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O colunista Carlos Sandano – Divulgação

“Deus descansa, mas não dorme!”, diz dona Francisca, minha faxineira rezadeira, enquanto seguimos com amigos pela estradinha de terra à procura da tal fazenda onde acontece “a oraçãozinha de rezar”. “É logo ali”, ela afi rma. “Ali” de mineiro, que sobe e desce morro, vira à direita e à esquerda, mas (ufa!), fi nalmente chega. Na sala da fazenda, o povo, compenetrado, começa a celebrar o querido São João rezando um terço desde o pôr do sol. Quando a oração termina, cada um acende a sua vela e caminha com ela na escuridão da noite, numa cantoria sagrada em direção ao vilarejo Lagoinha de Fora, em Lagoa Santa (MG). Na noite limpa de junho, essa procissão é de uma beleza sem fim. Sob as estrelas do céu, as pessoas viram estrelas na Terra. Na vila, os homens mais fortes se juntam e erguem um mastro de madeira com a fi gura do santo na ponta, toda fl orida. Aplausos, “Viva São João”! Começa a festa com fogueira, sanfoneiro e outras doçuras, como canjica e batata-doce. “Acende a fogueira do meu coração”! Lá vem a quadrilha. 

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Na casa de uma comadre, dona Francisca, que é muito “absoluta” (determinada, em “mineirês”) se apressa com as simpatias. Superstição? “In-ten-ção”, ela responde. “A gente tem de seguir o exemplo desse santo! Batizar (abençoar) cada instante, anunciar o bem (ou a vinda do Deus menino) e acender a fogueira (ou enxergar as respostas do coração)”. Para isso, Francisca anota em tiras de papel algumas boas intenções  como “ajudar fulano”, “se apreciar mais” e “tomar tal decisão”, enrola cada uma e joga numa vasilha com água. O papel que se abrir primeiro revelará o próximo passo do caminho. Francisca ainda guarnece a casa com a bênção do santo: “colhe o primeiro ramo orvalhado que encontrar ao clarear do dia de São João e passe-o pelo corpo ou pelas paredes da casa, pois ele ajuda na cura das dores e dos dissabores”, ensina. Mais outra: “pega um galhinho de louro, que chamusca rápido no fogo. Depois, coloca-o sobre um vaso, ou no jardim, fazendo uma pergunta importante. Se no dia seguinte o ramo estiver perfeito, a resposta será ‘sim’, mas, retorcido, significa ‘não’.” E continua: “João batizava os fiéis no Rio Jordão, daí o nome João Batista. Por isso, é bom tomar um banho (um novo batismo) na madrugada do dia 24 de junho ou mergulhar a imagem do santo numa água pura, pedindo a renovação da vida”. 
Lá pelas tantas, nos despedimos. “Adeus, vilarejo, vamos embora, não somos daqui, somos lá de fora”. Em casa, dormi um sono de menino e sonhei com São João criança, que chegou com um cordeirinho ao lado e dois presentes. Em uma mão, ele segurava o Sol; na outra, uma estrela, e me pediu para escolher. Foi então que ouvi, em sonho, a voz de dona Francisca: “Merece (escolher), mas não carece”. Na hora, entendi a importância da luz que cada um carrega. O sol é a verdade do coração e mostra o caminho. A estrela é a fé que clareia os momentos de escuridão. Apontei para os dois, acho que acertei, o menino santo sorriu feliz. Obrigado, São João! Muito obrigado!