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Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo
Ikkyu-san tornou-se monge muito cedo. Era considerado esperto demais e as pessoas sempre tentavam tirá-lo de seu centro de equilíbrio. Certo dia, sabendo que ele gostava muito de peixe assado, um senhor o convidou para orar em sua casa. Terminada a oração, ofereceu a ele uma refeição, como era de praxe, e colocou o peixe saboroso bem à sua frente. Ikkyu-san fez rapidamente a prece de agradecimento e começou a comer o peixe.
As pessoas à sua volta comentavam: “Mas é um monge. Está quebrando o preceito de não matar. Isso não está certo”. Ikkyu-san continuava comendo alegremente.
Até que alguém, não aguentando mais, falou em voz alta: “Monge, o que é isso? Comendo peixe?”. E o pequenino Ikkyu, sem titubear, respondeu: “O peixe está virando monge”. Não nos tornamos o que comemos, mas o que comemos se torna nosso corpo e nossa mente. A questão é: sabemos retribuir a toda a vida do Universo com a nossa vida? Somos sustentados por tudo o que existe. Não existe nada separado.
Há um monge vietnamita chamado Thich Nhat Hanh. Atualmente ele mora em Borgonha, na França, onde lidera num grande mosteiro. Eu o conheci quando visitou os Estados Unidos, no início da década de 1980. Meu mestre de ordenação, Maezumi Rôshi, o recebeu como hóspede. Eu era a assistente pessoal de Maezumi Rôshi no
Zen Center de Los Angeles. Sabendo que o mestre vietnamita havia chegado, meu mestre pediu que eu fosse cumprimentá-lo em seu nome e o convidasse a vir conversar
sobre as atividades.
Durante a conversa, ele se mostrou interessado em adquirir um sino de bronze japonês (…). Ele escolheu um sino e deu o endereço para onde deveria ser enviado.
Meu mestre, Maezumi Rôshi, esperava que a comunidade de lá pagasse pelo sino. Qual não foi sua surpresa quando a conta chegou à nossa comunidade? Mestre Thich
Nhat Hanh pensara que era um presente. E assim se tornou. Maezumi Rôshi, apesar das dificuldades financeiras por que passávamos, nunca cobrou o sino.
Esse episódio me faz pensar em mim mesma. Teria eu cobrado se não pagassem? Além disso, pensei como é difícil acessar esse nível de desapego. Mesmo quando damos um presente a alguém, damos de verdade? Ou queremos ver onde o colocaram, se o apreciaram ou não. Minha mestra, Aoyama Rôshi, nos contava como ela percebeu sua mente pequena. Ao dar uns papéis de dobradura a uma amiga, esta disse que iria dá-los a outra pessoa. Num primeiro momento, Aoyama Rôshi ficou brava: “Como? Depois de todo o trabalho que tive, você vai dar a alguém?”. Sendo uma praticante dos ensinamentos, logo percebeu sua pequenez. Não estava dando de verdade.
Não é surpreendente? As pessoas costumam oferecer objetos querendo também controlar seu uso. A intenção sem intenção é o caminho dos seres iluminados

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