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Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo
Durante alguns anos, fizemos caminhadas meditativas pelos parques de várias cidades do Brasil. Caminhávamos em fi la indiana, com solenidade e em silêncio. Às vezes, andando rapidamente; outras, bem devagar. Houve grupos com até 200 participantes. Caminhando entre árvores, lagos e outras pessoas. 
Numa manhã de domingo, fomos caminhar nos jardins do Museu do Ipiranga. Um jovem senhor, que sempre participava dos retiros de meditação sentada, se atreveu a vir. Percebi que estava um pouco incomodado com os olhares das pessoas que frequentavam o parque. 
Depois de uns dez minutos, o jovem senhor abandonou a fila e se foi. Furioso. “Que mico! Nunca mais.” Entretanto, ficou nele uma certa curiosidade. Por que caminhávamos assim? Realmente deveria ter algum valor. A presença de sentir os diferentes terrenos, as diversas temperaturas, odores. Estar presente em si mesmo. Perceber os pensamentos e os silêncios. Ouvir os pássaros e os carros. Havia alguma coisa nessa caminhada, diferente das caminhadas que realizamos conversando ou nos exercitando. 
Todas as manhãs ele costumava correr no Parque do Ibirapuera. Certa manhã, depois de correr, entrou em uma área de vegetação fechada. Não havia ninguém por perto. Sozinho, repetiu para si mesmo as instruções que eu dava antes da caminhada e se pôs a andar em plena atenção. De repente se sentiu ligado a tudo. Era uma sensação forte, doce, profunda, inebriante, extasiante. 
Ficou alguns minutos sentindo esse bem-estar e voltou eufórico para casa. A esposa o esperava com o café da manhã. A fi lha já estava terminando a refeição. Ele começou a falar de sua experiência. A fi lha se levantou da mesa. A esposa apenas disse: “É mesmo?”, e continuou suas tarefas. 
Ele me telefonou. “Monja, aconteceu. E agora? O que faço? Tenho uma reunião de negócios em poucos minutos. Como posso discutir valores quando um valor mais alto surgiu?” Ele não queria ir trabalhar. Queria continuar na sensação prazerosa. Não queria perdê-la. Disse-lhe: “Vá à reunião. Vá leve. Sem aflições. Agora você sabe. Alguns ainda não perceberam e ficam presos às teias dos relacionamentos e ganhos pequenos. Divirta-se. Faça desta a sua melhor reunião. Esteja presente. Perceba cada pessoa, sinta a cadeira, o chão, a água, o lápis. A presença absoluta que você encontrou esta manhã, no parque, não é um obstáculo. É um portal para sua vida diária”. 
Sou a borboleta. Minha primeira orientadora no zen-budismo, a Mestra Charlotte Joko Beck, costumava dizer que precisamos romper o casulo que nos separa do todo. Mas, assim como para a larva que se transformará em borboleta, há um momento certo. Podemos entrever realidades maiores do que as que estamos vivendo. Até que, libertos do casulo de uma individualidade separada, possamos voar livres.
Queremos controlar a tudo e a todos e, ao mesmo tempo, somos vítimas de tudo e de todos. Até que nos libertamos. Essa libertação é muito maior do que o voar das borboletas

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