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Mente Buda

Perceber que somos a realidade e, por isso, a afetamos, é parte da grande sabedoria búdica. Quanto mais estivermos cientes de tal envolvimento, mais caminharemos e m direção ao bem comum

Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo

Costumamos dizer que a flor desabrocha na primavera. Não é
bem assim. O desabrochar da flor é a primavera. Pense nisso. Há uma sutil e
profunda diferença. Quando conseguimos modificar nossa maneira de falar e de
ser, e por ter havido uma mudança no nosso modo de ver e interpretar a
realidade. Primavera é flor. O desabrochar é a primavera. Verão é calor. O
calor é o verão. Outono é a Lua no céu claro. A Lua no céu claro é o outono.
Inverno é frio. O frio é o inverno. E assim por diante. No Brasil, as estações
do ano não são tão bem marcadas como em outros países de clima temperado. Por
aqui, podemos ter em um mesmo dia a manifestação das quatro estações. Nos
países frios, o desabrochar da ameixeira branca – a primeira flor que surge,
ainda na neve – é causa de grande alegria. Fragrâncias e cores voltam, sair de
casa se torna mais fácil. Alimentos frescos aparecem em maior quantidade nos
mercados. Menos roupas, mais leveza. Renovação da vida. Fui ao Uruguai para um
retiro zen-budista. Era outono. Árvores sem nenhuma folha ou flor esticavam
seus galhos cortados formando desenhos estranhos. Formas que desconheço no
Brasil. Eram árvores grandes, altas, escuras sob um céu nublado. Recebi da
prefeita de Montevidéu uma placa de Honra ao Mérito, pois haviam dito a ela que
trabalho para o desenvolvimento de uma cultura de paz. Faço tão pouco que não
me senti digna da honra. Participo de encontros inter-religiosos, faço
palestras, dou aulas, pratico zazen (meditação sentada). Sempre que posso, falo
sobre nossa responsabilidade em relação à realidade em que vivemos. Somos essa
realidade. Assim como a flor é a primavera. Somos o mundo em que vivemos.
Podemos fazer a diferença, a mudança que almejamos. Claro que há muita coisa
que podemos fazer sozinhos. Limpar a sujeira dos cães na rua, não jogar lixo
nas calçadas, separar o lixo orgânico do reciclável, usar pouca água no banho,
na pia, fechar a torneira enquanto escovamos os dentes, cuidar das plantas e ao
mesmo tempo tomar cuidado para evitar a dengue em nossa casa e em espaços
comunitários, minimizar o uso de energia elétrica. Podemos ter preocupações
ambientais e sociais. Podemos participar de grupos, ONGs. Há tanta gente boa no
mundo! Mas sempre será necessário que haja políticas públicas baseadas no
cuidado.

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A mente humana deve ser mais temida que cobras venenosas e
assaltantes vingadores
”, dizia Buda. Verdade. Enganamos a nós mesmos. Consideramos
bom aquilo que nos engrandece e favorece. Se não formos capazes de sair desse
eu menor, que nos mantém em delusão, jamais acessaremos a Verdade, o Eu Maior.
O desabrochar do coração de compaixão e sabedoria é a Mente Buda, assim como o
desabrochar da flor é a primavera.

MONJA COEN é fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo
Brasil e, com suas palavras amorosas, convida à prática do respeito ao próximo.
Publicou pela ed. Planeta, A Sabedoria da Transformação: Reflexões e
Experiências , de onde extraímos o texto ao lado.