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Receita de muitos e muitos anos

O médico Luís Carlos Silveira, mentor do Kurotel Centro Médico de Longevidade, em Gramado, dedicou páginas e páginas do seu livro A Ciência da Cura (ed. Gente) para tratar do envelhecer saudável

Receita de muitos e muitos anos – Michaeljung / Shutterstock
Todo mundo está acostumado à pergunta: “O que você quer ser quando crescer?”, feita quando ainda estamos aprendendo as primeiras conjugações verbais. Mas “o que você quer ser quando envelhecer?”. Ao fazer essa segunda pergunta, o clínico geral e especialista em nutrologia Luís Carlos Silveira dá outra dimensão ao passar dos anos, muito mais apropriada às transformações que estamos vivendo. Segundo ele, não é mais uma mera possibilidade viver mais, é praticamente uma certeza. E como será esse envelhecimento? O que a medicina pode fazer para colaborar nesse sentido? “O poeta Mario Quintana, um paciente especialíssimo, brindou-me com uma frase que tenho
até hoje emoldurada em meu consultório: ‘O ideal da medicina é fazer os doentes morrerem com saúde’”, lembra o dr. Silveira, que, ao longo de sua vida profissional, vem buscando ajudar cada paciente a se engajar em um movimento pela longevidade que inclui, acredite, sonhos. Confira a seguir:
Não basta viver mais, é preciso viver melhor
Como já sabemos, estamos vivendo mais. Em 1982, a expectativa de vida do brasileiro era de 61,8 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, falamos em 74,6 anos, segundo esse mesmo órgão. Por causa do aumento da expectativa de vida, o Brasil chegará a 2025 sendo o sexto país mais longevo do mundo, segundo o World Health Statistics, de Genebra. (…) Imagine usar a atual tecnologia e as próximas, que chegarão em breve, em prol da biologia
que já nos permite viver mais tempo. Sabemos que existem áreas que prometem grande alento a diversas doenças, como as terapias de reparo ao DNA e ao RNA, a nanotecnologia, a modulação hormonal segura, a terapia com células-tronco, a reposição de nutrientes, a interface digital para cérebro e vísceras ou membros biônicos, entre tantas outras possibilidades. Não se discute, portanto, a capacidade de a ciência nos manter vivos por um impressionante período de tempo no futuro. Contudo,
ainda não é suficiente para que tenhamos uma vida com qualidade.
O que percebemos é que os aspectos que caracterizam uma pessoa longeva estão muito próximos da natureza, aqui entendida como o cultivo de hábitos alimentares saudáveis, atividades físicas, bom humor, capacidade de ser flexível e de se adaptar a novas situações etc. É claro que há indivíduos que manifestam esses traços com
mais intensidade, mas é perfeitamente possível trabalhar e estimular essas características em todas as pessoas. O primeiro passo é que a própria pessoa acredite nela mesma, que ela se sinta capaz de mudar seus hábitos e abandonar os “pensamentos mágicos”, de que alguém, um médico, ou algum remédio
será capaz de fazer isso por ela.
Sentido para a existência
Parte do plano de longevidade consiste em elaborar um projeto estratégico de vida. É comum encontrarmos executivos, dirigentes, políticos, pessoas famosas, de modo geral, que obtiveram grande êxito e inspiram admiração pelos empreendimentos que realizam, mas que, quando olhadas de perto, estão desestruturadas, descompassadas, apresentando evidentes desequilíbrios entre suas idades cronológica e biológica, com sérios transtornos afetivos. É claro que uma pessoa que se esconde de si mesma, que mascara seus desejos, certamente terá muitas frustrações e decepções. E isso impactará seu estilo de vida, porque, conscientemente ou não, ela tentará compensar esse déficit de satisfação com um desregramento crônico, inclusive na alimentação, ou com um engessamento moral. A falta de horizontes é uma
característica de indivíduos assim. Por isso, é tão importante construir um plano estratégico, uma visão de futuro.
Pense como você estará daqui a cinco anos. Como estará no futuro em relação aos seus netos, aos familiares, que desejos tentará realizar. Não é uma tarefa fácil provocar reflexões nesse sentido, fazendo com que a pessoa consiga se enxergar, em sua contribuição para com os outros, além dos aspectos materiais. (…)
Você pede que essa pessoa pense, re ita sobre os próximos cinco, dez anos de sua vida, e ela simplesmente não tem essa imagem, não tem essa perspectiva. É comum
ouvirmos: “Como pensar daqui a cinco, dez anos? Eu tenho coisas para resolver hoje, agora, não posso parar para pensar no futuro, não tenho tempo para isso”. Isso é
máquina, esse procedimento faz parte de uma engrenagem, tudo está rodando junto, a vida da pessoa é apenas um lubrificante para que essa engrenagem não pare. Não
há tempo para viver a vida.
