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Tudo às claras

A visão distorcida da realidade pode nos levar à estagnação e ao sofrimento. Sair do escuro em que a sociedade e nós mesmos nos colocamos liberta

Malga Di Paula – Cadu Pilotto

Há uma necessidade visceral nas pessoas por encontrar caminhos abundantes e repletos de felicidade. O grande problema é que a maioria delas tem medo de se aventurar em busca de tal destino, preferindo percorrer sempre as mesmas rotas. Pois, por serem conhecidas, se tornam aparentemente mais fáceis e seguras. 

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Quando saí do interior do Rio Grande do Sul, minha intuição me fez optar por vias surpreendentes, que me desafiassem o olhar e a compreensão. Eu vivia em um vale distante, cuja realidade se resumia a um horizonte muito próximo – tudo o que houvesse além dele era um mundo por descobrir e que me atraía –, e queria mais. 
Ao puxar pela memória daquele tempo, me ocorre agora o mito da caverna de Platão, que trata da libertação da condição de aprisionados por meio da busca da luz da verdade. Com essa metáfora, o filósofo grego tece a teoria, uma das mais importantes da filosofia, de que o conhecimento possibilita captar a existência do mundo sensível (dos sentidos) e do mundo inteligível (razão). O mito fala de prisioneiros que nasceram na caverna e que viviam acorrentados. Eles miravam apenas o fundo da gruta, onde sombras de pessoas, animais, plantas e objetos eram projetadas. Nada era real. Apenas ilusões. E que levavam a uma determinada conclusão.
 Eu poderia me acomodar e continuar analisando tudo por meio dessa ótica um tanto restrita. Ou sair da caverna. Como fiz. Acreditei profundamente na frase de um velho monge, de quem não me lembro o nome, que dizia “Anda e o caminho se abrirá. Mesmo com uma parcela de insegurança diante do desconhecido e o risco embutido de decepções e infelicidade, lá fui eu. Não há como ter certeza do que vem pela frente. Apenas coragem de dar os primeiros passos. 
O mais importante, no entanto, é que não estamos acorrentados como os escravos da caverna de Platão. Se somos reféns de algo, é, em grande parte, de nós mesmos. Da nossa paralisia face ao diferente. Lembro disso sempre que preciso renovar a dose de coragem para seguir em frente. Foi nessa possibilidade que me refugiei todas as vezes que senti a dor do fracasso ao longo da vida. Prefiro arriscar um novo caminho a viver presa em uma realidade infeliz e que não me proporcione a completude como ser humano. 
Desde que me lancei além das montanhas da minha infância, carrego comigo a certeza dos meus sonhos e das minhas metas. São como bússolas que me guiam. Com esse apoio, tracei e percorri, admito, rotas ímpares – os caminhos existentes só me levariam até onde outros já haviam estado e não bastavam para mim. Queria exercer o direito de ter uma história que fosse só minha. Tenho a certeza de que essa decisão me salvou, caso contrário eu estaria para sempre à margem de mim mesma. Pode não haver um único caminho certo, mas manter claros os nossos valores e o que estamos dispostos a fazer por eles é um grande norteador do nosso futuro. A caverna não é a realidade do mundo.