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Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo

Da janela de seu apartamento, em Ipanema, Juliana revê sua vida. O mar em movimento incessante, como seus pensamentos. Sentada em uma almofada preta e redonda, ela se esforça para meditar. 

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Meditar é esforço sem esforço, segundo os mestres zen. Entretanto, Juliana se esforça. Endireita a coluna e a cervical, posiciona o queixo um pouco para dentro, entrecruza as pernas, faz com as mãos o mudra cósmico. “Luciana não poderia ter falado assim comigo”, pensa. Juliana reconhece o pensamento e tenta voltar a atenção ao ciclo respiratório e à sua postura. 

“Vou telefonar para ela. Vou dizer tudo. Fim de nossa amizade”, torna a pensar. Abre um pouco mais os olhos. As ondas quebram na praia. Ainda se ouve o som do mar. Inspira e expira conscientemente.
Juliana relembra cenas antigas. Ela menina, o pai chegando à noite. Passeia pela casa, vê o quadro de camelos no deserto. Areia, beduínos, e ela se imaginava também uma beduína, montada sobre um camelo, ao sol quente. Pensamentos e sensações. “Vou levantar para beber água. Ainda não se passaram 15 minutos”, pensa.
Os olhos de Juliana se fecham suavemente. Sua mente voa mais rápido que o vento de primavera. Infância com cheiros, memórias, sentimentos. Adolescência sofrida e magoada pelos olhares invasivos daqueles que não a respeitavam, invejavam, criticavam, exigiam, cobravam o que ela não tinha para dar. A morte do pai. O enterro. O cemitério sombrio e as meias pretas rendadas. O primo e os abraços profundos, soturnos, sensuais. 
“Silêncio. Meditação é estar presente no presente. Por que tanto rever? Psiu”, mais pensamentos. Juliana aguarda o toque do sino do celular. Quinze minutos. “Tudo é a tapeçaria de sua vida. Aprecie. Devo apreciar até mesmo o rancor e a dor, a inveja, o ciúme, a exclusão, a expulsão de casa, da escola, da vida?” 
O despertador toca, Juliana sorri. Lentamente balança o corpo de um lado para o outro e se levanta. Presente no presente. A vida sendo vivida no aqui e no agora. Arruma a almofada, abre mais as janelas e vê uma surfista no mar. “Deve ser Luciana”, pensa. Ju pega a prancha e, quando entra no mar, já não pensa nem no bem nem no mal. Água e sal. Onda é movimento. Vida é atitude. – “Oi, Lu. Tá de boa? Vamos pegar aquela?” E as duas remam juntas para o fundo do mar.
Nossa mente é assim como a de Juliana: reclama, conversa, é cheia de memórias e pensamentos. Mas, se ficarmos em silêncio, observando e deixando passar, assim como surfistas que sabem esperar a melhor onda, naturalmente a mente se aquieta, o corpo se equilibra e podemos transcender rancores e apreciar o momento presente. Esse voltar ao presente não significa deixar de fazer algo contra injustiças, mas aguardar o momento certo para se manifestar de maneira correta, trazendo mudanças verdadeiras e significativas; não apenas brigas e discussões mas reflexões que levem à Verdade e ao Caminho.