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A fina arte de errar

Mais uma queda ou a chance de sair fortalecido? A monja budista tibetana Pema Chödrön prefere enxergar os eventos dolorosos como mestres que nos ensinam a cair e levantar sucessivas vezes

Pema Chödrön – Divulgação
“Falhe. Falhe de novo. Falhe melhor”, instiga Samuel Beckett (1906-1989). A desafiadora proposta do dramaturgo e escritor irlandês resume a certeza da monja Pema Chödrön. “Todos nós realmente precisamos aprender a falhar bem”. Mas como aceitamos nossos deslizes em um mundo que vangloria o sucesso? 
“Não nos preparamos para as falhas porque almejamos que tudo saia do jeito que queremos. Apreciamos a sensação maravilhosa que o bem-suceder nos traz”, ela sublinha. Cedo ou tarde, no entanto, a “crueza da vulnerabilidade” nos encontra. Algo sai do controle e nos frustra, decepciona, fere. É aí então que a educação contemplativa oferece boa parcela de conforto. Aquietar a mente no recolhimento é uma maneira amorosa de sentir como as adversidades nos impactam nas partes mais profundas de nós mesmos. “A meditação auxilia o indivíduo a assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo e a encontrar recursos para lidar com a dor”, afirma Pema.
Certa vez, ela mesma visitou o fundo do poço. Perdida e amedrontada, foi buscar a ajuda de seu mestre, Chögyam Trungpa Rinpoche. Muito rapidamente, ele a aconselhou: “Levante-se, porque a opção de permanecer entregue equivale à morte”. Para ilustrar seu raciocínio, o religioso pediu que ela se imaginasse submersa no mar. À certa altura, ela deveria se erguer e caminhar em direção à praia – caso contrário, seria o fi m. Mas daí uma onda certamente viria derrubá-la. Ela cairia de novo no fundo do oceano, atordoada. Novamente, ela teria a chance de permanecer entregue ou se levantar e caminhar. 
Mas o mar não para de mandar onda atrás de onda. O que fazer? Colocar-se de pé e cair à exaustão? “Permaneça cultivando a coragem e o senso de humor em relação à realidade das ondas e assim continue levantando e avançando”, ensinou o mestre. Se persistir, ele continuou, “perceberá que as ondas parecerão menores a ponto de não mais derrubá-la”. Pema, então, compreendeu que ser nocauteada pelo mar sucessivas vezes era uma forma de aprender com a natureza a se fazer mais forte a cada tentativa. Nesse ponto da jornada, garante a religiosa, estamos prontos para lidar com o sentimento de fracasso ao invés de soterrá-lo em algum canto escuro do peito. Culpandose pelo infortúnio ou colocando a culpa em alguém. “Somente quando sentimos a crueza da vulnerabilidade em nossos corações conseguimos verdadeiramente nos conectar com nossos semelhantes e com a nossa humanidade”, ensina a monja. A dor, então, se mostra propulsora do crescimento interior e da capacidade de seguir em frente. 
“Nossas melhores qualidades provêm desse lugar porque ele nos obriga a nos desarmar e nos abrir. Falhar, então, torna-se solo fértil ao invés de mais um tapa na cara”. As ondas que insistem em nos atingir podem ser até maiores do que suas antecessoras. Entretanto, teremos aprendido a surfá-las. Mesmo que o sofrimento ainda machuque, somos capazes de reconhecê-lo como parte inescapável da experiência humana. E isso, de alguma forma, nos pacifica.

Também conhecida como Deirdre Blomfield–Brown, Pema Chödrön nasceu em Nova York, Estados Unidos, em 1936. Por muitos anos lecionou na educação infantil antes de se tornar, em 1981, monja budista na tradição vajrayana tibetana da linhagem de Chögyam Trungpa. Desde 1984, é professora no centro monástico Gampo Abbey, um monastério em Cape Breton, no Canadá. Sua missão continua sendo a de estabelecer a tradição monástica no Ocidente. Tem dois fi lhos, dois netos e dezenas de livros publicados pelo mundo. No Brasil, saíram a Beleza da Vida: a Incerteza, a Mudança, a Felicidade, Quando Tudo se Desfaz, Sem Tempo a Perder e O Salto, todos publicados pela Gryphus Editora. Mais informações: pemachodronfoundation.org.

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