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Os oito passos da ioga

Na raiz da filosofia indiana está Patanjali, o sábio que viveu há séculos e sistematizou os caminhos da ioga. Entender esses textos antigos, os Yoga Sutras, escritos por ele, é desvendar um pouco mais dessa cultura milenar

A ioga que se pratica hoje tem raízes muito antigas – Shutterstock

A ioga que se pratica hoje tem raízes
muito antigas, que remontam a 2500 a.C. Naquele tempo, a tradição era passada
oralmente de mestre a discípulo. Felizmente, a essência dessa filosofia milenar
não se perdeu em meio às palavras porque um sábio indiano conhecido como
Patanjali sistematizou por escrito esse conhecimento em 196 aforismos, chamados
de Yoga Sutras, entre 400 e 200 a.C.

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Os Yoga Sutras mostram que a prática da
ioga vai muito além da realização de posturas físicas. Na realidade, trata-se
de um sistema filosófico dividido em oito passos que devem ser incluídos integralmente
no dia a dia. São eles: yama e niyamas, ambos com cinco etapas cada um, asana,
pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi.

Veja, a seguir, cada um desses passos. 
1) Yama ou Disciplina

Base para qualquer linha de
ioga, o yama, ou a disciplina, é composto por cinco orientações, voltadas para
a formação do caráter e da ética e para o bom convívio em sociedade e consigo
mesmo. Segundo os iogues, são pré-requisitos para o trabalho espiritual, sem os
quais não é possível aquietar a mente e atingir a alma.

1. Não-violência – Ahimsa

Mais do que não machucar o outro, o
princípio da não-violência é também evitar o mal contra si mesmo. “É o não
comer, beber ou trabalhar demais”, exemplifica Anna Ivanov, presidente da
Sociedade Internacional de Yoga. “Além de não ser violento com gestos, palavras
e olhares.” A violência, segundo Patanjali, também é praticada quando se tem
pensamentos negativos ou ao desejar que algo ruim aconteça com o outro. Esse
princípio passa também pela transformação das emoções. É o não responder o ódio
com o ódio, mas aprender a lidar com os sentimentos. O iogue acredita que matar
ou destruir uma coisa ou um ser é insultar seu Criador.

2. Verdade – Satya

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Satya é a verdade – em palavras,
pensamentos e ações – consigo mesmo e com o outro. Para Patanjali, a falsidade
gera perturbação mental, pois a todo momento é preciso arranjar desculpas para
justificar a própria mentira. Isso ocupa um espaço nobre dentro da memória,
fazendo com que a mente perca tempo com inutilidades. Já quem é comprometido
com a verdade ocupa seus pensamentos com as coisas essenciais.

3. Não roubar – Asteya

Mais do que não roubar, no sentido de
furtar, asteya também está relacionado com invejar os bens alheios. Esse yama
traz embutido um dos conceitos mais importantes dos fundamentos espirituais da
Índia: o desapego. Para essa filosofia, o apego aos bens materiais e o tomar
para si o que não lhe pertence causam perturbações mentais que distanciam o
praticante do crescimento espiritual.

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4. Continência – Brahmacharya

“Há os que confundem brahmacharya
apenas aos impulsos sexuais”, explica Marcos Rojo. Mas ser um praticante de
ioga não implica ser celibatário. O sentido social do princípio da continência
é a moderação, que vai da alimentação ao sexo e até mesmo ao uso do dinheiro.
Comer em excesso, ter relações sexuais com vários parceiros diferentes é ir
contra o bramacharya, por exemplo.

5. Não cobiçar – Aparigraha

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Para a ioga, o sentimento de posse, por alguém ou alguma coisa, pode
levar ao sofrimento, pois geralmente condicionamos a felicidade a esse desejo.
É uma ignorância acreditar ser possuidor de bens materiais: o que temos é o uso
temporário das coisas. E não cobiçar é não ter apego e saber usufruir. Guardar
uma roupa para não estragar ou sentir ciúme doentio é não praticar aparigraha.
2) Niyamas ou Autodisciplina
Os niyamas estão
relacionados a ações mentais saudáveis que todo praticante tem que ter. Os
estudiosos da filosofia da ioga gostam de dizer que dá para reconhecer um bom
praticante não pelo que ele fala ou faz com o corpo, mas por suas atitudes

1. Pureza – Saucha

Diz respeito aos planos físico,
emocional e mental. É comer alimentos saudáveis, manter o corpo limpo e
praticar asanas e pranayamas. Mas é também ter a mente livre de sentimentos
perturbadores, como ódio, cobiça e orgulho. “Essas toxinas emocionais causam
flutuações na mente”, explica Marcos Rojo.

2. Contentamento – Samtosha

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Esse segundo nyama prega que a
felicidade deve ser um sentimento independente dos acontecimentos externos ou
de outra pessoa. Ou seja, seu contentamento não pode depender de uma promoção
no trabalho ou de provas ininterruptas de carinho e amor por parte de seu
companheiro. Lógico que isso ajuda muito, mas o estado de paz interior e
alegria na vida é de sua responsabilidade, e sua manutenção depende
exclusivamente de você.

3. Austeridade – Tapas

É o esforço, a crença ou a força de
vontade para alcançar um objetivo, mesmo diante de dificuldades. Ou, na
tradução do mestre de ioga B. K. S. Iyengar, em seu livro A Luz da Yoga, o
desejo ardente de purificar cada célula de nosso corpo. E é isso que leva a
alma a se libertar, segundo Patanjali. É o não desistir diante de uma postura
mais complicada ou que exija uma maior concentração. É transcender os limites
naturais e assim chegar à auto-realização, que é o objetivo final do iogue.

