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Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo

Um samurai estava repousando debaixo de uma árvore quando passou um monge budista. Ele não acreditava em nenhuma tradição espiritual. Era um homem duro e seco. Quantas vezes desembainhara sua espada? Quantos corpos havia mutilado? Já perdera a conta. Ao ver o monge, chamou-o e o interpelou: “Essa história de céu e inferno que vocês, budistas, contam é pura mentira. Onde fica esse céu, essa terra pura? E onde está o inferno?”. O monge o escutou atentamente e, em seguida, respondeu: “Você é um samurai muito burro e lento. Sua espada não serve para coisa alguma”. Furioso, o samurai se levantou e começou a desembainhar a espada: “Como ousa falar assim comigo?”. O monge disse, sorrindo: “Isso é o inferno”. O samurai parou e, em vez de tirar a espada da bainha, colocou-a mais para dentro. “Isso é o céu”, disse o monge. E continuou sua caminhada. 

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Há também uma analogia, que já vi manifesta em muitas tradições espirituais, incluindo o budismo. Dizem que, tanto no céu como no inferno, as pessoas estão sentadas diante de uma imensa mesa com um banquete muito saboroso pronto para ser desfrutado. Tanto no céu como no inferno, elas estão amarradas às cadeiras e têm as mãos atadas a grandes conchas e colheres. No inferno, tentam desesperadamente se alimentar. Os cotovelos não se dobram. Enchem as conchas e colheres com os alimentos mais deliciosos, mas não conseguem levá-los até a boca. No céu, a mesma mesa, os mesmos quitutes, as mesmas colheres e conchas amarradas às mãos, os cotovelos duros. Entretanto, todos estão felizes. As conchas e colheres chegam até a boca da pessoa sentada à frente. Assim, alimentando uns aos outros, estão tranquilos e alegres. É como na nossa vida. Quando somos pessoas egoicas, quando pensamos em nós em primeiro lugar, perdemos. Quando saímos do eu menor e adentramos o Eu Maior, pensando no bem de todos, ganhamos.
Aqui no Brasil, ouvi falar de um político do interior do Nordeste que havia recebido dinheiro para fazer um poço na cidade, quase morta de sede. Considerando-se muito sabido, construiu o poço em suas terras e só permitia que sua família, seus amigos e correligionários tivessem acesso à água. Suas terras foram invadidas e ele perdeu tudo o que possuía. Se houvesse aberto o poço a toda a cidade, sua família, seus amigos e correligionários também se beneficiariam, juntamente com todas as outras pessoas. Faltou-lhe o olhar maior. Estava preso na pequenez de sua mente, de um mundo que se considerava separado dos outros. Estamos todos unidos pela vida. Ao beneficiar outras pessoas, outras criaturas, estamos beneficiando a nós mesmos. A isso chamamos despertar, acordar para a mente iluminada.
Céu e inferno estão em nós mesmos. Quando entramos no mundo do ódio, da vingança, do ciúme, da preguiça, da ganância, penetramos o inferno. Sofremos e causamos sofrimento. Quando penetramos o mundo da compreensão, da sabedoria, da compaixão, do amor incondicional, adentramos o céu. Recuperamos a capacidade de apreciar a vida. Alegramo-nos e causamos alegrias a muitos seres.