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Pessoas mais espiritualizadas se cuidam melhor

Na quarta reportagem sobre como reduzir o estresse, o cardiologista Alvaro Avezum fala sobre os benefícios decorrentes da espiritualidade

Alma também em paz – Shutterstock

Um dos pioneiros no país a estudar a relação entre saúde cardiovascular e espiritualidade é o médico Alvaro Avezum, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo. Segundo ele, as pessoas mais espiritualizadas tendem a se cuidar melhor. Também existem evidências de que há maior equilíbrio de hormônios e outras substâncias, caso do cortisol e da adrenalina (hormônios associados ao estresse), que, em excesso, podem causar o aumento da pressão arterial. Há estudos que mostram um grande impacto do enfrentamento positivo no controle da hipertensão.

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Por que pesquisar espiritualidade e saúde cardiovascular?

Tenho a mente inquieta. Interesso-me pelo assunto desde a época da minha formação. O verdadeiro cientista precisa estar aberto para o que é novo, ele não deve ser dogmático, precisa questionar e buscar entender os porquês e por isso é fundamental jamais deixar as janelas fechadas para a novidade. À medida que o tempo avança, a nossa prática clínica é alterada, posso afirmar que já aconteceram muitas mudanças desde que fiz a residência médica e obviamente elas continuarão acontecendo. Acredito que é necessário construir um novo paradigma na medicina. O tema é bastante promissor, justamente porque existem muitas sugestões preliminares de que a espiritualidade favoreça desfechos positivos em doenças. Embora ainda não tenhamos a verdade cristalina, há diversas pistas a seguir. Tem algo que escapa ao pensamento convencional e que, portanto, merece nossa investigação com todo o rigor científico.

Poderia falar mais sobre esses achados?

Na literatura científica há evidências que mostram a atuação do enfrentamento positivo na saúde cardiovascular. A forma como usamos nossas emoções, seja o perdão, a honestidade, a disciplina, o altruísmo, enfim, elas interferem no nosso organismo. Não à toa trabalhos relacionam a espiritualidade com uma baixa na mortalidade por males cardíacos.

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Na sua opinião, quais são os mecanismos por trás desse elo?

O primeiro indício está relacionado com o fato de que os mais espiritualizados tendem a se cuidar melhor. Também existem evidências de que há maior equilíbrio de hormônios e outras substâncias, caso do cortisol e da adrenalina (hormônios associados ao estresse), que, em excesso, podem causar o aumento da pressão arterial. Aliás, há estudos que mostram um impacto do enfrentamento positivo no controle da hipertensão.

Entretanto…

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O modelo atual de vida que nós estamos levando está nos adoecendo. E não faltam provas de que quem passa por situações de estresse constante pode sofrer uma série de reações no corpo, que, entre outras coisas, dispara inflamações na parede interna dos vasos sanguíneos, arritmias e outros tantos males. Aliás, cada vez que um problema vem à tona novamente, por meio das lembranças, ocorrem novas descargas dessas substâncias e esse processo faz aumentar o risco para distúrbios como a aterosclerose – a formação de placas de gordura – que podem culminar em infarto ou derrame. Daí a importância do enfrentamento positivo. A doença na sua origem é força de emoções, sentimentos, enfrentamentos negativos e positivos fluindo de dentro para fora e, por isso, possivelmente pode ser erradicada por impulso da mesma natureza. É fundamental tanto receber os cuidados médicos e medicamentos corretos quanto ajustar alguns conceitos e emoções para viver essas situações. Virar a página é saudável. Relevar e perdoar tem efeitos terapêuticos. Claro que ninguém vive num mundo encantado, onde se deve aceitar tudo, mas é preciso ter mais tolerância. Quem é solidário cultiva um ambiente saudável.

O senhor poderia falar sobre a evolução dos estudos nessa área?

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Nós, do Instituto Dante Pazzanese, coordenamos, junto com dezenas de países, um grande estudo, com mais de 30 mil pessoas, durante dez anos, que avaliou algumas causas para males como o infarto. O trabalho publicado em 2004 e conhecido no meio médico como Interheart foi um dos pioneiros na inclusão de fatores psicossociais, caso do estresse e da depressão, entre os gatilhos para os males cardíacos. A partir dele essa dupla ganhou força e se juntou ao tabagismo, ao sedentarismo, à hipertensão e ao colesterol alto como os principais desencadeadores de doenças que acometem as artérias. O estudo também estimulou a busca de outros elementos e de modelos de pesquisa para avaliar o impacto da saúde mental, do suporte social e do comportamento na doença cardiovascular. Hoje é possível afirmar que as pesquisas envolvendo emoções e espiritualidade mostram um crescimento exponencial, o que reforça a necessidade de rigor científico na avaliação. Aliás, muitos alunos meus têm interesse pelo assunto.

Quanto ao grupo de estudos da Sociedade Brasileira de Cardiologia…

O Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular, vinculado ao Departamento de Cardiologia Clínica da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), surgiu em março de 2013 e já somos 400 associados. A ideia é divulgar informações sobre o assunto e avançar nas pesquisas no país. Nos Estados Unidos, 84% das escolas médicas têm em sua grade curricular cursos voltados para o tema e aqui nós ainda estamos no começo. Como os pacientes sempre querem discutir o assunto, é importante que os especialistas tenham todo o respaldo. Inclusive já está crescendo nos consultórios o que chamamos de avaliação integral, isto é, uma análise que além de esmiuçar a história clínica e social, que engloba desde sintomas, hábitos, histórico de doenças da família, busca, ainda que de maneira informal, avaliar as questões emocionais, os valores éticos e como se dá o enfrentamento em determinadas situações. Percebo que entre os profissionais o interesse pelo assunto está aumentando. Aliás, no último congresso da SBC tivemos duas mesas-redondas voltadas para a questão e foi um sucesso. É um grande feito levar o tema para esse ambiente acadêmico, que é bastante rígido.

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O senhor tem religião?

Sou espírita, mas sempre enfatizo que nossas pesquisas independem de filiação religiosa. Gosto de deixar isso bem claro porque a humanidade tem mostrado muita confusão em torno de questões que envolvem religião. Digo que é possível viver sem religião, mas não sem espiritualidade.

Seria correto afirmar, então, que é um homem espiritualizado.

Prefiro dizer apenas que a espiritualidade faz parte do meu dia a dia.