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Monja Coen – Michel Filho / Agência O Globo

Certo dia, o monge Nyojo pediu ao abade do mosteiro a honra de limpar as privadas. O abade disse: “Se você me responder como purificar o imaculado, a posição é sua”. O monge sentou-se em meditação. Não conseguia encontrar a resposta. O abade o chamou e novamente perguntou: “Diga-me: como pode purificar o imaculado?”. “Mestre, por mais que eu pense, não consigo entender.” E o abade lhe disse: “Se você conseguir se libertar das velhas amarras de sua mente, entenderá”. Por um ano, o monge meditou. O abade o chamou novamente: “E agora? Como purificar o imaculado?”. “Entendi, mestre. Purificar…” O mestre bateu nele antes que continuasse a falar. Anos mais tarde, esse jovem monge, com tanta dificuldade em responder ao mestre, tornou-se um dos maiores expoentes do zen-budismo na China.

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Dôgen Zenji, fundador da ordem Sôtô Shû e discípulo de Mestre Tendo Nyojo (o monge da história anterior), escreveu que somos o tempo. Não existe alguma coisa chamada tempo separada de nós. Para fins didáticos, fazemos uma linha. No centro, colocamos o zero; à esquerda, o sinal de menos; à direita, o sinal de mais. Mas o tempo não tem essa linearidade didática. Há o antes e o depois, e ambos se manifestam no agora. Sem o antes, não estaríamos aqui. Estar aqui é criar condições para o depois. Mas o depois nunca chega, pois estamos sempre no agora. Quando o jovem Nyojo pede para limpar as latrinas do mosteiro, ele está pedindo para fazer o trabalho mais desagradável de todos. E também pela confiança do abade – no zen-budismo, os monges designados a ser líderes dos noviços devem se responsabilizar pela limpeza das privadas. Por isso, o mestre lhe lança a pergunta: “Como purificar o imaculado?”. Quando se sente pronto a responder, o abade o faz calar. Não eram palavras e explicações que o mestre pedia, mas um gesto simples e verdadeiro por meio do qual pudesse revelar a verdade sem a ferir. 
Esse exemplo serve para nos lembrar de que, mesmo quando temos dificuldades em compreender, não quer dizer que jamais iremos entender. O amadurecimento de um ser humano é como o de uma planta, de uma flor. Não podemos forçar para que se abra, pois suas pétalas quebrariam. Às vezes, ficamos impacientes com pessoas próximas de nós. Como se tivessem a obrigação de entender o seu olhar maior. E nos esquecemos de que tudo tem seu tempo. 
No século passado, houve um mestre zen bem interessante no mosteiro-sede de Sojiji. Certa feita, enquanto ele limpava o jardim, um monge elegante chegou perguntando onde poderia encontrar o abade. O mestre apontou para a porta principal. Momentos depois, recebeu o visitante em sua sala, e o monge nem percebeu que o abade era a mesma pessoa a quem ele havia pedido a informação. Presos às aparências superficiais, muitas vezes deixamos de ver a realidade assim como é. Watanabe Zenji – esse era seu nome – também tinha outras manias. Jamais permitia que outras pessoas limpassem seu banheiro: “Limpo o que sujo. Mas o que é sujeira e limpeza?”. Sorria e continuava nas tarefas simples da vida diária.