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Mônica Manir – Paulo Santos

Foi por um contratempo, uma rodinha de mala quebrada, que percebi o que poderia ter passado batido: um homem vestido como executivo, sentado numa avenida agitada de Madri, anunciava não ter o que comer porque lhe faltava trabalho. Tinha dobrado as barras da calça e colocado um pé de sapato de cada lado do caixote no qual se apoiava sobre o cóccix. As meias finas tocavam um papelão pardo, da mesma cor do papelão que anunciava a ausência de emprego. O olhar era vago. Parecia ter sido um longo dia de caminhada atrás de uma oportunidade, e o homem, por fim, se quedara. Na Calle Princesa, deixou o orgulho de lado e confessou a necessidade. Durante o tempo que fiquei ali, uma ou outra moeda de ouro/euro tilintou no pote de plástico a seu lado. O rei estava nu. Mas pouca gente percebeu – ou se apiedou dele.

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Por respeito, não saquei uma foto. E talvez por isso aquela imagem tenha resistido. A sociedade espanhola ainda está abatida pela crise econômica, pensei. Mas, mais que adicionar
uma refl exão sobre as finanças do país, decidi que devia mudar algo essencial na estrutura da viagem: o ritmo. Dali em diante, fingi que caminhava com uma mala de rodízio quebrado. Ia
parar de vez em quando para olhar a esmo e me recuperar do esforço de carregar um peso. Outros registros poderiam acontecer. Melancólicos ou felizes, não deviam ser desperdiçados pelo passo frenético.

Porque o peso era justamente a pressa. Ou uma agenda-armadilha, planejada com o fim de ticar os passeios “imperdíveis” de um guia turístico. Para dar conta de tudo, eu precisava ser ligeira. Além disso, Madri era a quarta metrópole seguida no roteiro. E, sabemos, lentidão não costuma acertar os ponteiros com cidade grande. A palavra “devagar” passou a soar
internamente, mas tudo nessa linha carregava certo contorno pejorativo. “Aquela pessoa é devagar, quase parando”; “A conexão da internet está lenta”; “Esse sinal demora para abrir”. Até Chico Buarque apareceu em sonho para me acelerar: “Corro atrás do tempo / Vim de não sei onde / Devagar é que não se vai longe”.

Pois estaquei algumas vezes. No Museu do Prado, sentei perto de uma roda de crianças, que olhavam sem pressa os detalhes de um Velázquez fora do roteiro dos mais concorridos. Alguém na rua desenhou uma bicicleta no cimento molhado. Um cartaz anunciava uma manifestação contra zoológicos. Uma mulher que pedia emprego pediu que uma balconista tomasse conta do seu cartaz enquanto ela ia ao banheiro público.

Domenico de Masi, no recente Alfabeto da Sociedade Desorientada, tem um capítulo só para a palavra “slow”. Não é de surpreender para quem prega o ócio criativo. Vale o registro de um trecho: “Slow significa sorver a vida com competência em vez de emborcá-la com superficialidade. Slow é arte e profi ssão, emoção e regra, imaginação e concretude. Slow é dotação de sentido”.

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