Essa pessoa não tem visão de longo nem de médio alcance. Ela nunca pensou nessa hipótese, até porque isso vai lhe gerar apreensões, pois exigirá a tomada de algumas
posições na vida que ela não quer ou para as quais não está preparada. Ou mais: há casos em que o sujeito é corajoso para vencer, tomar posições arrojadas em negócios,
mas comporta-se como alguém intimidado diante de si mesmo, pois tem medo de correr riscos em âmbito emocional, afetivo ou pessoal. O envolvimento árduo com o trabalho passa a ser uma espécie de terapia ocupacional: o sujeito se ocupa no dia a dia para não ter de pensar no amanhã ou não olhar verdadeiramente o dia de hoje. Uma das novas abordagens psicológicas feitas quando falamos em longevidade centra-se na inversão de uma pergunta que costumávamos fazer às crianças: “O que você quer ser quando crescer?”. Na longevidade, o princípio condutor é o mesmo: “O que você quer ser quando envelhecer?”. É uma pergunta honesta, pois a resposta se encontra em algumas escolhas que fazemos na vida. É uma pergunta que tem de ser feita sobretudo porque o que até então era um “risco”, o de viver mais, muito mais até, está se tornando a cada dia uma certeza, uma expectativa muito concreta de acontecer. E, como vimos anteriormente, “viver mais” por si só não dá conta do que definimos como “viver bem”. Portanto, temos de começar a fazer essa pergunta aos 50, aos 60, aos 70 anos: “Como queremos estar daqui a trinta anos?”, no lugar de
pensar em “Como vamos estar daqui a 30 anos?”.
A ideia dessa pergunta é estimular as pessoas a ter sonhos. Os sonhos são cestas de energia: é onde temos de colocar nosso empenho, nossa dedicação, a capacidade de realizarmos coisas. Às vezes a pessoa investiu energia por muitos anos numa empresa, num tipo de raciocínio, e se acanha diante da perspectiva de mudar. (…) Você pode ser médico hoje e amanhã querer ser arquiteto, compositor, geólogo, o que quiser, ao mesmo tempo. É possível, claro. O que se precisa saber é quanto disso cabe em sua vida, quanto disso se conecta com sua energia interior, aquela que pode movimentar suas ações para realizar seu desejo.
O momento não é apenas propício como enseja a mudança. É preciso valorizar a riqueza do conhecimento adquirido. Nossos antepassados, quando chegavam aos 50, 60 anos, costumavam dizer ou pensar: “Como seria diferente minha vida se, com a experiência e o conhecimento que tenho hoje, tivesse de volta minha juventude”. Fazia,
naquele momento, algum sentido esse lamento. Contudo, hoje isso não se justifica. A pessoa chega aos 50 ou aos 60 anos e tem pela frente uma estrada enorme por caminhar.
Movimento para viver mais
Pense nisso: 60% das pessoas que usam seus carros se deslocam para percorrer distâncias menores que dois quilômetros. Considere: a semana tem 168 horas e eu sugiro a você que faça apenas três horas de exercício físico, seja ele qual for, por semana. Seria possível deixar mais o carro na garagem para caminhar, por exemplo? Espero que sua resposta seja sim. Estudos científicos nos permitem concluir que a atividade física regular e a adoção de um estilo de vida ativo são necessários para a promoção da saúde e da vitalidade durante o processo de envelhecimento.
Atualmente, sabemos que a prevenção de osteoporose não se dá na velhice, mas já no adulto jovem. Nosso pico de massa óssea ocorre entre 30 e 35 anos, e é antes disso que devemos fazer nossas reservas de cálcio e de todos os agentes xadores desse mineral para que haja boa constituição do osso. As atividades mais estimuladas são as aeróbicas de baixo impacto, assim como o exercício com pesos, para proporcionar a manutenção da força muscular dos membros superiores e inferiores – aspecto importantíssimo no idoso. Do mesmo modo, o equilíbrio e os movimentos corporais totais fazem parte dos programas de atividade física na terceira idade. (…) Além
disso, a atividade física está associada também a melhor mobilidade, capacidade funcional e autonomia.