4. Estudo de si mesmo – Svadhyaya

O ponto de partida desse quarto estágio
é a ampliação do entendimento da ioga e de si mesmo por meio da literatura
sagrada. Bem entendido que esse conhecimento não deve ser apenas teórico, mas
uma ferramenta preciosa para o desenvolvimento espiritual e pessoal. É obter
instrumentos para ampliar o autoconhecimento, meditar sobre a própria natureza
e mudar o jeito de encarar a vida.

5. Auto-rendição – Ishvara

Para Patanjali, só após o corpo ser limpo por tapas, e quando o
entendimento do eu for atingido por meio do svadhyaya, é que o iogue está
pronto para ishvara, ou entregar-se a um ser divino. É reconhecer que existe
uma ordem superior, à qual nossa essência divina está ligada. Nesse último
passo do niyama, o praticante já anulou seu orgulho e desenvolveu a humildade
e, assim, consegue seguir pelo caminho da devoção.
3) Asana ou Postura
Esse termo em sânscrito
equivale às posturas físicas, um dos pilares da prática. Para o iogue, esse
estágio possibilita a transformação do corpo, em que a energia não encontrará
mais obstáculos para circular livremente. Além disso, seu domínio leva à supressão
da atividade intelectual, pavimentando o caminho para adquirir um grau elevado
de consciência.

Em um dos sutras, o mestre Patanjali
diz que o asana tem que ser estável, firme e confortável, reduzindo o esforço
do corpo ao mínimo necessário. Isso vai permitir ao iogue entrar num estado
meditativo, um dos objetivos finais da prática de acordo com a escola clássica
desse mestre indiano.

Do ponto de vista físico, as posturas proporcionam alongamento, dão
tônus, ampliam o autoconhecimento e têm ação sob as articulações e o sistema
nervoso. Ao fazer o asana, o praticante faz um mergulho em seu corpo e se
concentra. Para isso, não dá para ter pressa ou exigir demais de si mesmo, mais
do que os músculos são capazes. Descobrir os próprios limites e superá-los é uma
forma de não perder o contato consigo mesmo. Patanjali sintetiza com precisão o
efeito dos asanas sobre quem os pratica: a dualidade entre corpo e mente
desaparece.
4) Pranayama ou Controle da força Vital
É o quarto estágio da ioga e
se refere à expansão da energia vital por meio do controle da respiração. Ao
mantê-la calma, é possível imprimir o mesmo ritmo à mente. Nos Yoga Sutras,
Patanjali descreve o pranayama como “controlar o processo de inspirar e
expirar”. Mais que isso, o pranayama exige quatro estágios: inspirar, manter os
pulmões cheios de ar, expirar e permanecer um tempo com os pulmões vazios. “Se
não houver as quatro etapas, não é pranayama”, explica Anna Ivanov, presidente
da Sociedade Internacional de Yoga. Esses exercícios respiratórios fortalecem o
sistema nervoso e harmonizam os pensamentos, as emoções e as atitudes,
tornando-os mais harmônicos e equilibrados.
5) Pratyahara ou  Retração dos sentidos
Intimamente associado às
duas últimas etapas do sistema proposto por Patanjali, representa uma transição
entre os aspectos externos da ioga (yama, niyama, asana e pranayama) e os
internos (dharana, dhyana e samadhi). Essa etapa busca libertar a mente dos
estímulos exteriores para mergulhá-la na meditação. “Os pensamentos
desordenados são os maiores obstáculos para quem busca meditar”, afirma Anna
Ivanov. “Para aquietá-la, é preciso esvaziá-la, tranqüilizar as emoções e
relaxar o corpo.” Isso pode ser feito de quatro maneiras: através do controle
da energia vital, dos sentidos, do corpo e da mente. Estados que só são
alcançados com muita prática e disciplina.
6) Dharana ou Concentração
Busca fixar a atenção em um
único ponto para evitar as flutuações mentais, abrindo assim caminho para o
estado meditativo. Esse é o objetivo dessa etapa. Para facilitar a
concentração, Patanjali propõe algumas práticas, como manter os olhos fixos na
chama de uma vela, cantar mantras e repetir uma sílaba sagrada seguidamente. No
início, pode ser difícil, por isso é necessário treino e perseverança. Com o
tempo, ficará mais fácil domar os pensamentos e filtrar os ruídos externos.
7) Dhyana ou Meditação
É o penúltimo passo para
atingir o estado de iluminação. Trata-se da experiência real da meditação, no
qual finalmente as flutuações da mente são dominadas e a concentração alcançada
é máxima. É um estado muito difícil de ser atingido, mas não impossível. Infelizmente,
não pode ser ensinado. Como os dois estágios anteriores, é necessário esforço e
dedicação. Quem chega lá garante que vale a pena.

8) Samadhi – Hiperconsciência
Segundo Patanjali, é o objetivo final da ioga, quando se tem acesso aos níveis mais profundos da consciência. Outros estudiosos dizem que é o momento em que ocorre a iluminação e a libertação da alma. Para B. K. S. Iyengar, samadhi é unir os três níveis de consciência num único: subconsciente, consciente e inconsciente. Já para a iogue Anna Ivanov, conseguimos atingir pequenos samadhis durante a vida. “Quando você senta de frente para o mar e não consegue sair dali porque está maravilhado com o que vê, isso é samadhi. É viver sensações de bem-estar sem nenhum pensamento atormentando.” E o objetivo do sistema da ioga, descrito pelos Yoga Sutras de Patanjali, tem muito disto: aprender a conquistar essa sensação com o que você tem dentro de você. E esse domínio do corpo e da alma é o que abre seus canais de intuição.)