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Sagrado é cuidar do mundo

O que desejarmos aos nossos filhos estenderemos aos nossos semelhantes. E, nessa onda humanista, o planeta vai evoluir. O anseio parte do filósofo francês Luc Ferry, que considera o amor ao próximo o grande princípio da atualidade

Luc Ferry – Cleber Passus
“Vivemos a revolução do amor, e essa é a melhor notícia do milênio”, anuncia o filósofo francês Luc Ferry, otimista convicto e autor de A Revolução do Amor
(ed. Objetiva). Segundo esse estudioso da contemporaneidade, viver sob o comando do coração só tem sido possível graças à liberdade conquistada pelas democracias
ocidentais. Se não somos obrigados a seguir dogmas políticos ou religiosos, somos livres para amar nossos familiares, amigos e semelhantes e, a partir do que aprendemos com esses laços, expandir nossa relação com o mundo e com o sagrado.
Entre as muitas formas de amar, Ferry identifica no amor ágape o ápice. Na teologia cristã, essa categoria vai longe, chegando a incluir o apreço pelos adversários.
“Durante muito tempo, quando eu era criança e ia ao catecismo, não compreendia o que poderia querer dizer esse pretenso amor pelo inimigo”, confessa. Adiante, o adulto, enfim, assimilou a mensagem de Cristo. “Trata-se de um sentimento que nos conduz a continuar, apesar de tudo, reconhecendo o homem por trás do monstro e tratando-o sempre humanamente, ainda que resistindo a ele”, define.
Esse amor zela pelas futuras gerações. Que mundo temos a responsabilidade de deixar para os que amamos? Somos capazes de frear o imediatismo capitalista para cuidarmos do longo prazo? Ferry acredita que, a exemplo dos movimentos ambientalistas, nossas escolhas já estão se pautando por essa diretriz. “Nossos projetos políticos, agora orientados pela preocupação com as gerações vindouras, bem como nossa crescente sensibilidade às questões planetárias, traduzem, na vida coletiva, a mudança de perspectiva trazida pela revolução do amor.”
Quantas ações voluntárias se prestam, hoje, a “consertar” o mundo para que o amanhã possa existir em melhores bases? Milhares. Na visão do filósofo, todas elas
representam a expressão mais genuína da nossa humanidade. “A ideia de que não podemos ser insensíveis às tragédias que se abatem sobre outros povos, por mais que seus modos de vida sejam diferentes dos nossos, é consequência do fato de o sentimento amoroso ter desabrochado como nunca em nossa vida privada.”
O amor que brota na esfera íntima e transborda rua afora deixa de ser um princípio abstrato e passa a ser percebido como caminho de transcendência, ou, se preferir, como um tipo de espiritualidade que independe de religião. Tiramos o foco das nossas necessidades pessoais e encontramos o mundo, tão carente de contribuições. Diante da possibilidade de plantar algo bom, o egocentrismo se enfraquece. E as causas maiores viram guias.
O que estamos vivendo no plano coletivo, ressalta Ferry, não é o esvaziamento da política; é, ao contrário, o surgimento de uma nova instância muito mais poderosa,
por ele chamada de “sagrado com rosto humano”. “Escolher para todos as orientações que julgamos serem as melhores para nossos próprios filhos é partir de um critério bastante confiável na busca de soluções mais justas e generosas.”

Nascido em Paris em 1951, o filósofo e cientista político Luc Ferry é um dos principais defensores do “humanismo secular” – visão de mundo que se contrapõe à religião, por conta de seu compromisso com o uso da razão crítica em lugar da fé na busca de respostas para as questões humanas mais relevantes. Foi professor universitário e ministro da Educação na França de 2002 a 2004. Atualmente se dedica aos livros, alguns traduzidos no mundo todo. É autor de mais de uma dezena de obras, entre elas, Aprender a Viver – Filosofia para os Novos Tempos (Objetiva), Do Amor – Uma Filosofia para o Século XXI, O Que É Uma Vida Bem-Sucedida?, O Anticonformista: Uma Autobiografia Intelectual, estes pela editora Difel.

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