variar os ingredientes: couve, aipo, maçã, linhaça, espinafre, agrião, laranja e limão são boas pedidas. Mas atenção: tomar cápsulas de substâncias antioxidantes sem orientação pode inibir os efeitos de alguns medicamentos. “O uso de vitaminas é prescrito sempre visando se há compatibilidade com o tratamento”, informa Andrade. Melhorar o estado nutricional é mais uma maneira de se fortalecer. Assim como praticar exercício físico, que traz benefícios em todas as fases, diminuindo efeitos adversos e aumentando a resposta ao tratamento. “Vale inclusive nos casos em que o câncer está evoluindo”, diz Rodrigo Guimarães de Andrade, fisiatra de São Paulo. O tipo de atividade, que pode ser aeróbica, resistida ou de alongamento, deve ser avaliado a cada caso e de acordo com a disposição do paciente. 
Outro olhar
Receber o diagnóstico de uma doença grave causa grande impacto. “A primeira dificuldade é entrar em contato com a nossa finitude. E sempre vem a pergunta: ‘Por que comigo?’”, destaca Maria da Glória Gimenes, coordenadora do curso de especialização em psico-oncologia do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Antes de se perder na avalanche de emoções, é importante rever as crenças que associam câncer a sofrimento. “Não acredito que esses pacientes sejam frágeis, eles devem entrar em contato com sua força interior”, diz. Câncer é o nome de um conjunto de mais de 100 distúrbios que têm em comum o crescimento desordenado de células. Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina Complementar, José Felippe Junior, a cura passa por enxergar essas células de outra maneira. “Só consegui ter sucesso para tratar pacientes com câncer quando eu não quis mais matá-las”, diz. “São células doentes tentando sobreviver, o que elas merecem é cuidado.” Abrir-se a outros olhares significa, também, sentir como deseja viver daqui em diante. Segundo o oncologista Ricardo Caponero, de São Paulo, uma relação de confiança com familiares, amigos e com o próprio médico traz mais segurança. “Preocupe-se apenas com aquilo que depende de você, um passo de cada vez”, orienta.

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