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Conte outra vez

Estudioso dos contos de fadas, o austríaco Bruno Bettelheim ajudou gerações de pais a perceber e respeitar a importância dessas narrativas para a formação do rico universo interior infantil. Por meio delas, os pequenos compreendem melhor a si mesmos e ao mundo

Bruno Bettelheim – Santi Visalli – Contributor/ Getty Images
Os primeiros livros que marcaram o psiquiatra e educador Bruno Bettelheim foram os contos de fadas lidos por sua mãe e que depois ele passou a ler sozinho. O impacto deve ter sido grande pois, como declarou já idoso, não fosse assim “não teria passado anos tentando aprender seus significados psicológicos para as crianças”, trabalho que lhe exigiu uma releitura cuidadosa de grande parte dessa produção realizada em todo o mundo. 
No livro A Psicanálise dos Contos de Fadas (ed. Paz e Terra), Bettelheim diz que “pais que desejem aprofundar sua relação com os fi lhos poderão fazê-lo lendo para eles”. E complementa: “Leitura e tempo andam juntos. Quando se leem contos de fadas para crianças, elas parecem fascinadas. Mas, muitas vezes, não lhes é dada a oportunidade para contemplar os contos ou para reagir; elas são imediatamente arrebanhadas, ou para outra atividade ou história diferente, o que dilui ou destrói a impressão que o conto criou”. Se estimuladas a submergir na atmosfera que a narrativa cria, todo um florescimento se coloca em curso. “Quando são encorajadas a falar no assunto, conversas posteriores revelam que, emocional e intelectualmente, a história lhes oferece muito.” 
O educador recomenda que os pais comecem lendo para os filhos um conto de que eles próprios gostavam quando pequenos. “Se a criança não mostra entusiasmo pela história, significa que os motivos e temas não evocaram nela uma resposta significativa nessa altura da sua vida. Melhor então contar-lhe outra história na noite seguinte. Depressa se saberá que determinada história se tornou importante para ela, quer pela sua resposta imediata, quer por pedir que contem mais e mais vezes.” 
A recontação da história, aliás, faz a criança aproveitar plenamente o que a fábula tem para lhe oferecer sobre a compreensão de si própria e do mundo. Ao lhe perguntarem se não era terrível para as crianças ver personagens que matam, que são jogados em poços cheios de serpentes, devorados por dragões ou por lobos, ele lembrou que, nesses contos, “a morte jamais é real, ela é simbólica: a morte em vida. As irmãs da Gata Borralheira têm os olhos cegos no final, o que significa que por preferirem os belos vestidos ao trabalho e à virtude interior, não viverão na realidade do coração e não triunfarão no amor. Só o amor, o príncipe encantado, pode despertar a Bela Adormecida, quando o tempo tiver passado e ela estiver finalmente pronta para o amor maduro”, exemplifica. Já na fábula da Chapeuzinho Vermelho, segundo Bettelheim, como “a menina e a avó saem vivas da barriga do lobo, a morte era só uma maneira de dizer que elas tinham cometido um erro: a Chapeuzinho, ao dar atenção à conversa do lobo (o sedutor), e a avó, ao abrir-lhe facilmente a porta, sem saber defender-se nem defender a neta de suas manipulações. Mais tarde, elas terão a sabedoria dos que nascem duas vezes, dos que ‘renascem’ depois de uma crise existencial e se dão conta de que foi sua própria natureza que provocou a crise”. 
Pioneiro no tratamento dos distúrbios mentais de crianças, Bruno Bettelheim (1903-1990) nasceu em Viena, Áustria, onde viveu toda a era de Freud. Doutorou-se pela Universidade de Viena e em seguida foi internado pelos nazistas nos campos de concentração de Dachau e Buchenwald. Libertado, emigrou para os Estados Unidos e lá se fi rmou como pesquisador, professor e psicólogo na Universidade de Chicago. Baseava suas técnicas terapêuticas em brincadeiras, no amor e nos contos de fadas, tema de sua obra mais famosa. Não gostava da denominação “contos de fadas”, contudo. “Pois em muitas das histórias não há o ser sobrenatural que implica essa palavra. Tem bem mais animais ou velhos sábios.” 

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