Feliz de quem já experimentou o êxtase provocado por uma obra de arte. Nesse raro momento, nos sentimos inteiros. Preenchidos e permeáveis. Porém, o mundo instantâneo e veloz em que vivemos está minando nossa capacidade de parar, silenciar e apreciar o belo. Quem emite esse alerta é a ensaísta e crítica cultural norte-americana Camille Paglia, que no mês de setembro esteve em São Paulo para participar do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento.
Além de enriquecerem o campo estético, as criações artísticas, segundo a estudiosa – que é ateia, mas considera indispensável o conhecimento das grandes tradições espirituais para a boa formação do indivíduo –, suprem a fome do espírito. “A arte é transcendental porque nos toca e nos transforma”, ela entende. E vai além: “A atitude contemplativa acalma o cérebro e nos conecta a partes mais profundas do nosso ser. Quando nos abrimos para essa possibilidade, recebemos uma energia tremenda, como ventos da natureza que nos expandem e nos levam a compartilhar experiências, unindo a humanidade”.
O desafio, ela reconhece, está em abrir espaço para a contemplação no cotidiano dos grandes centros urbanos, “asfixiado” pelo excesso de estímulos. Mas, por mais difícil que seja modificar hábitos, esse respiro é fundamental e urgente, ela frisa. Em seu novo livro, Imagens Cintilantes – Uma Viagem Através da Arte desde o Egito a Star Wars (ed. Apicuri), a intelectual resgata a aura de encantamento das produções simbólicas através dos séculos. Como uma monitora cheia de entusiasmo, ela promove um passeio povoado de figuras inspiradoras: pinturas, esculturas, estilos arquitetônicos, performances, artes digitais e cinema. Tamanho empenho em se fazer envolvente se deve, sobretudo, à preocupação suscitada pelo comportamento dos mais novos. “Os jovens concederam sua lealdade à tecnologia, simbolizada por seus iPhones com seus múltiplos aplicativos e funções”, ela critica, enxergando nessa “adoração” digital da energia criativa e da engenhosidade, como também um estreitamento da compreensão dos fenômenos que nos cercam.
Enquanto milhares de cabeças pendem sobre telas portáteis, as obras de arte são um convite para que a subjetividade dos artistas desperte a nossa própria sensibilidade. Sem esse recurso, fica difícil refletir sobre as grandes questões da existência: os sentidos da vida e da morte, a verdadeira liberdade, a qualidade dos relacionamentos humanos etc. Itens básicos de sobrevivência em tempos de pouca elaboração interna e muitas demandas externas. Produzir, cumprir, aparentar, ter e mais ter. Uma “corrida maluca”, nas palavras da intelectual, que desemboca num grande vazio, segundo ela, gerador de angústia, nervosismo e infelicidade.
Com tanta distração ao redor, Camille não recomenda outro remédio senão olhar para dentro e ali encontrar respostas afinadas às sutilezas da alma. Tendo a arte como conselheira, claro.
Uma das intelectuais mais influentes da atualidade, Camille Paglia nasceu em 1947, em Endicott, no estado de Nova York, Estados Unidos. É ph.D. em língua inglesa pela Universidade de Yale. Desde 1984, é professora de humanidades e estudos midiáticos na Universidade de Artes da Filadélfia. Principal teórica do pós-feminismo (vertente contrária à mulher profissional que renega a importância da maternidade), é conhecida pelas opiniões contundentes e polêmicas acerca da cultura e do comportamento contemporâneos. Publicou diversos livros, entre eles Personas Sexuais e Sexo, Arte e Cultura Americana, ambos pela Companhia das Letras. facebook.com/CamillePagliaAuthor.