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Rabino reflete sobre as posturas que devem ser abandonadas para o espaço estreito

Assim como o bebê deixa o aperto do útero para conhecer a largueza do mundo, de tempos em tempos precisamos de coragem para sair do lugar estreito e conhecer novos cenários

Nilton Bonder – Divulgação

Quantas vezes ao longo da vida somos obrigados a admitir que um lugar adorável um dia o deixou de ser? Aquele emprego, antes desafiador e estimulante, passa a nos limitar e aborrecer. Uma relação rica em trocas afetivas, passa a acrescentar pouco ao momento presente. No livro A Alma Imoral, o rabino Nilton Bonder reflete sobre as possíveis posturas que podemos ter quando a alma precisa abandonar o espaço estreito para se dirigir a um outro mais fértil de possibilidades. A metáfora que ilustra esse momento é a saída dos hebreus do Egito, liderados por Moisés, passagem descrita no Velho Testamento. “Trata-se de um símbolo de movimento ativo para deixar a escravidão rumo à liberdade”, escreve Bonder. Só que a fuga não é nada fácil. 

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O povo judeu se vê encurralado. De um lado as tropas do faraó. De outro, o mar. O que fazer? Na visão do rabino, não há como escapar do impasse. O corpo, ligado à autoproteção e à perpetuação das coisas como elas são, teme e estaciona. Por outro lado, a alma, nossa porção visionária e transgressora, é atraída pelo oceano do desconhecido. É aí que, de acordo com os ensinamentos chassídicos – corrente do judaísmo dedicada à realização pessoal e espiritual –, quatro comportamentos vêm à tona. Os hebreus se dividem em quatro acampamentos. O primeiro cogita retornar ao cativeiro no Egito, ou seja, render-se ao hábito. “O que pressupõe voltar a uma vida estreita e em conformidade com a realidade e com as limitações que ela impõe”, comenta o religioso. O segundo aglomerado opta por lutar. “Prevalece a crença de que se poderá fazer do próprio lugar estreito um lugar mais amplo.” Mas, os que pensam assim deixam de considerar que a estreiteza e a amplidão são percepções internas, mais do que realidades externas. Já o terceiro acampamento, em desespero, resolve jogar-se ao mar. “É a entrega do corpo na descoberta de que a alma propiciou um limbo insuportável em que não há mais o passado que o definia nem lhe é permitido um novo futuro que o redefina.” 
Por fim, o quarto grupo decide orar. Apela para a passividade. Segundo Bonder, nenhuma dessas reações representa o futuro e a saída. “Todas são variações sobre a hesitação e a vacilação.” A fala de Deus é: “Diga a Israel que marche”. Sabemos que as águas do Mar Vermelho se abriram para que o povo hebreu pudesse passar. Mas, eles tiveram que primeiro avançar mar adentro. E só quando a água cobria o nariz é que o milagre se deu. Para o rabino, a lição dessa imagem é ter fé para chegar aonde não dá mais pé. Pois, enquanto tivermos contato com o solo seguro, tenderemos a permanecer onde estamos. “Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem pelo vazio que magicamente se concretiza em chão sob os nossos pés. O que não existia passa a existir e um novo lugar mais amplo se faz acessível.”