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Por que não deve existir o ”Dia da Consciência Branca”, como sugeriu Regina Duarte?

A atriz Regina Duarte usou suas redes sociais para questionar a não existência do ”Dia da Consciência Branca”; ativistas negros comentam sobre o assunto

Por que não deve existir o Dia da Consciência Branca, como sugeriu Regina Duarte? – Foto: Alan Santos/PR / Wikimedia Commons – Freepik / rawpixel.com

Regina Duarte polemizou ao questionar quando teremos o “Dia da Consciência Branca” em suas redes sociais através de publicação feita neste último domingo, 21, em contraponto ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

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“Quando teremos o Dia da Consciência Branca, Amarela, Parda…? Quanto tempo vamos ainda nos vitimizar ao peso de anos, de séculos de dor por culpas antepassadas? Quando vamos parar de olhar para trás e enfrentar o hoje e nós olharmos com a coragem da cara limpa? Maduros, evoluídos, conscientes de nossa luta, irmanados em nossa capacidade, de sermos… HUMANOS? Simplesmente IRMÃOS?”, escreveu a atriz e ex-secretária especial de Cultura do Governo Bolsonaro na legenda da publicação.

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O compartilhamento consiste em uma entrevista feita com o também ator Morgan Freeman que diz achar “ridículo” o “Mês da Consciência Negra”, como sugere o vídeo. No registro, o americano ainda alegou que, para combater o racismo, deveríamos parar de falar sobre ele.

Por que não deve existir o Dia da Consciência Branca?

O professor de capoeira e homem negro Fabiano Andrade, de 49 anos, põe em prática na sua profissão uma das fortes raízes negras que perduraram desde o período da escravidão, no caso, a forma de defesa que os escravos praticavam para se defender das brutais ameaças dos senhores — brancos.

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“Não deveria existir o ‘Dia da Consciência Branca’ porque o Dia da Consciência Negra, para nós, é um dia de reflexão. É o dia de pensar porque nossos antepassados foram escravizados. Não que não seja todo dia o dia de pensar isso, porque a sociedade faz com que a gente pense nisso todos os dias. Toda vez que a gente acorda, nós precisamos estar preparados para enfrentar esse ‘leão’. Existe toda uma carga histórica que, nesse dia [da Consciência Negra] fica mais aflorada.”, começou Fabiano.

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Refutando a fala de Regina Duarte, o capoeirista continuou: “É totalmente desnecessário o ‘Dia da Consciência Branca’, pois seria o dia da consciência dos privilegiados, o dia de quem escravizou, o dia de quem separou famílias, o dia de quem não assume que tem uma dívida histórica com a gente. É totalmente desnecessário.”

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Conversei também com Thaise Pacheco, mulher negra, professora e ativista do movimento de luta por moradia. Atualmente é mestranda em Educação na Universidade de São Paulo e coordenadora pedagógica do Instituto Direito e Periferia (IDEP).

Ela explicou que, por mais velado que seja, existe, sim, um projeto silencioso de extinguir o povo negro do país, uma ação que mata e exclui os negros de vários espaços e de seus direitos até hoje.

“Não dá para simplesmente fingir que as escravização no Brasil não existiu e não trouxe consequências. A nossa herança não foi terra, não foi oportunidade de emprego, não foi investimento. Após o dia 13 de maio [dia da abolição da escravatura], o que os povos negros ganharam foi o desemprego, foi ficar à margem da sociedade. Contrataram pessoas brancas de outros países, deram para elas direito à terra, enquanto para os povos negros só repressão. Não à toa, o número de pessoas encarceradas negras é maior. Não à toa, as balas perdidas sempre encontram um corpo negro.”, diz Thaise.

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“Uma mulher que faz parte da cultura deveria estar dando um bom exemplo”

“Esse projeto de extermínio infelizmente nos persegue até hoje com essa desculpa de consciência humana, de que todo mundo é igual. Eu acredito que seja um grande erro da Regina Duarte dela se posicionar dessa forma. É lamentável. Uma mulher que faz parte da cultura deveria estar dando um bom exemplo para a gente fazer essa reparação histórica.”, continuou a profissional.

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A professora e ativista ainda citou um levantamento realizado pelo Insper e divulgado em setembro de 2020 que mostra e justifica sua fala quando homens brancos com ensino superior recebem um salário médio 159% maior do que o das mulheres negras que cursaram as mesmas faculdades.

“A pobreza tem cor”

Thaise relembra que os negros são duas vezes mais atingidos pela pobreza do que pessoas brancas no Brasil, e isso se sá pelo racismo estrutural, aquele empermeado na sociedade. “A pobreza tem cor, a miséria tem cor, o desemprego tem cor, o encarceramento em massa que acontece no nosso país tem cor. É muito complicado alguém se incomodar com o Dia da Consciência Negra. É uma sinalização de que essa pessoa não tem consciência alguma, a não ser a da manutenção dos seus privilégios.”, completa a professora.

Ela finaliza sua fala nos dando uma grande lição: “Que bom que a gente só quer uma reparação histórica, que a gente só quer ter a garantia dos nossos direitos, igualdade de oportunidades. Ninguém está querendo vingança pelo que aconteceu. Nenhuma pessoa branca hoje é culpada pelo processo de escravização, mas essa pessoa tem que ter consciência de que o privilégio da branquitude proporciona para ela oportunidades que o povo preto ainda não pode acessar. Eu acredito que a gente tenha que continuar lutando para haver dias melhores, não só nas ruas, mas em todos os espaços.”.