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O silêncio entre dois pensamentos

Em vez de chegar a algum lugar, ir para lugar nenhum. Esse é o convite de um celebrado escritor especializado em viagens e que descobriu na quietude um dos mais belos portos

O silêncio entre dois pensamentos – Eydis Einarsdóttir
Observe as imagens desta reportagem com o máximo de vagar que conseguir. A ideia é que elas funcionem como uma pausa, um respiro no meio de tantas demandas que o dia impõe. Como elas oferecem pouco estímulo visual, pode-se dizer que descansam quem as vê. Exatamente como pretende o novo e inusitado livro de Pico Iyer, ensaísta da revista Times, colaborador de diversos jornais internacionais e autor de uma série de volumes sobre viagem. Em A Arte da Quietude – Aventuras Rumo a Lugar Nenhum, lançamento da TED Books, o autor britânico, que já percorreu caminhos tão diversos quanto a Ilha de Páscoa, a Coreia do Norte, o Nepal, o Vietnã, o Tibete, a Argentina, o Japão e a Islândia, sugere que o verdadeiro luxo, hoje, é ter uma chance de ficar parado para absorver o silêncio. Quando tinha 29 anos, já proprietário de tudo o que precisava para uma vida estável, incluindo um apartamento na abastada Park Avenue, em Nova York, ele sentiu que, por mais que tantos paradeiros o atraíssem, não conseguiam mais surpreendê-lo ou desafiá-lo. “O movimento mais rico estava na quietude”, escreveu. Buscou, então, temperar o agito nova-iorquino com uma dose de Quioto, antiga capital japonesa. Nesse período, “todos insistiam que o importante na vida era chegar a algum lugar, e não a lugar algum”, mas neste último aconteceria o encontro necessário.
A beleza da mansidão o tinha conquistado. “Ela está ao alcance de todos. Se você é uma mãe ocupada com dois filhos, se está preso no trânsito ou se é um banqueiro de investimento em Wall Street, ainda assim você tem a chance de dar um passo para trás, recuperar o fôlego e tentar lembrar para que está aqui. Exatamente o que perde se você está tentando fazer muitas coisas ao mesmo tempo”, respondeu a BONS FLUIDOS. Quanto mais ocupado você é, frisa o autor, mais essencial se torna parar e lembrar-se para onde você quer ir e como chegar lá. “Como observou o filósofo chinês formado em Harvard, Li Yutang, é difícil para o homem ocupado ser sábio, e ainda mais raro para um homem sábio ser ocupado.” Para essa compreensão, ajuda estar em um cenário que incentiva à contemplação: um lugar tranquilo pode despertar um interior tranquilo. Mas, segundo Iyer, e isso é o mais cativante em sua obra (de onde as imagens destas páginas foram extraídas), em um mundo veloz como o de hoje, nada é mais revigorante do que ir devagar. “Não é coincidência que o Google dá aos seus trabalhadores 20% do seu tempo livre pago. É para que eles possam chegar a ideias criativas quando não estão olhando para suas mesas”, exemplifica. “Também não é à toa que o TED [grupo que se dedica a convidar palestrantes do mundo inteiro com ideias que valem a pena ser compartilhadas] convide cada membro de sua equipe para dar a si mesmo o prazer de dedicar-se a uma paixão toda quarta-feira, em vez de ir para o escritório, ou que os principais escritores sobre tecnologia tomem cuidado para não ter um smartphone ou laptop ou TV em suas casas – é assim que eles podem escrever com clareza e paixão.”
Recentemente, Iyer viajou por vários lugares do Japão com o dalai-lama. “Ele podia estar em um enorme auditório, aeroporto ou shopping, mas sempre parecia calmo, recolhido. Estou lembrando isso no dia em que outro líder religioso, o papa Francisco, está nos visitando em Manhattan, e ele também parece estar em paz e à vontade – talvez porque, embora seja um dos homens mais ocupados do planeta, ele nunca usa um celular e não fica online o tempo todo”, reflete o autor. Segundo ele, seria maravilhoso se, como o dalai-lama, cada um de nós pudesse forçar a si mesmo a despertar às 3h30 e fazer quatro horas de meditação antes mesmo de tomar o café da manhã. Se você não tem tempo e recursos para isso, no entanto, é suficiente sentar-se calmamente durante 30 minutos todos os dias, sem fazer nada. “Esse espaço de tempo, que representa 3% do nosso tempo de vigília, pode transformar e iluminar os outros 97%”, garante Iyer. O escritor viajante admite que adora fazer retiros (aliás, uma das partes saborosas do livro fala de seu encontro com o músico Leonard Cohen, num mosteiro), mas garante que o que realmente faz a diferença não é o lugar, e sim a sua decisão de fazer uma pausa. “Não estou sugerindo que viajar seja desnecessário; sempre preferi curtir a quietude nos cantos ensolarados da Etiópia ou de Havana. Só é bom lembrar que o espírito pode nos levar tão longe quanto o físico. Henry David Thoreau, um explorador do século XIX, relata em seu diário de viagens: ‘O mais importante não é a distância para onde você viaja, e sim quão vivo está’.”
“Às vezes, nessa viagem para dentro, algumas más recordações, medos e tristezas vêm à tona; temos demônios dentro de nós, assim como anjos. Quietude não é tudo doçura e luz; envolve, afinal, honestidade. Acontece que eu acho que sempre vai ser melhor olhar para os nossos anjos, que de outra forma se esquecem de aparecer, do que ficar olhando para os nossos demônios, que se elevam até serem negligenciados”, filosofa. Iyer faz questão de dizer isso tudo como um escritor de viagens que gosta de aproveitar ao máximo o fato de que o planeta nunca esteve tão aberto às idas e vindas. “Viagens nos dão vistas, ampliam horizontes. Por mais belas que sejam as paisagens, contudo, apenas um mergulho interno nos permite transformar, de fato, essa mirada em insight. A viagem nos permite decorar a vida, a quietude nos dá a estrutura, a fundação.

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