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Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo
Certa vez, chegou a um vilarejo pequeno, na Índia, um guru. Ele se dizia pleno de poderes sobrenaturais. No centro da praça principal da cidade, onde todos o observavam,
fechou os olhos e gritou: “Passa, cão imundo. Sai já daí”. E gesticulava como se ameaçasse um cão. As pessoas se entreolharam. Não havia nenhum cão por perto. “O que foi isso, ó grande mestre?” Ao que ele respondeu: “A milhas e milhas de distância, esse cão sujo queria entrar no grande templo sagrado. Com meus poderes sobrenaturais, fui capaz de afastá-lo”. Todos se maravilharam. E o grande mestre ficou morando na cidadezinha. Era honrado por todos, dormia ora numa casa, ora noutra. Comia muito bem. Era bem cuidado. Não trabalhava e sempre demonstrava poderes que extasiavam as pessoas.
esposa do líder do vilarejo desconfiava dele. Certo dia, fez com que seu marido o convidasse para o almoço. Preparou arroz e uma grande panela de verduras cozidas com molho curry. Geralmente, na Índia, o curry é colocado em cima do arroz. Nesse dia, ela resolveu testar o guru. Pôs um pouco de curry no fundo do prato e o cobriu totalmente com os grãos do arroz.
Quando chegou o momento de comer, ela e o marido (cujos pratos tinham o curry por cima) iniciaram a refeição, e o guru, sem tocar no alimento, disse a ela: “A senhora esqueceu de me servir curry”. Ao que ela, sorrindo, respondeu: “Um homem tão ilustre, de poderes mentais tão extraordinários, capaz de ver um cão a quilômetros de distância, como não consegue perceber o curry sob o arroz?”.
Queremos milagres. Respeitamos e honramos pessoas que parecem ter esses poderes sobrenaturais. Mas o grande poder é o da vida. Silencie por uns instantes. Sinta a brisa, ouça os pássaros, as folhas das árvores ao vento. O coração humano não deixa de bater, mesmo quando estamos dormindo. Temos pensamentos, escrevemos poesias, compomos músicas, imaginamos cidades e as construímos. Poderes sobrenaturais. Não procure ganhar poderes raros, mas desenvolva os poderes naturais do ser humano.

Margot Fonteyn foi uma grande bailarina clássica do século passado. Suas sapatilhas usadas são consideradas peças raras de leilão. Caríssimas. Sapatilhas com
manchas de sangue. Antes de entrar no palco, enquanto as outras bailarinas conversavam e se arrumavam, ela se exercitava ao lado da barra. A dor nos pés nunca
a fez deixar de dançar. Tinha, sim, um fluir mágico, a capacidade de esquecer-se de si mesma, de se tornar a música, a dança, a personagem. Grandes atores, atrizes,
bailarinos, bailarinas, artistas são assim. Grandes pessoas são assim. Pessoas comuns, cujo nome não aparece nos jornais e nas revistas. Desconhecidas do grande
público. Sem se preocupar com fama nem com fortuna, vivem em plenitude, com a alegria simples de fazer o seu melhor.

Mães que praticam ser mães verdadeiras sabem deixar que seus fi lhos e fi lhas cresçam. Confiam neles.

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