A árvore da longevidade
A vida pode ser comparada a uma árvore: existe a genética, que está no centro de tudo, como em uma semente, a qual definirá as características da espécie e as
combinações que farão com que aquele ser seja único. Bons hábitos, como a adoção de uma alimentação equilibrada, são os galhos, as folhas verdes, as ores
e os frutos. Os maus hábitos, como estresse fora de controle, tabagismo, alcoolismo, alimentação rica em gorduras de má qualidade e açúcares são ventos excessivos, tempestades e geada, que gerarão os galhos quebradiços e as folhas secas. É preciso, portanto, regar a árvore sempre com bons nutrientes, para acumular cada vez mais folhas, ores e frutos de maior qualidade e quantidade, e colhê-los ao longo da vida.
O que determina a qualidade do envelhecimento como um todo é o balanço de todos os hábitos, desde a infância. Contudo, sempre é tempo para começar. Apenas para ter uma ideia, prevê-se que a atividade física somada ao controle do estresse podem aumentar em cerca de 30 anos a expectativa de vida. Quando esses fatores são somados ao não uso ou ao não abuso do álcool, a vida pode ser prolongada em 40 anos.
Orientações práticas para uma vida longeva:

1. Mantenha seu check-up em dia. A detecção precoce de doenças ou mesmo de disfunções é de fundamental importância para evitar problemas e interferir de maneira significativa na expectativa de vida
2. Coma na medida certa: a restrição calórica é uma das mais bem documentadas atitudes que podem ser úteis para viver mais. Assim, não passe fome, mas termine a
refeição quando estiver satisfeito, nunca sentindo que comeu em demasia. Uma alternativa prática pode ser reservar 20% do espaço do prato para não ser preenchido.
(“Um quarto do que você come mantém você vivo. Os outros três quartos mantêm o seu médico vivo” – leu-se num hieróglifo encontrado em uma tumba egípcia.)
3. Atenção aos nutrientes: à medida que o indivíduo atinge a quinta década de vida, a absorção dos nutrientes que ocorre no trato gastrointestinal, especialmente na
mucosa do estômago e do duodeno – onde começa a haver atro a – cai significativamente. Assim, solicite ao seu médico que confira os níveis de ácido fólico,
vitamina B12 e vitamina D, entre outras. Se estiverem baixos, a suplementação será bem recomendada. Esses são especialmente importantes para a manutenção da boa cognição ao longo do processo de envelhecimento. Ou seja, são benéficos para o humor, a memória e a atenção.
4. Cérebro ativo, sempre: o Alzheimer tem maior incidência em pessoas com baixo nível de instrução. Trabalho publicado no e New England Journal of Medicine mostrou que jogos de cartas, jogos de tabuleiro, palavras cruzadas e leitura podem reduzir risco de demência em pessoas com mais de 75 anos. Contudo, lembre-se: quanto mais cedo mantiver o cérebro ativo (em equilíbrio), melhor.
5. Álcool, se ingerido com moderação, tudo bem. Não fume e não use drogas. Não fumantes vivem, em média, dez anos mais que fumantes.
6. Não deixe de tomar seu café da manhã: pesquisa do Instituto de Gerontologia da Universidade da Geórgia revelou que os centenários, diferentemente de quem não atingiu os 100 anos, nunca dispensam essa refeição.
7. Dentes muito limpos: pesquisadores da Universidade Harvard identificaram que a in amação bacteriana da gengiva, causada pelo acúmulo de resíduos alimentares
entre os dentes, aumenta em 72% o risco de doença cardiovascular. Pessoas com pior saúde bucal (medida pelo número de dentes presentes na boca) morrem mais cedo
de doenças cardiovasculares em todas as faixas etárias.
8. Seja ativo: a Associação Americana do Coração evidenciou que exercícios diários moderados ajudam a aumentar o tempo de vida em até seis anos. E, se for possível, mantenha a prática do exercício físico junto ao contato com a natureza. Pesquisadores japoneses concluíram que a expectativa de vida de idosos que moram perto de áreas verdes é maior que a daqueles que vivem cercados de arranha-céus.
9. Parceria: segundo o Journal of Health Psychology, pessoas que mantêm longas e bem-sucedidas uniões afetivas têm maior expectativa de vida, quando comparadas
com pessoas que se casam novamente ou terminam a vida divorciadas. Isso é válido desde que o casal esteja unido por amor, e não por conveniência.
10. Seja legal consigo mesmo – e com os outros: depois de dez anos estudando como a personalidade influi no aumento ou na diminuição da expectativa de vida, pesquisadores holandeses concluíram que ter uma atitude positiva pode diminuir em até 55% o risco de morte prematura. Além disso, novos trabalhos têm indicado
que, quanto mais altruísta o indivíduo for, maior o benefício em termos de aumento de córtex cerebral. Segundo um estudo publicado na revista Psychological Science, dar apoio físico ou emocional a outras pessoas reduz em até 60% o risco de morte prematura no idoso.

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